Valor econômico, v. 17, n. 4002, 11/05/2016. Política, p. A9

Comissão Mista enterra MP da leniência

Sem acordo para votação do relatório, parlamentares cancelam reunião e medida deve caducar

Por: Murillo Camarotto

 

Naufragou ontem o projeto do governo para facilitar a celebração de acordos de leniência com empresas acusadas de corrupção em obras públicas. Sem acordo, os membros da Comissão Mista que avalia a Medida Provisória 703 cancelaram mais uma vez a votação do relatório do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), tornando praticamente inviável a aprovação da MP, que expira no próximo dia 29.

Conforme revelado na semana passada pelo Valor, a perda de validade da medida provisória interessa ao grupo do vice-presidente Michel Temer, que pode ser alçado hoje ao comando do país. A avaliação da equipe do provável novo governo é de que o Tribunal de Contas da União (TCU) e o Ministério Público devem participar de forma mais direta dos acordos de leniência, o que não está previsto na MP 703.

Como não havia acordo para a votação do relatório, a reunião durou pouco mais de 15 minutos. Na saída, o relator admitiu que a MP não irá prosperar. Antes, no entanto, Teixeira alertou os colegas, ao apontar uma visão meramente "punitiva" da proposta. De acordo com ele, os parlamentares contrários encaravam o acordo de leniência apenas como instrumento de combate à corrupção, e não como uma forma de evitar a quebra de empresas e garantir o emprego.

A oposição considerou o relatório de Teixeira extremamente vantajoso para as empresas. "Pelo que construímos até agora, a forma prevista para tratar a leniência não é adequada", disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele mencionou a existência de outras alternativas em discussão no Congresso, como um projeto de lei apresentado ontem por deputados do DEM e do PPS. A versão alternativa só admite os acordos que forem subscritos pelo Ministério Público e fiscalizados pelo TCU.

"A Medida Provisória não traz segurança jurídica aos acordos. Sem a esfera judicial nas tratativas, fica aberta qualquer contestação na Justiça", afirmou Raul Jungmann (PPS-PE). Na avaliação do deputado, a proposta do Planalto tem evidente um caráter parcial, já que o governo está envolvido nas denúncias de corrupção investigadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. "A MP tem que caducar. É um atentado ao trabalho da Lava-Jato", declarou ele, que é cotado para o ministério de Temer.

A participação de outros órgãos de controle foi o grande entrave ao avanço da MP 703. Enquanto o governo defendia um papel mais revisor, a oposição exigia que TCU e Ministério Público acompanhassem toda a negociação. "A experiência internacional mostra que dessa forma os acordos não saem", disse o relator, ressaltando que a medida provisória incluiu esses órgãos nos acordos, o que não estava previsto na Lei Anticorrupção.

Professor de direito financeiro na Universidade de São Paulo (USP), Heleno Torres avalia como positiva a prorrogação da discussão. Ele lembrou que um projeto de lei poderia incrementar os acordos de leniência ao incluir pessoas físicas na negociação, algo que medidas provisórias não podem fazer. Torres também é favorável a uma participação mais efetiva de outros órgãos de controle da União.

Com os acordos de leniência, as empresas que cometeram irregularidades têm a chance de confessar os malfeitos e ressarcir o erário. Em troca, não ficam impedidas de participar de licitações de obras públicas. (Colaboraram Thiago Resende e Raphael Di Cunto).

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