O Estado de São Paulo, n. 44760, 05/05/2016. Política, p. A12

Justiça condena 9 por esquema de compra de MPs

Fábio Fabrini

A Justiça Federal condenou ontem nove acusados de “comprar” medidas provisórias nos governos dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Principais lobistas do esquema, o empresário Mauro Marcondes Machado e o advogado José Ricardo da Silva receberam penas por formação de quadrilha, corrupção ativa e lavagem de dinheiro. Apenas um réu, o empresário Eduardo de Souza Ramos, foi absolvido de todos os crimes a ele atribuídos. Cabem recursos à acusação e às defesas.

Em sentença de 169 páginas, o juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara, em Brasília, considerou haver provas suficientes de que o grupo formou um “consórcio” que praticava tráfico de influência e pagava propina a servidores públicos para viabilizar a edição, pelo governo, e a aprovação, pelo Congresso, de MPs que prorrogaram incentivos fiscais a indústrias automotivas instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste. Os “serviços” foram contratados pela MMC Automotores (fabricante Mitsubishi) e a CAOA (Hyundai) por R$ 32 milhões.

O caso foi revelado pelo Estado em reportagens publicadas a partir de 1.º de outubro. Depois disso, a Operação Zelotes prendeu os principais suspeitos de operar o esquema. Eles agora serão soltos e poderão apelar em liberdade.

Na decisão, o magistrado destaca que os contratos de lobby firmados com as empresas não envolveram trabalhos técnicos, mas tratativas “escusas” com autoridades. “Os membros associados nada fizeram de transparente e técnico, porque se limitaram à busca de convencimento por meio de envio de e-mail, se valendo de amizades, reuniões ou encontros informais, com pagamento de propina a servidores, como de fato aconteceu, ou provavelmente a políticos”, escreveu.

Mauro Marcondes, que tem 80 anos e está em prisão domiciliar, recebeu pena de 11 anos e oito meses de prisão. Ele é dono da Marcondes e Mautoni, empresa que, conforme denúncia do Ministério Público Federal (MPF), se associou à SGR Consultoria, de José Ricardo, para “comprar” as Mps.

O juiz concluiu que Mauro Marcondes era o “pólo central” da “quadrilha”, tendo recebido quase R$ 60 milhões das montadoras. A ele, explicou, cabia ordenar a distribuição de vantagens indevidas a servidores e fazer contatos com figuras influentes, como o ex-chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho.

Oliveira destacou que o lobista fazia “repasses benevolentes de dinheiro a diversos colaboradores”, entre os quais a empresa LFT Marketing Esportivo, de Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente. Como mostrou o Estado, Mauro Marcondes pagou R$ 2,5 milhões à empresa. Esse caso, contudo, continua sendo investigado e ainda não foi objeto de denúncia. A suspeita é de que os repasses estejam vinculados à edição das MPs. Lula e o filho negam.

Há ainda suspeitas de pagamento de propinas de R$ 30 milhões aos senadores Romero Jucá (PMDB-RR) e Renan Calheiros (PMDB-AL), o que é investigado no Supremo Tribunal Federal. Outros R$ 15 milhões teriam sido pagos ao ex-senador Gim Argello (PTB-DF), preso pela Lava Jato.

 

Também foram condenados a penas que variam de um ano a 11 anos Cristina Mautoni, mulher e sócia de Mauro Marcondes; o advogado José Ricardo; o sócio dele, Eduardo Valadão; o lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS; o ex-diretor de Comunicação do Senado Fernando César Mesquita; o presidente da MMC Automotores, Robert Rittscher; o executivo da montadora Paulo Arantes Ferraz e o lobista Francisco Mirto. O juiz entendeu que eles cometeram crimes como corrupção, organização criminosa, lavagem de dinheiro e extorsão.

Defesa de acusados afirma que recorrerá das condenações

A defesa de Mauro Marcondes Machado e da mulher dele, Cristina Mautoni, alegou que a condenação é injusta e que vai comprovar a inocência do casal recorrendo a instâncias superiores. O advogado Roberto Podval, que representa o casal, afirmou, no entanto, que é uma vitória colocar os réus em liberdade.

Marcelo Leal, defensor de Alexandre Paes dos Santos, o APS, também classificou a decisão de “injusta” e informou que vai apelar da sentença. “Na ação penal, não se produziu qualquer prova dos crimes”, disse.

O advogado Pedro de Almeida Castro afirmou confiar que a condenação de Eduardo Valadão por associação criminosa cairá em recurso. Ele ponderou que seu cliente foi absolvido das acusações mais graves, de lavagem de dinheiro, de corrupção ativa e de extorsão.

O criminalista Alexandre Rassi comentou que “qualquer juízo condenatório” sobre Fernando César Mesquita e Francisco Mirto, com base nas informações presentes nos autos, é “ilegítimo”.

“Não tive nenhuma participação nisso (a suposta compra de MPs). É injusta a condenação”, declarou Fernando César.

Os advogados de José Ricardo da Silva, Paulo Arantes Ferraz e Robert Rittcher não responderam aos contatos do Estado até a conclusão desta edição. A MMC Automotores, em nota, informou que não se pronunciaria.

 

O Ministério Público Federal adiantou que vai recorrer da sentença, pois considera que as penas foram mais brandas do que exige a situação. / F. F.