Ontem, a Advocacia- Geral da União ( AGU) ingressou no Supremo Tribunal Federal ( STF) com um pedido de anulação e uma liminar para que o processo seja suspenso. A relatoria do mandado de segurança ficou nas mãos do ministro Teori Zavascki, que também é relator da Operação LavaJato, a mesma que contribuiu de forma decisiva para a formação de um clima desfavorável em relação ao governo e ao PT. A qualquer momento, Teori pode emitir uma decisão.
Nos bastidores, petistas admitem que a derrota do governo se tornou inevitável desde que a Câmara aprovou, com os votos de 367 deputados, a abertura do processo. Mas explicam que toda a resistência ensaiada pelo Palácio do Planalto servirá para construir e fortalecer a narrativa futura de que o impeachment da presidente teria sido um “golpe”. Se não adiantar para salvar a cabeça de Dilma Rousseff do julgamento final, que ocorre em até 180 dias a partir de amanhã, pode cumprir a função de permitir que o PT sobreviva para disputar eleições em 2018 como um “player” relevante. Isto, após vários de seus principais nomes, como o ex- presidente Lula, terem sido alvejados pelas descobertas da Lava- Jato.
Diferentemente do ex- presidente Fernando Collor de Mello, que em 1992 foi retirado do poder pelo envolvimento em denúncias de corrupção, o afastamento da presidente Dilma, se consolidado hoje, terá ocorrido, formalmente, graças a manobras orçamentárias que serviram para desequilibrar e maquiar as contas públicas. Segundo seus acusadores, as ações foram responsáveis, em parte, por mergulhar o país em uma das piores crises econômicas da história recente. A economia brasileira no ano passado teve o pior resultado desde 1990, início do ciclo recessivo que antecedeu o impeachment de Collor.
Apesar de haver, na denúncia original do impeachment, acusações de corrupção e omissão, entre outros, a análise do processo acabou restrita apenas à edição de decretos de crédito suplementar e às “pedaladas fiscais” de 2015 — o uso de bancos públicos para pagar despesas sem repassar a eles o montante equivalente. Consta da denúncia do impeachment o crescimento do débito do Tesouro junto ao Banco do Brasil relativo a despesas do Plano Safra, que saltou de R$ 10,9 bilhões, em dezembro de 2014, para R$ 12,5 bilhões, em novembro de 2015. A restrição ao tema derivou de uma decisão do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha ( PMDB- RJ), para que nada que houvesse ocorrido no mandato anterior afetasse o atual. Uma escolha vista como forma de evitar a criação de uma jurisprudência que poderia afetar o próprio peemedebista, alvo de diversas denúncias de corrupção relativas a períodos anteriores ao seu atual mandato.
Mas, além das pedaladas, a tempestade perfeita que envolveu o governo da petista se formou a partir de uma série de passos que deixaram, sobretudo, a sensação de desgoverno no país. Após uma reeleição apertada, que explicitou a divisão do país, a presidente Dilma viu sua base de apoio minguar no Congresso Nacional, apesar dos bolsos abertos e da abundância em ofertas de cargos para os partidos aliados.
De lá para cá, muitos foram os golpes sofridos pelo Palácio do Planalto. Enquanto a economia afundava e crescia o número de desempregados na mesma proporção da insatisfação do setor produtivo, a presidente viu seu entorno ser atingido por denúncias de envolvimento em corrupção na Lava- Jato. O episódio mais emblemático foi a nomeação, barrada pelo Supremo, do ex- presidente Lula como ministro, um mês antes da votação do impeachment na Câmara. Entre seus auxiliares e principais conselheiros, não houve quem escapasse: sob pedidos de investigação, estão seu assessor especial, Giles Azevedo, os ministros Edinho Silva ( Comunicação Social), Jaques Wagner ( Gabinete da Presidência), Aloizio Mercadante ( Educação) e Ricardo Berzoini ( Secretaria de Governo). A própria presidente também se tornou objeto de pedido de investigação.
Olhando ainda mais para trás, as manifestações de 2013 serviram como ponto de inflexão sobre o tratamento que a sociedade pretendia dar à classe política a partir de então. A insatisfação generalizada com a falta de representatividade no Executivo e no Congresso foi o combustível que incendiou a fagulha da revolta contra o aumento das tarifas de transporte público, um aviso de que já não se aceitariam as coisas como elas eram. Para analistas do cenário político, a falta de reação do governo sobre este alerta foi o começo do fim para a gestão de Dilma.
Desde então, o que se viu foi o aprofundamento do fisiologismo na forma de governar, com alianças cada vez menos programáticas e mais pragmáticas, desembocando em um presidencialismo de coalizão desconexo, que terminou implodindo. Não é uma casualidade o fato de o impeachment somente ter sido viabilizado no Congresso depois que o PMDB, principal partido da base aliada, que entre outros incontáveis cargos, ocupa a vice- presidência da República, embarcou no processo.
Os meses que duraram a tramitação do impeachment tiveram ingredientes novelescos. Para acrescentar emoções até o último minuto, o deputado Eduardo Cunha, réu na Lava- Jato e considerado figura fundamental na aprovação do processo, foi afastado do cargo na semana passada, dando ao governo argumentos para, mais uma vez, contestar sua condução. O argumento principal é de que houve irregularidades na forma como Cunha presidiu o processo, sempre movido por um desejo de vingança contra o governo.
Já o presidente do Senado, Renan Calheiros ( PMDB- AL), até há pouco considerado um fiador da governabilidade do PT, nos últimos dias, passou a trabalhar afinado com o eventual novo governo do PMDB. Na segunda- feira, Renan rejeitou o anedótico pedido de anulação da sessão da Câmara que aprovou o processo, feito pelo presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão — possivelmente o que por menor tempo terá ocupado o cargo. Ontem, após sair de um encontro com Michel Temer, Renan aplaudiu publicamente a configuração ministerial desenhada pelo vice, com dez ministérios a menos que Dilma. Diligente com o hipotético novo presidente, informou que a “posse” do novo governo já poderá ocorrer nesta sexta- feira.