Título: Como levar o discurso para o papel
Autor: Guimarães, Jorge Gomes
Fonte: Correio Braziliense, 19/10/2011, Suplemento, p. 2

O Brasil precisa cumprir duas monumentais tarefas no campo da infraestrutura aeroportuária. A primeira, de curtíssimo prazo, é arrumar uma forma de conseguir atender ao fluxo atual de passageiros em aeroportos que chegam a operar com sua capacidade estourada em até 80%. Terminais provisórios, reformas definitivas nos aeroportos e novas pistas de pouso e decolagem estão aparecendo por todo o país para dar conta da crescente demanda. Até agosto, a Infraero contou 118 milhões de embarques e desembarques nos seus 67 aeroportos, o que representa um aumento de 18,5% em relação ao mesmo período do ano passado. A realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 no Brasil tornam as medidas, mesmo que paliativas, ainda mais urgentes e necessárias.

A segunda e mais importante tarefa é criar uma infraestrutura com capacidade três vezes maior e, claro, muito mais eficiente, nos próximos dez a 20 anos. A demanda futura exata vai depender do ritmo de crescimento da economia. Mesmo as avaliações mais conservadoras (que consideram uma evolução média do PIB de 3,5% ao ano), no entanto, apontam que será necessário triplicar o atual parque aeroportuário do país até 2030, no máximo. É um trabalho que requer muito dinheiro — até R$ 34 bilhões de investimentos, segundo estudo da McKinsey & Company — e muito planejamento.

Dinheiro não chega a ser um problema em um ambiente de crescimento . O desafio é ter uma visão clara sobre o problema. "Não se tem uma definição de estratégias para a aviação brasileira nos próximos 30 anos", diz um estudo sobre o setor publicado no ano passado pelo Ipea, ligado ao governo federal. "O problema não se resume aos transtornos que as pessoas sofrem nos aeroportos", diz o consultor André Castellini, da consultoria Bain & Company. "O setor aéreo é estratégico para o país, a ponto de ter repercussões significativas em toda a economia"

Já faz cinco anos que a expressão apagão aéreo — ou caos aéreo — entrou no vocabulário do cidadão comum. Em 2006, a Infraero contou 102 milhões de embarques e desembarques. Em 2010, o número fechou em 155,3 milhões, o que representa mais de 50% de crescimento na demanda em cinco anos. Ainda assim, o governo federal investiu no modelo segundo o qual todo o controle do setor se subordina a uma estatal que dava sinais cada vez mais evidentes de esgotamento. A falta de capacidade de investimento era (e ainda é) crônica.

Em 2011, com o começo do governo Dilma, a iniciativa privada foi chamada a participar do desenvolvimento do setor. O aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, teve seu controle concedido em agosto para um consórcio argentino-brasileiro. O aeroporto potiguar foi só o aperitivo. O governo prevê também a concessão à iniciativa privada dos aeroportos de Cumbica, em Guarulhos (o maior e mais movimentado do país), Viracopos, em Campinas, e de Brasília. O governo espera arrecadar pelo menos R$ 2,9 bilhões nos leilões, que não têm data marcada, e vai exigir que as vencedoras das concessões invistam pelo menos R$ 18 bilhões nos seus respectivos terminais.

Quando lançou o programa de concessões desses três grandes aeroportos, em agosto, a presidente Dilma Rousseff negou que a proximidade da Copa do Mundo e das Olimpíadas tenha influenciado na decisão. "É no horizonte de 2014 que vamos fazer a concessão de alguns aeroportos", disse. A visão de longo prazo, que esteve em falta no setor nos últimos anos, parece, enfim, ter sido incorporada.