O Estado de São Paulo, n. 44757, 02/05/2016. Política, p. A5

Dilma se defende sem Lula no 1º de Maio

Ricardo Galhardo

Presença confirmada na festa do 1.º de Maio promovida ontem pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), no centro de São Paulo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva não compareceu ao último grande ato popular da presidente Dilma Rousseff antes da votação sobre o prosseguimento do processo de impeachment pelo Senado. No evento, Dilma prestou reconhecimento aos movimentos sociais e sindicais que foram às ruas contra seu afastamento e anunciou um “pacote de bondades” que foi recebido pelas entidades como uma iniciativa tardia.

“É como se fosse um jogo de futebol. Em um time estão a ‘república de Curitiba’, o Congresso e os coxinhas. No outro estão os movimentos sociais, setores da sociedade que estavam fora da política e o governo. O problema é que o governo no último ano só fez gol contra. Isso (o pacote de bondades) não significa que fez um gol a nosso favor. Mas hoje ela (Dilma) pode marcar um de pênalti”, comparou João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do Movimento dos Sem Terra (MST).

A presidente anunciou um reajuste médio de 9% no Bolsa Família, correção de 5% na tabela do Imposto de Renda, contratação de 25 mil unidades do Minha Casa Minha Vida (1,2% dos 2 milhões de casas prometidas), ampliação de 5 para 20 dias da licença paternidade dos funcionários públicos, criação de um Conselho Nacional do Trabalho formado por governo, empregados e patrões, e a liberação do Plano Safra para a agricultura familiar.

Com isso, tentou agradar aos movimentos por moradia, MST e sindicatos, principais defensores de seu mandato nas ruas. Antes de subir ao palco, Dilma disse a sindicalistas que sua presença era uma forma de prestigiar e “prestar reconhecimento” aos movimentos que “lutaram pela democracia”. Segundo Dilma, as medidas estavam previstas no Orçamento da União e “não prejudicam o cenário fiscal”.

Além de anunciar o “pacote de bondades”, Dilma voltou a martelar a tecla de que é vítima de “golpe” e atacou o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), hostilizado pela plateia estimada em 100 mil pessoas pelos organizadores - a Polícia Militar não calculou o público.

A presidente comparou os decretos de suplementação orçamentária pelos quais é acusada de crime de responsabilidade a medidas da gestão tucana. “O Fernando Henrique Cardoso, em 2001, assinou 101 decretos. Para ele não foi nenhum golpe nas contas públicas. Isso se chama ter dois pesos e duas medidas.”

 

Sem voz. Lula, um dos principais articuladores da reaproximação entre governo e movimentos, havia confirmado presença no ato que, no governo, era tratado como “último grande comício de Dilma”. Entretanto, o ex-presidente não apareceu no palco da CUT. Aos dirigentes da central sindical, alegou problemas com a garganta.

O ex-presidente enfrentou um câncer na laringe em 2011 e tem apresentado dificuldades para falar nos últimos dias - nos últimos discursos públicos, mostrou forte rouquidão. Por ordem médica, Lula tem procurado poupar a voz e feito sessões de fonoaudiologia.

No ato de ontem, porém, também houve explicação política para Lula não acompanhar Dilma no palanque da CUT. “Seguramente o ex-presidente queria dar mais protagonismo à Dilma para o anúncio das medidas”, disse o ministro da Educação, Aloizio Mercadante.

A CUT e movimentos sociais promoveram atos em diversas capitais, como Recife, Belo Horizonte e Porto Alegre. Parlamentares aliados do governo protestaram contra o processo de impeachment de Dilma e criticaram Cunha e Temer. Em Belém, houve confronto no centro da cidade entre manifestantes favoráveis e contrários ao afastamento da presidente. / COLABOROU KARLA SPOTORNO

 

Novas eleições

 

Os ministros Jaques Wagner e Ricardo Berzoini vão sondar os movimentos sociais sobre a ideia de antecipação das eleições. Hoje, a maioria dos grupos é contra.

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Para FHC, sucessor perdeu rumo e isso é ‘ruim para o País’

 

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse que seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, está “enterrando” a própria história e que isso é “ruim para o País”. Para o tucano, a presidente Dilma Rousseff estragou a própria história “mais depressa do que Lula” e mostrou “que não tem mais condições de governar o País”.

“Lula está enterrando a história dele”, disse FHC ao participar do programa Canal Livre, da Band, que seria exibido na madrugada de amanhã. Na entrevista, o tucano afirmou respeitar a trajetória do torneiro mecânico que chegou à Presidência, mas considera que hoje ele “perdeu um pouco o rumo” e que isso é ruim não só para ele, mas para o Brasil.

Ao comentar o impeachment de Dilma, FHC afirmou que “ela, também, mais depressa que Lula, estragou a história dela”. “Já mostrou que não tem as condições de continuar governando. O que eu posso fazer? Lamento”, disse, ressalvando que nunca teve “posição destrutiva” em relação aos seus sucessores.

Ao opinar sobre o posicionamento que o PSDB deverá ter em relação a um eventual governo Michel Temer, em caso de afastamento de Dilma, FHC disse: “Não existe isso de participar e não dar apoio. Vai participar e vai ter apoio”. A cúpula tucana vai se reunir amanhã para definir uma posição em relação ao assunto.

Segundo o tucano, caso assuma o poder, Temer deve dar sinais imediatos positivos à sociedade, principalmente na economia. Ao reafirmar sua posição favorável à reeleição, criada em seu governo, FHC sugeriu que, se Temer for bem sucedido no cargo, não veria problema em uma tentativa do peemedebista de se reeleger. O vice, no entanto, já declarou que não pretende tentar a reeleição caso chegue à Presidência, em um aceno a pré-candidatos do PSDB. “Se ele for muito bem, por que não?”, indagou FHC.

 

 

Cunha. Sobre a situação do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o tucano foi crítico com o Supremo Tribunal Federal. “Não sei porque o STF não avançou nos processos”, disse. FHC também negou ter pago pensão ao filho da jornalista Miriam Dutra, com quem teve um relacionamento extraconjugal, por meio de uma empresa.