O globo, n. 30229, 12/05/2016. País, p. 6

Dilma esvazia gavetas e assina últimos atos

Presidente tira foto do neto da parede do gabinete e grava pronunciamento que será divulgado hoje, após notificação do afastamento
 

 

-BRASÍLIA-

 

O clima no Palácio do Planalto, ontem, era de fim de festa. Ao longo de todo o dia, funcionários percorriam os corredores carregando caixas com seus pertences. A presidente Dilma Rousseff só chegou ao gabinete às 15h, mas também tratou de esvaziar suas gavetas e embalar objetos pessoais. Dilma assistiu à primeira parte da sessão do Senado no Planalto, ao lado do ministro Jaques Wagner, chefe do Gabinete Pessoal. Por volta das 19h30m, foi até a janela ver uma pequena manifestação pró-impeachment que acontecia em frente à Praça dos Três Poderes. Em seguida foi para casa.

No Palácio da Alvorada, juntaramse a ela Jorge Messias (subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil) e Edinho Silva (ministro da Secretaria de Comunicação Social), para continuar assistindo aos discursos dos senadores. Às 23h, ela se recolheu à área residencial do palácio para acordar cedo hoje.

À noite, uma edição extra no Diário Oficial da União publicou a última leva de atos de Dilma: ela regulamentou o Marco Civil da Internet, o que agradou mais às entidades do movimento social. A presidente decidiu também enviar ao Congresso o projeto de lei de Dados Pessoais, que visa a coibir o uso de dados por empresas e organizações em geral sem conhecimento do cidadão e sem um controle sobre essas atividades.

Dilma começou o dia trocando a tradicional pedalada por uma caminhada dentro do próprio terreno do Palácio da Alvorada por volta das 7h da manhã. Ela optou por ficar em sua residência até o meio da tarde. Lá, reuniu-se apenas com seu assessor mais próximo, Giles Azevedo, e com Messias. Ambos permanecerão ligados formalmente à petista durante seu afastamento, na equipe que Dilma levará ao Alvorada. Na hora do almoço, ela recebeu o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e, em seguida, gravou, ao lado de Edinho Silva, um pronunciamento que será divulgado hoje.

Enquanto isso, Jaques Wagner fez uma reunião com 30 dos 32 ministros — só estavam ausentes Cardozo e Inês Magalhães, de Cidades. O tema foi a exoneração coletiva dos ministros, secretários-executivos e secretários nacionais. Dilma decidiu que só manterá o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o ministro do Esporte, Ricardo Leyser. Este último, para que não sejam interrompidas as ações das Olimpíadas às vésperas do início do evento.

Parte dos ministros deverá entrar na Comissão de Ética Pública com pedido de quarentena (seis meses de salário integral com o impedimento de assumir cargos incompatíveis com a função exercida no governo).

Ao chegar ao gabinete à tarde, Dilma começou a recolher objetos pessoais, como a foto do neto que mantinha na parede. Ela só recebeu os ministros do Planalto: Jaques Wagner, Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Giles. Nesse período, fechou os detalhes do discurso que fará no Planalto hoje, que poderá ser o de encerramento do ciclo de cinco anos em que ficou na Presidência.

No discurso, Dilma estará acompanhada de todos os ministros e do expresidente Lula. Ao fim de sua fala, ela descerá ao térreo do Planalto e, pela porta principal, cumprimentará manifestantes pró-governo que foram convocados para ocupar o local. O ato acontecerá imediatamente após ela ser notificada da votação do Senado.

Em princípio, estava prevista também uma caminhada do grupo do Planalto até o Alvorada, que se transformará em bunker de resistência da petista. Mas a ideia foi descartada. A presidente terá no Alvorada, além de Messias e Giles, o jornalista Olímpio Cruz, ex-secretário de imprensa, que ficará responsável pelo contato de Dilma com os jornalistas, Bruno Monteiro (assessor especial), Sandra Brandão (assessora especial) e, possivelmente, Roberto Stuckert Filho (fotógrafo oficial) e Marco Aurélio Garcia (assessor especial para assuntos internacionais).

Todos eles, à exceção de Olímpio, que estava no Banco do Brasil, manterão seus salários. Jaques, Berzoini, Edinho e outros ministros manterão atuação partidária e a ajudarão a montar uma agenda para levar adiante o discurso de que Dilma não cometeu crime de responsabilidade e que, portanto, é vítima de um golpe. Eles desfrutarão do salário de quarentena.

 

LULA VAI ESPERAR EM FRENTE AO PALÁCIO

Responsável pela escolha de Dilma como candidata, em 2010, sem que ela tivesse disputado qualquer eleição, o ex-presidente Lula deverá estar presente hoje, quando ela deixar o Palácio do Planalto. Lula deve esperá-la na frente do Planalto, ao lado de representantes de movimentos sociais, e seguir com Dilma para o Palácio da Alvorada.

Aconselhada por Lula, Dilma desistiu de descer a rampa do Planalto acompanhada de movimentos sociais. A preocupação era passar a imagem de que o governo acabou, contrariando a estratégia de manter a militância mobilizada. Movimentos sociais pretendem protestar, hoje, na porta das sedes do PMDB em todo o país.

Pessoas próximas afirmam que o estado de espírito de Lula não poderia ser mais diferente do de Dilma:

— Ela é muito fria. Já ele, você percebe a irritação só de olhar — comentou uma dessas pessoas.

Lula não se conforma com a suposta “frieza” de Dilma:

— Parece que não está acontecendo nada — disse Lula, segundo pessoas próximas, referindo-se a Dilma.

Interlocutores da presidente afirmam que, quando as pessoas demonstram surpresa com sua aparente serenidade, ela responde: — E ficar nervosa adianta? Ontem, um auxiliar da presidente disse que ela estava mantendo esse comportamento calmo:

— A presidente está bem, dentro do possível.

Lula passou o dia no hotel em que se hospeda, em Brasília, monitorando o Senado. Por volta de 18h30m, os senadores do PT Humberto Costa (PE), líder do governo, Lindbergh Farias (RJ), Paulo Rocha (PA) e Jorge Viana (AC) foram se encontrar com o ex-presidente. Lula também conversou por telefone com senadores.

Uma das preocupações de Lula era que não houvesse 54 votos a favor da abertura do processo de impeachment, número necessário para afastar Dilma de vez, no julgamento final do processo. O ex-presidente também recebeu aliados, para discutir a atuação política após o afastamento de Dilma.

— Ele está triste, mas decidido a lutar — afirmou um interlocutor do ex-presidente.

 

Uma edição extra no Diário Oficial da União publicou a última leva de atos de Dilma: ela regulamentou o Marco Civil da Internet