Valor econômico, v. 17, n. 4002, 11/05/2016. Política, p. A9

Últimas medidas de Dilma irão gerar gastos de R$ 8 bi

Por: Cristiane Agostine / Daniel Rittner / Andrea Jubé / Lucas Marchesini

 

Os anúncios feitos pela presidente Dilma Rousseff nos últimos 30 dias, em aceno à base social do PT, devem gerar um gasto extra estimado em R$ 8 bilhões para 2017. Às vésperas do iminente afastamento do cargo, Dilma anunciou a criação de cinco universidades, o reajuste médio de 9% do Bolsa Família, a correção de 5% da tabela do Imposto de Renda, a contratação de 25 mil unidades habitacionais do Minha Casa, Minha Vida. Ontem Dilma afirmou que nunca passou pela sua cabeça a hipótese derenunciar. Nesta quinta-feira, ela deixará o Palácio do Planalto, sem o ritual de descida da rampa, para não dar a impressão de saída definitiva. Será escoltada por cerca de 100 integrantes de movimentos sociais, com 9 mil postados na rua em frente o Palácio. E será recebidas pelo ex-presidente Lula.

Ontem Dilma fez reuniões para definir o ritual de saída do governo. Ela esboça um pronunciamento com o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, e o ministro do Gabinete Pessoal, Jaques Wagner, mas ainda não definiu se o fará em rede nacional de rádio e televisão, ou no Salão Leste, antes de deixar o palácio.

No último evento público, com militantes, antes do afastamento, Dilma disse que nunca pensou em renunciar. "Jamais passou a renúncia pela minha cabeça. A renúncia passa pela cabeça deles, não pela minha", afirmou na abertura da 4ª Conferência Nacional de Políticas para Mulheres.

Ela disse que não pretende sair de cena. "Vou participar de todos os atos e ações que me chamarem", prometeu. "Para mim, o último dia previsto para o meu mandato é o 31 de dezembro de 2018. Não estou cansada de lutar, estou cansada é dos desleais e dos traidores", afirmou, e voltou a responsabilizar o presidente afastado da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o vice-presidente Michel Temer pelo impeachment.

Ainda no pacote de anúncios dos últimos 30 dias, Dilma destinou investimentos para a agricultura familiar, além de desapropriações de terras para a reforma agrária e para comunidades quilombolas, além de autorizar Estados e municípios governados por aliados a contratarem empréstimos externos estimados em bilhões de reais.

Com a guinada à esquerda, a presidente tentou reconquistar o apoio dos movimentos sociais para defender seu mandato nos próximos 180 dias. As entidades populares, no entanto, reclamam da demora do governo para tomar essas medidas e criticam o seu alcance limitado. O reajuste médio de 9% do Bolsa Família, anunciado no 1o de maio, representa um gasto extra anual de R$ 1 bilhão.

A correção de 5% da tabela do Imposto de Renda para pessoa física, divulgado no mesmo evento, terá um impacto fiscal de R$ 5,2 bilhões, com a perda de arrecadação do governo. Os subsídios para o Minha Casa, Minha Vida, e para o Plano Safra são estimados em R$ 1 bilhão cada. A esses valores devem ser somadas as despesas para construir cinco novas universidades federais - Delta do Parnaíba (PI), Jataí (GO), Catalão (GO), Norte de Tocantins (TO) e Rondonópolis (MT)-que não foram informadas pelo Ministério da Educação.

No fim de abril, a presidente determinou também a prorrogação por mais três anos do programa Mais Médicos. Neste ano, o programa custará R$ 2,7 bilhões aos cofres públicos. Voltado aos pequenos agricultores, a presidente anunciou o Plano Safra da Agricultura Familiar, com R$ 30 bilhões para o programa de aquisição de alimentos e para assistência técnica.

Apesar dos acenos à esquerda, os movimentos sociais questionam as medidas. O anúncio de 25 mil contratações do Minha Casa, Minha Vida entidades corresponde a 1,25% do total previsto do programa, de dois milhões de habitações. Essa fase do MCMV, voltado para a população mais carente, foi lançada com um milhão a menos de moradias do que os 3 milhões que a presidente havia previsto.

Nos dois mandatos de Dilma, a reforma agrária ficou paralisada e fez com que a gestão tivesse o menor número de famílias assentadas desde o governo Fernando Henrique Cardoso. Em abril, com o processo de impeachment já em curso, a presidente assinou 25 decretos para desapropriar 35,5 mil hectares de terra para a reforma agrária e 21 mil hectares a comunidadesquilombolas. A presidente assinou também dois decretos de criação de reservas indígenas, mas sua gestão teve desempenho ainda pior do que na reforma agrária.

Dilma autorizou ainda contratos de crédito externo aos governadores aliados do PT, como do Ceará, Camilo Santana, e do Piauí, Wellington Dias. O Ministério da Fazenda deu aval para que o Piauí contrate US$ 120 milhões, e a capital, Teresina, R$ 88 milhões, junto ao Banco Mundial (Bird). O Ceará poderá contratar até US$ 1,2 bilhão.

Em contraste com outras áreas da Esplanada, onde os petistas se recusam a fazer qualquer passagem de bastão para o provável novo governo, a equipe econômica pretende deixar a "casa em ordem" e garante que não interromperá o funcionamento da máquina.

O sinal mais claro disso é que somente o ministro Nelson Barbosa tem sua exoneração programada para o dia de saída da presidente Dilma Rousseff do Palácio do Planalto. Todo o segundo escalão da Fazenda se comprometeu a receber seus eventuais sucessores.

Rejeita-se o termo "transição", mas a ordem é "deixar a casa organizada e agir com responsabilidade", segundo auxiliares de Barbosa. É justamente por isso que nenhum integrante do segundo escalão deixará a pasta imediatamente. Isso não significa que há perspectivas de ficarem. O secretário-executivo, Dyogo de Oliveira, é gestor concursado do Ministério do Planejamento e deve voltar à carreira. O secretário de Política Econômica, Manoel Pires, está com tudo pronto para requisitar sua volta à diretoria deestudos macroeconômicos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A tendência é que isso ocorra nos primeiros dias do ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles no comando da Fazenda, mas de forma civilizada e cordial.

Órgãos relacionados: