Título: As cidades crescem, as tragédias também
Autor: Braga, Juliana; Filizola, Paula
Fonte: Correio Braziliense, 20/10/2011, Brasil, p. 10

Levantamento do IBGE mostra o efeito da ocupação desordenada do solo nas áreas urbanas. Mais de 40% dos municípios brasileiros sofrem com inundações

"Lá vem a chuva de novo", constatou aflito o síndico da Chácara 43, na Rua 3 de Vicente Pires, Jarbas Paes Leme, ao ver, ontem, o céu de Brasília escurecer. Há mais de três anos à frente da administração do terreno, que abriga 120 famílias, ele já conhece a rotina devastadora das águas na região. Basta percorrer as ruas para reparar que quase todas têm o solo destruído. "A água da chuva forma um rio que desce com muita força e leva tudo por onde passa", afirma. Devido aos temporais dos últimos dias, Jarbas contabilizou um prejuízo de R$ 150 mil para recolocar todos os bloquetes soltos do piso, além de reconstruir muros e meios-fios. Segundo ele, os moradores se recusam a pagar taxa extra na fatura do condomínio porque sabem que não adianta consertar o local sem um projeto de melhoria que tenha a participação do governo.

Dados divulgados ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que o problema das inundações não é exclusivo de Vicente Pires. Pelo contrário, é cada vez mais comum e grave no país. De acordo com o Atlas do saneamento, dos 5.564 mil municípios brasileiros, 40,8% enfrentavam o problema nos cinco anos anteriores ao levantamento, feito com dados de 2008. Pior, em 30% deles foram alagadas áreas nas quais isso não costumava acontecer.

O relatório do IBGE também aponta que, em 45% das cidades, os alagamentos foram associados à obstrução de bueiros e de bocas de lobo, enquanto em 43%, o problema é a ocupação intensa e desordenada do solo (veja quadro). Vicente Pires está na segunda categoria. "É preciso que as cidades planejem quais serão os espaços de pavimentação e quais locais devem permanecer gramados", sustenta o especialista em engenharia sanitária e professor da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Koide. Segundo ele, em determinadas regiões, mesmo que sejam feitas obras para melhorar as condições de saneamento, as iniciativas seriam apenas "tapa-buraco". "Não tem como fazer escoamento em beira de rio, por exemplo. Há áreas em que não deveria morar gente", diz.

Koide avalia que, por mais que tenham ocorrido mudanças climáticas nos últimos tempos, a principal causa do problema é a intervenção humana. "As mudanças climáticas são sentidas mais a longo prazo. Com certeza, a área impermeabilizada do solo cresce muito mais rápido do que o volume das chuvas", diz. A situação ainda é agravada, segundo o especialista, porque o poder público não prioriza essas obras, que costumam ser caras.

No caso do condomínio de Jarbas, há um jogo de empurra porque, apesar do pagamento do IPTU, e da água e da luz, a Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap)alega o fato de a ocupação ser irregular para não enviar equipes que possam reparar os estragos da chuva. "Eles dizem que não podem fazer nada porque o Ministério Público cobra explicações. Mas pagamos todos os impostos. Isso não faz sentido", protesta Jarbas.

Loteamentos A solução, de acordo com Koide, seria um planejamento eficiente da ocupação urbana. "Não se pode permitir que determinadas áreas recebam loteamento. É preciso estabelecer qual é a taxa máxima de ocupação dos lotes", explica.

O IBGE apontou outro problema, que atinge 47,8% das cidades e que é negligenciado pelas prefeituras: a falta de rede de coleta de esgoto. Segundo a engenheira civil da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Eglê Novaes, essas não são obras complicadas de serem executadas, mas são dispendiosas. "Além de caras, elas ficam enterradas. Ou seja, não dá para colocar uma plaquinha para inaugurá-las. Muitos prefeitos se desinteressam", explica.

Eglê explica que os altos custos envolvem todos os processos das obras. Em áreas já ocupadas, por exemplo, é necessário abrir as ruas, fazer as ligações do encanamento com os domicílios e, em alguns casos, fazer até estações elevatórias. Por lei, a tubulação precisa ficar entre 1,2m e 6m abaixo do solo, o que varia de acordo com a topografia. Ainda assim, segundo a especialista, as dificuldades são mais legais do que técnicas. "É necessário conseguir licenças e isso pode demorar", explica.