Valor econômico, v. 17, n. 4001, 10/05/2016. Empresas, p. B1
Governo fica sem R$ 1 bi de aeroportos privatizados
Galeão ignora conta de R$ 936 mi; Confins paga em juízo
Por: Daniel Rittner
O governo deixou de receber ontem R$ 1 bilhão em pagamento de outorga pelos dois aeroportos concedidos à iniciativa privada no fim de 2013. Esse rombo desfalcará o Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC), cujos recursos têm sido usados para atenuar o déficit fiscal, e levanta uma série de incertezas em torno do modelo de concessões aeroportuárias.
O novo drama do setor envolve apenas a outorga fixa pelos aeroportos, que é paga em parcelas anuais
Rangel, presidente da BH Airport: conclusão de obras deixadas pela Infraero gerou investimento adicional de R$ 100 milhões
A concessionária Rio Galeão, controlada por uma subsidiária da Odebrecht, resolveu não pagar uma conta de R$ 936 milhões pelo terminal carioca. Já a BH Airport, que administra o aeroporto de Confins (MG) e tem o grupo CCR como principal acionista, obteve uma liminar judicial e depositou R$ 74 milhões em juízo.
No dia 29 de abril, a associação que reúne operadoras privadas de aeroportos pediu à Secretaria de Aviação Civil (SAC) e à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) um adiamento das parcelas anuais referentes à cobrança de outorga. Os associados alegavam que a crise econômica, com fortes reflexos no setor aéreo, alterou as premissas originais dos contratos de concessão.Não houve resposta das autoridades.
Sem o pagamento, a Rio Galeão ficou inadimplente com o poder público. Uma cláusula no contrato estabelece multa de 2% e aplicação de juros pela taxa Selic em caso de atraso. Em última instância, a penalidade pode incluir até uma eventual perda da concessão. Segundo fontes da agência reguladora, porém, esse é um desfecho que não interessa a nenhum dos lados e umanegociação deverá ser estabelecida.
Independentemente do desfecho, o atraso é suficiente para espalhar dúvidas sobre a viabilidade do modelo. Todos os aeroportos privatizados até agora tinham um valor mínimo de outorga. Vencia a disputa quem oferecesse o maior ágio. Os lances vitoriosos foram vistos frequentemente pelo mercado como altos demais para manter a sustentabilidade financeira dos projetos. Quando entrou no leilão do aeroporto de Guarulhos, por exemplo, a espanhola OHL - conhecida por suas propostas agressivas - ficou em um distante segundo lugar e afirmou ter chegado ao "limite" no certame.
As atuais concessionárias rejeitam a tese de imprudência nos leilões e argumentam ter sido prejudicadas por razões específicas. No caso do consórcio responsável pelo Galeão, a decisão de não pagar está diretamente relacionada à demora do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em aprovar o empréstimo de longo prazo para o projeto. Esse financiamento - no valor de R$ 1,5 bilhão - estava prometido desde o leilão, mas não saiu até agora.
Além disso, o banco teria negado aval à emissão de R$ 450 milhões em debêntures da concessionária. Com esse dinheiro, além de um pequeno aporte dos acionistas, ela pretendia quitar o empréstimo-ponte de R$ 1,1 bilhão dado pelo próprio BNDES e pagar a outorga. O aeroporto tem como controladoras a Odebrecht Transport, braço de transportes e mobilidade urbana da Odebrecht, e a operadora Changi (Cingapura). Elas detêm 51% de participação acionária. A estatal Infraero possui os 49% restantes.
No caso da BH Airport, a empresa argumenta que precisou assumir duas obras deixadas com cerca de 50% execução pela Infraero: a recuperação da
pista e a reforma do terminal 1 de Confins. As construtoras responsáveis pelos serviços entraram em litígio com a estatal e não concluíram seus serviços. Para evitar danos aos passageiros, a operadora privada resolveu agir por conta própria. "Conforto e segurança são indispensáveis", disse ao Valoro presidente Paulo Rangel.
Segundo ele, a conclusão das duas obras gerou investimentos adicionais em torno de R$ 100 milhões, que não estavam previstos na concessão. Para o executivo, isso leva à necessidade de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, mas não houve deliberação da Anac a esse respeito.
Diante do problema, o consórcio obteve uma liminar da 9ª Vara Federal em Brasília para pagar a outorga em juízo. "A nossa situação é muito específica. Buscamos um equilíbrio no fluxo de caixa", afirma Rangel. O aeroporto tem a CCR e o grupo suíço Flughafen Zurich como acionistas da parte privada. A Infraero também manteve uma participação de 49%.
O novo drama do setor envolve apenas a outorga fixa pelos aeroportos, que é paga em parcelas anuais, ao longo de toda a vigência dos contratos - 25 anos no Galeão e 30 anos em Confins.
Ambas as concessionárias precisam depositar, na próxima segunda-feira, uma "contribuição variável" no valor de 5% de suas receitas brutas em 2015. Isso equivale a R$ 43 milhões no caso do Galeão e a R$ 11 milhões em Confins. Rangel esclarece que esse pagamento não será contestado. O Valor apurou que a concessionária liderada pela Odebrecht Transport também pretende pagar em dia esse valor ao governo.
Nos dois aeroportos, os problemas de caixa não afetaram as obras. O terminal carioca já modernizou boa parte de suas instalações e inaugura, no dia 19, um píer com 26 novas posições de embarque (todas com fingers).
Em Confins, um novo terminal deverá ficar pronto até o dia 30 de novembro. Ele deveria ter sido concluído no fim de abril, mas houve atraso de sete meses na emissão da licença ambiental de instalação pelo órgão estadual e as obras não puderam começar no cronograma planejado.
A cobrança de outorga dos três aeroportos privatizados em 2012 - Guarulhos, Viracopos e Brasília - têm suas parcelas anuais vencendo em julho. São Gonçalo do Amarante (RN), nas imediações de Natal, foi concedido em 2011 como experiência-piloto no setor. Na semana passada, a Anac colocou em audiência pública mais quatro concessões de aeroportos: Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis.