O Estado de São Paulo, n. 44760, 05/05/2016. Política, p. A8

Relator defende afastamento de Dilma e nega golpe

Ricardo Brito

Isabela Bonfim

Luísa Martins

 

Sob críticas de governistas, o relator da Comissão de Impeachment do Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), apresentou ontem, 04, parecer em que afirma haver indícios para afastar a presidente Dilma Rousseff do cargo. O tucano defendeu a abertura de processo por crime de responsabilidade contra a petista e rejeitou os argumentos “insistentes” e “irresponsáveis” de Dilma que chamou o impedimento de um “golpe”.

“Nunca se viu golpe com direito à ampla defesa, ao contraditório, com reuniões às claras, transmitidas ao vivo, com direito à fala por membros de todos os matizes políticos e com procedimento ditado pela Constituição e pelo STF (Supremo Tribunal Federal)”, afirmou Anastasia, ao ressaltar ser descabida a alegação feita pela presidente e destacar que o impeachment é um mecanismo para prevenir “rupturas institucionais”.

O relator diz que há “indícios suficientes” de que a presidente ofendeu a Constituição e a Lei 1.079 de 1950, que trata dos crimes de responsabilidade, ao editar no ano passado decretos de créditos suplementares sem a autorização do Congresso e o Tesouro Nacional ter atrasado o pagamento de débitos com órgãos públicos, as chamadas pedaladas fiscais, manobras contábeis praticadas pelo governo reveladas em 2014 pelo Estado.

O voto de Anastasia teve 126 páginas e foi lido em 3 horas e 10 minutos, após um início de sessão marcado por bate-boca entre aliados de Dilma e defensores do afastamento. Tucanos pressionaram o relator, aliado do presidente do partido, Aécio Neves (MG), a ampliar o escopo do parecer com referências ao suposto envolvimento da presidente na Operação Lava Jato. Mas ele recusou fazer qualquer menção à investigação e, em entrevista, também deixou claro não ser possível, numa eventual fase de julgamento, aumentar a abrangência do processo.

“O que eu disse no relatório é que ela (Dilma) se defende dos fatos. E nesse processo, a meu ver, não podem ser acrescentados novos fatos”, disse Anastasia, em entrevista após a reunião. “Delações estão fora desse processo”, reforçou.

Ao final da leitura do parecer pelo tucano, o presidente da comissão, senador Raimundo Lira (PMDB-PB), encerrou a sessão e marcou para hoje de manhã uma reunião para discutir o parecer, com a presença do advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo. A votação do texto ocorrerá amanhã, com provável derrota do governo, minoria no colegiado. O plenário da Casa votará o afastamento de Dilma na quarta-feira, dia 11. Se for aprovado por maioria dos senadores, a presidente deixará o cargo por até 180 dias, período em que ela deverá ser julgada. Ela será afastada definitivamente do cargo se for condenada com o voto de pelo menos 54 dos 81 senadores.

 

Gerações. No parecer, o relator diz que no ano passado houve uma elevação do passivo da União em quitar as operações de crédito com bancos públicos, as chamadas pedaladas fiscais, mesmo diante dos questionamentos do Tribunal de Contas da União sobre essa prática desde 2014. Ele afirma que o passivo do Executivo com o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, com o BNDES e com o FGTS, que atingiram R$ 58,7 bilhões em novembro de 2015, foi reduzido a R$ 11,3 bilhões no mês seguinte com a quitação dos débitos.

Anastasia sustenta que o governo, entre julho e agosto de 2015, editou seis decretos de créditos suplementares no valor de R$ 95,9 bilhões sem o aval do Congresso, uma exigência legal. Ele diz ainda que não havia, do ponto de vista fiscal, excedente de arrecadação para autorizar a abertura desses créditos - tanto que, em 22 de julho do ano passado, ressalta, o próprio governo reconhece essa situação quando propôs ao Legislativo a revisão da meta fiscal de 2015. Para o relator, a presidente agiu com “irresponsabilidade” na execução da política fiscal na sua gestão, conduta capaz de comprometer “futuras gerações”.

 

Cunha. No texto, o tucano também refuta a tese de que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), agiu por “vingança” e “retaliação” política ao ter deflagrado o pedido de impeachment por não ter recebido da bancada de deputados petistas para arquivar a abertura do processo de cassação contra ele. Para Anastasia, a decisão de Cunha foi respaldada em “critérios técnicos”, motivo pelo qual não se pode falar, como alegava a defesa de Dilma, em desvio de poder do presidente da Câmara.

O relator diz que o despacho de Cunha de dezembro passado só acatou fatos posteriores a 2015, quando a presidente começou a cumprir o mandato para a qual foi reeleita. Para ele, o governo usa um “discurso estratégico” de questionar o ato do presidente da Câmara “quando lhe convém”.

 

O tucano cita ainda que a autorização da Câmara para levar adiante o impeachment não foi um ato pessoal de Cunha, mas partiu do apoio de 367 deputados em 17 de abril passado. Por isso, destaca, qualquer decisão sobre “vício de abertura” se encontra vencida.

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Sorrisos, selfies e bate-boca

Entre sorrisos, apertos de mãos e tapinhas nas costas, enquanto aguardavam a chegada do presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), senadores assediaram Antonio Anastasia e pediram para serem fotografados ao seu lado.

Tratado como celebridade antes da sessão, o relator posou para selfies com Ricardo Ferraço (PSDB-ES), José Medeiros (PSD-MT) e Magno Malta (PR-ES). O deputado Vanderlei Macris (SP) também se candidatou a um registro com o colega de PSDB.

Antes de começar a ler seu parecer, a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) reclamou da ausência de Anastasia em parte da oitiva de especialistas da defesa na terça-feira. “Admitirmos esse comportamento é dar ao País a certeza de que estamos diante de uma situação já definida, um julgamento já dado, uma farsa.” Lira respondeu que“ não seria razoável exigir que o relator permanecesse em sua cadeira por 12 horas contínuas” e “sua ausência esporádica não invalida ou constrange os trabalhos”.

 

A partir daí, começou uma série de discussões – baseadas em adjetivos como “desleal”, “oportunista”, “agressivo”, “cínico”e “patético”– que culminaram em bronca do presidente: “O plenário está ultrapassando os limites. Vamos ter calma”. Não adiantou. A reunião teve de ser suspensa por dois minutos. / L.M. e I.B.