Título: A necessidade pede ousadia
Autor: Guimarães, Jorge Gomes
Fonte: Correio Braziliense, 19/10/2011, Suplemento, p. 2

Governo começa a adotar novo modelo de concessão dos aeroportos. Mas especialistas cobram arrojo no processo. E querem mais clareza na função da Infraero

Nos últimos meses, o governo tem tomado providências para a modernização do setor aeroportuário. O modelo de operação, hoje baseado na gestão estatal, será aberto à iniciativa privada, que poderá ser concessionária de três dos principais aeroportos: Brasília, Viracopos, em Campinas, e Cumbica, em Guarulhos. Com base nas regras propostas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), quem se interessar em concorrer a concessão deverá formar uma Sociedade de Propósito Específico (SPE). Nela, a iniciativa privada ficará com 51% da empresa; a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária ( Infraero), com os 49% restantes. As regras preveem, ainda, o pagamento de uma taxa mensal pelo concessionário, um percentual sobre a receita bruta dos aeroportos, variável.

As mudanças no setor vêm sendo discutidas há tempos, mas ganharam impulso no governo da presidente Dilma Roussef. "É um grande passo", observa o engenheiro Mozart Alemão, graduado em infraestrutura aeroportuária pelo ITA e hoje consultor no segmento. O momento atual pode ser entendido como mais uma etapa de processo de liberalização do setor, que se iniciou ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, com a maior competição entre as companhias aéreas.

Os aeroportos de Brasília, Campinas e Guarulhos impressionam pelos números. Em conjunto, segundo a Anac, operam 30% dos passageiros, 57% das cargas e 19% das aeronaves do sistema. São instalações que estão no seu limite: oferecem um serviço distante dos padrões globais aos seus clientes, companhias aéreas e passageiros. Mas, pelo menos, têm obras de ampliação previstas. Em todo o mundo, aeroportos privados fazem parte do cenário da aviação. São instalações com o que há de mais moderno em logística e atendimento aos passageiros. Ainda que represente uma alteração significativa e um avanço efetivo, há algumas dúvidas entre os especialistas envolvendo o modelo proposto .

E o ponto central é pode ser conferido na frase do professor doutor Jorge Eduardo Leal Medeiros, engenheiro aeronáutico pelo ITA e docente da área de transportes aeroviários da escola politécnica da Universidade de São Paulo (USP): "Qual será o papel da Infraero? ", pergunta ele. "Ainda não está bem definido." O advogado Guilherme Lopes do Amaral, especialista em direito aeronáutico, sócio do escritório Aidar SBZ, está acostumado a analisar riscos potenciais em seu cotidiano de trabalho. Para ele, a presença obrigatória da Infraero nas SPEs precisa ser mais bem definida. "O poder de veto da Infraero em questões estratégicas não está claro", avalia o advogado, para quem o melhor caminho para a modernização dos aeroportos é a privatização e a concorrência.

Os investimentos necessários para a modernização e ampliação dos três aeroportos são vultosos. Conforme anunciou o ministro da secretaria especial de Aviação Civil, Wagner Bittencourt, trata-se de gastar R$ 9,9 bilhões em Viracopos, R$ 5,2 bilhões em Cumbica e R$ 2,7 bilhões em Brasília. São valores significativos em qualquer lugar do mundo.

Os lances mínimos previstos pelo governo também foram anunciados: para operar Viracopos por 30 anos, o lance mínimo é de R$ 521 milhões; para Cumbica, por 20 anos, R$ 2,293 bilhões; e para o aeroporto de Brasilia, por 25 anos, R$ 75 milhões. Pelas regras previstas, valor mensal calculado a ser pago sobre a receita bruta dos aeroportos — chamado de outorga variável — será de 10% em Cumbica, de 5% em Viracopos e de 2% em Brasília. O aeroporto de Cumbica, por exemplo, tem uma receita de R$ 700 milhões anuais. O dinheiro irá para o Fundo Nacional de Aviação Civil (Fnac), criado para melhorias em aeroportos deficitários. Isso não é uma novidade. No processo de privatização das empresas de telecomunicações, foi criado o Fundo de Universalização das Telecomunicações (Fust), que recolhe aos cofres públicos 1% do faturamento bruto das empresas. O Fust acumula cerca de R$ 9 bilhões e discute-se a aplicação dos recursos na expansão da banda larga no país.

Em sua visão de quem acompanha o processo em curso com uma lupa, o advogado Lopes do Amaral diz temer que as regras propostas para a concessão dos aeroportos afastem interessados. "O investimento é muito alto", diz ele. "E a falta de autonomia total para gerir o negócio e a outorga variável esfriam o ânimo dos investidores." Ele acredita que o governo poderia aproveitar o momento para ser mais ousado na licitação atual, com uma opção por modelo em que o concessionário privado tivesse 100% da operação. A operação seria totalmente privada, mas o governo teria o controle do sistema por meio da agência reguladora — exatamente como acontece na telefonia.