O globo, n. 30229, 12/05/2016. País, p. 10

Senado é cultura

Discursos tiveram de tudo, porém com mais verniz

 

Na Câmara dos Deputados, foram apenas poucos segundos, que tiveram de tudo um pouco: votos dedicados a mãe, filhos, mulher, Deus, cidade, ao estado, e até xingamentos... Já os senadores, com até 15 minutos para declararem suas razões em plenário, resolveram caprichar mais. A maioria, com discurso escrito, não deixou de lado a discussão do crime de responsabilidade, tema central do processo de impeachment. Mas, se o tempo propiciou reflexões mais profundas, também deu a alguns parlamentares, no afã de brilhar no palanque da Casa, a chance de cometer alguns excessos no uso das palavras. No balanço das horas que vararam a madrugada, não faltaram frases de efeito e citações. Da Roma antiga à mitologia grega, teve muito palavrório e show de erudição.

— A base de sustentação do governo vem, aliás, se reduzindo como uma cama de Procusto — disse Aloysio Nunes (PSDB-SP), referindo-se a um personagem da mitologia grega que cortava — e também esticava — suas vítimas para que elas se adaptassem exatamente ao seu leito.

José Medeiros (PSD-MT), lendo atentamente suas anotações, foi a Roma buscar inspiração e acabou citando frase já um tanto surrada no meio político:

— Lembro a mulher de César, a quem não compete ser só honesta, tem que parecer honesta sempre — afirmou o senador, remetendo ao provérbio que surgiu de um escândalo envolvendo Pompéia, esposa do imperador romano Júlio César, por volta de 60 a.C.

Quem improvisou não abriu mão das metáforas. E foi inevitável a lembrança da votação na Câmara, em 17 de abril. Magno Malta (PRES) disse que o governo pegou a casa e deixou “entupir o vaso (sanitário)”. E comparou o país a um doente.

— Estamos diante de um corpo febril, assaltado de taxas altíssimas de diabetes e uma perna cheia de gangrena, há muito tempo, pronta para ser amputada — bradou.

Contrário ao impeachment, Telmário Mota (PDT-RR) apelou para Renato Russo, com “Que país é esse?”. Ia bem, até deslizar no português:

— O Congresso tem “menas” popularidade do que a presidente Dilma!

Não satisfeitos de terem feito História, com direito a notas taquigráficas da Câmara, deputados foram assistir à sessão e acabaram repreendidos pelo Presidente do SenadoRenan Calheiros, por causa do burburinho:

— Os deputados são bem-vindos, mas isso aqui não é feira de passarinhos.

 

CÂMARA

“Dilma, vai embora que o Brasil não quer você, e leva o Lula junto e os vagabundos do PT”

Paulinho da Força Solidariedade (ele cantarolou a frase em ritmo de “Pra não dizer que não falei das flores”, de Geraldo Vandré)

 

“Não admito que se diga que há um golpe no Brasil [...]. Não há golpe. Sabe o que está parecendo esse negócio de golpe? Golpe, golpe, golpe, golpe, golpe, golpe... Já está parecendo sabe o quê? Uma diarreia verbal que ninguém suporta mais!”

Ronaldo Fonseca PROS-DF

 

“Pelo fim da corrupção, pelo fim da vagabundização remunerada”

Alceu Moreira PMDB-RS

 

“Dizendo ‘tchau’ para essa querida e dizendo ‘tchau’ para o PT, esse Partido das Trevas, eu voto sim”

Marco Feliciano PSC-SP

 

“Só corrigir aqui uma situação: queria mandar um abraço, eu não mencionei meu filho, Paulo Henrique. Paulo Henrique, é para você meu filho! Um beijo!”

Marcelo Álvaro Antônio PR-MG

 

“Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff ”

Jair Bolsonaro (PSC-RJ), que causou polêmica ao citar o torturador

 

“O que Lula e Dilma fazem é um verdadeiro tiro de morte no coração, na alma do povo brasileiro”

Wladimir Costa Solidariedade (ele disse a frase e disparou uma pistola de confetes coloridos)

 

“Quem quer tomar o poder é o PCC, Partido da Corja do Cunha. Esse canalha, bandido, ladrão já devia estar preso”

Silvio Costa PTdoB-PE

 

SENADO

“Lamentavelmente, a inteligência brasileira não está querendo usar a inteligência para pensar o novo; está viciada, comprometida e sem querer avançar”

Cristovam Buarque PPS-DF, referindo-se à posição de intelectuais contra o impeachment

 

“E aqui lembro nosso saudoso Leonel Brizola, que dizia: quando tiveres dúvida de para que lado seguir, siga o povo”

Acir Gurgacz PDT-RO

 

“Tomo as palavras de Euclides da Cunha por ele aplicadas ao bravo e vigoroso povo nordestino para dizer: o brasileiro é antes de tudo um forte”

Marta Suplicy PMDB-SP

 

“Quero parabenizar o nosso relator, senador Antônio Anestesia... Anastasia”

Sérgio Petecão PSD-AC

 

“Não vi ninguém invocar a mãe, o cachorro ou a madrinha. Pelo menos, até agora”

Roberto Requião PMDB-PR, alfinetando a Câmara

 

“Na política, como na vida fisiológica, quando se tem um quisto ou um tumor, não há solução sem sangue”

José Maranhão PMDB-PB

 

“Diziam que (Dilma) era uma grande técnica. Técnica de quê? Técnica de quê? Só se for de time de futebol, cargo em que ela não oi testada ainda”

Zezé Perrela PTB-MG

 

“Eu sei que a fome é má conselheira”

Garibaldi Alves Filho PMDB-RN, pedindo a suspensão de uma pausa, mas admitindo necessidade de um lanche

 

“Ele é encegueirado no Lula”

Regina Souza (PT-PI), referindo-se ao juiz Sérgio Moro, explicando que citou uma "expressão lá do Norte", que significa obcecado.