O Estado de São Paulo, n. 44760, 05/05/2016. Política, p. A4

Sob pressão, STF discute afastamento de Cunha

Isadora Peron

Gustavo Aguiar

Pressionado por partidos políticos, pela Procuradoria-Geral da República, pelo governo e por movimentos sociais, o Supremo Tribunal Federal vai enfrentar hoje um tema que vem adiando desde dezembro do ano passado. Os ministros terão de decidir se afastam ou não o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), do cargo.

A pressão sobre a Corte aumentou após a aprovação pela Câmara da admissibilidade do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Governistas aproveitaram a votação para criticar Cunha publicamente e afirmaram que ele não tinha legitimidade para conduzir a votação por ser réu no Supremo, investigado no Conselho de Ética da Casa e alvo da Operação Lava Jato.

Ontem, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, anunciou no fim da sessão que pautaria para a análise do plenário uma ação proposta pela Rede Sustentabilidade que pede o afastamento imediato de Cunha do posto ou, ao menos, seja impedido de ocupar a Presidência da República em caso da ausência do presidente.

Se Dilma for afastada do cargo pelo Senado, o vice Michel Temer assume interinamente no lugar da petista até que o processo seja concluído pelos senadores. Nesse caso, Cunha passa a ser o primeiro na linha sucessória.

 

Consistência. No Supremo, a avaliação é de que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) proposta pela Rede, partido de Marina Silva, é mais fácil de ser discutida do que o pedido de afastamento feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, no final do ano passado.

Para ministros da Corte, o pedido do Ministério Público tinha pouca consistência porque não havia provas de que Cunha efetivamente usou do cargo para tentar obstruir as investigações da Operação Lava Jato.

Já a ação da Rede traria para a discussão no plenário um tema de interpretação da Constituição. O partido questiona se Cunha, que já é réu em um processo do STF, pode estar na linha sucessória da Presidência. O argumento é de que o artigo 86 da Carta Magna prevê que o presidente tem de ser afastado por 180 dias caso responda a uma ação penal no Supremo e que a mesma lógica teria de ser aplicada tanto para o presidente da Câmara quanto para o do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Cunha é réu no STF desde março em uma ação da Lava Jato. Ele também responde a outra denúncia além de três inquéritos. Há ainda três pedidos de investigação contra o peemedebista que esperam a autorização do Supremo para serem iniciados. Em um deles, Cunha é apontado como um dos líderes de uma célula criminosa que atuava em Furnas, num esquema semelhante ao que está sendo investigado na Petrobrás.

 

Relator. A ação da Rede foi colocada ontem na pauta de hoje a pedido do relator, ministro Marco Aurélio Mello. A Rede havia entrado com o pedido um dia antes. Lewandowski citou uma série de artigos do regimento interno para justificar a “medida extraordinária” e disse que “urgência” estava colocada diante do fato de que o julgamento sobre o pedido de impeachment de Dilma estar marcado para o próximo dia 11.

Anteontem, Lewandowski recebeu um grupo de deputados de seis partidos, liderados pelo PSOL, que pediu para que o Supremo colocasse em pauta o pedido de afastamento de Cunha. Aliados do peemedebista também tiveram uma audiência com o ministro. Nesses dois encontros, o presidente do STF indicou que essa não será uma decisão fácil para a Corte. Ele tem dito a interlocutores que o problema de Cunha é político e que, por isso, deveria ser resolvido pelos seus pares.

Por ora, se o Supremo optar por afastar Cunha, a decisão não vai afetar Renan diretamente, pois o presidente do Senado ainda não é réu. O peemedebista, porém, já é alvo de uma denúncia no STF e responde a nove inquéritos criminais somente no contexto da Lava Jato.

 

‘Tranquilo’

Eduardo Cunha disse na noite de ontem que está “absolutamente tranquilo” com o  julgamento. “Não estou preocupado, acho que a decisão será coerente com a que tiveram até agora.”

 

O PASSIVO DE CUNHA

Linha sucessória

O Supremo Tribunal Federal pautou para hoje a análise do plenário da Corte do pedido de afastamento de Eduardo Cunha do cargo de presidente da Câmara movido pela Rede Sustentabilidade. A ação do partido defende a tese jurídica que, por estarem na linha sucessória da Presidência, os presidentes da Câmara e do Senado não podem ser réus.

 

 

Réu

Em março, o STF decidiu, por unanimidade, tornar Cunha réu, respondendo pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro na ação penal no âmbito da Lava Jato. Os ministros acolheram a acusação do procurador- geral da República, Rodrigo Janot, de que o deputado usou o cargo para pressionar para receber US$ 5 milhões em propina.

 

Furnas

Janot pediu, em 29 de abril, a abertura de novo inquérito contra Cunha, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro relacionado à estatal de energia Furnas. Este pedido tem como base a delação premiada do senador Delcídio do Amaral e está na mesma petição em que é solicitada a abertura de investigação contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

 

Decoro parlamentar

 

Além de ser réu no STF, o presidente da Câmara também é alvo de um total de seis investigações na Corte. Já na Câmara, Cunha responde, no Conselho de Ética, a processo de cassação do mandato por quebra do decoro parlamentar por ter supostamente mentido na CPI da Petrobrás, em março de 2015, quando disse não possuir contas no exterior.