Valor econômico, v. 17, n. 4001, 10/05/2016. Política, p. A8

PF leva Mantega para depor sob condução coercitiva em inquérito

Por: Letícia Casado / André Guilherme Vieira

 

A Polícia Federal deflagrou ontem a sétima fase da Operação Zelotes e levou Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda dos governos Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, para prestar depoimento em São Paulo sob condução coercitiva. Mantega é investigado em inquérito sobre esquema que teria beneficiado o Grupo Comercial de Cimento Penha, do empresário Victor Sandri.

A Operação Zelotes suspeita que a Cimento Penha tenha sido beneficiada por decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) que reviu débito fiscal que ultrapassa R$ 110 milhões, segundo o Ministério da Fazenda.

Mantega é investigado há meses por sua relação com a cimenteira. Ele teve os sigilos fiscal e bancário quebrados pela Zelotes e já prestou depoimento à PF em janeiro. Mantega disse ter mantido relações comerciais com Victor Sandri. Em quase duas horas de depoimento, o ex-ministro disse que conheceu Sandri na década de 90, em razão de uma negociação envolvendo dois terrenos localizados na Vila Olímpia, zona Sul de São Paulo, que Mantega recebeu de herança.

O ex-ministro afirmou à PF que na época Sandri tinha uma construtora e sugeriu que fosse realizada uma operação de incorporação com os imóveis. Os terrenos seriam entregues em troca de unidades de um prédio que seria construído. As duas operações de incorporação foram feitas sucessivamente ainda na década de 1990, segundo Mantega. "Naquela época [da negociação com Sandri], Mantega não ocupava nenhum ministério", disse o advogado Guilherme Batochio, que representa o ex-ministro na investigação da Operação Zelotes.

O ex-ministro disse que não mantém relação de amizade com Sandri e relatou ter se encontrado com ele apenas uma vez depois que fecharam negócio. Teria sido um jantar oferecido por Sandri para comemorar a realização da incorporação imobiliária, segundo relatou à PF.

De acordo com os investigadores, em 2011 (enquanto ocupava o ministério), Mantega teria ajudado o grupo ao nomear conselheiros para a cúpula do Carf, a fim de favorecer a empresa em julgamento tributário. Deflagrada em março de 2015, a Zelotes investiga esquema de corrupção no Carf, órgão da Fazenda. A investigação aponta que um grupo de lobistas e ex-conselheiros -alguns já condenados pela Justiça na investigação - negociou decisões em favor de grandes contribuintes.

No depoimento, Mantega negou as suspeitas e afirmou que chegou a criar uma "comissão de notáveis" em 2006, quando assumiu o ministério da Fazenda, para filtrar os indicados para o Carf.

A decisão que autorizou os mandados de busca foi assinada em 20 de abril e permitiu a quebra de sigilo dos dados contidos nas mídias apreendidas, além do compartilhamento das informações obtidas com a Procuradoria da Fazenda Nacional e Receita Federal, informou o Ministério Público Federal (MPF).

Na decisão, o juiz Vallisney mencionou "os argumentos apresentados pelo MPF, segundo os quais existem indícios de 'venda de decisão' favorável à empresa investigada". O magistrado mencionou também "a existência de um esquema complexo, envolvendo, inclusive, a nomeação indevida de uma pessoa" para o conselho do Carf "com o propósito de garantir - em troca de vantagens financeiras - o julgamento favorável ao contribuinte".

"Assim, considerando a natureza dos delitos, a medida de buscas e apreensão se faz indispensável para o sucesso das investigações a fim de que se possa produzir prova documental e outras quanto à autoria, sobretudo, que poderão ratificar (ou não confirmar) o material probatório até então produzido", escreveu o juiz, segundo o MPF.

A PF cumpriu ontem 12 mandados de busca e apreensão e 15 de condução coercitiva em cinco estados e no Distrito Federal: em Brasília (DF), Recife (PE), Olinda (PE), Paulista (PE), João Pessoa (PB), São Paulo (SP), Juazeiro do Norte (CE) e Florianópolis (SC).

Em 2015, ao conceder a quebra dos sigilos bancário e fiscal de Guido Mantega, o juiz federal Vallisney Oliveira afirmou no despecho que a empresa do ex-ministro, a Coroado, presta serviços de consultoria, "a exemplo das demais empresas investigadas" na Zelotes e que os "indícios de possível influência" de Mantega "no resultado do julgamento do referido processo administrativo fiscal" tornam imprescindível que seja feita a quebra dos sigilos "para melhor esclarecimento dos fatos".

O MPF já enviou à Justiça Federal pedido de abertura de quatro ações penais para a responsabilização de 29 pessoas acusadas de praticar crimes como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e tráfico de influência apurados na investigação da Zelotes.