O Estado de São Paulo, n. 44762, 07/05/2016. Política, p. A14

Lava Jato leva novas denúncias a Moro

Julia Affonso

Fausto Macedo

Mateus Coutinho

Ricardo Brandt

 

A força-tarefa do Ministério Público Federal, que conduz a Operação Lava Jato, em Curitiba, apresentou ontem ao juiz Sérgio Moro duas novas denúncias do esquema de corrupção e lavagem de dinheiro na Petrobrás.

São acusações que envolvem R$ 36 milhões em propinas e atingem duas frentes distintas. Uma imputa crimes a membros do PT e ao empresário Ronan Maria Pinto, dono do jornal Diário do Grande ABC. Outra, enquadra o ex-senador Gim Argello (PTB-DF) e os empreiteiros Marcelo Odebrecht (Odebrecht), José Aldemário Pinheiro (OAS) e Ricardo Pessoa (UTC). Ao todo, são 20 denunciados. Eles são acusados de corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa e obstrução à investigação.

A segunda denúncia decorre da 28.ª fase da Lava Jato, batizada de Vitória de Pirro. Preso desde 12 de abril, a acusação aponta que Gim Argello transformou as CPIs do Congresso abertas para investigar fraudes na Petrobrás em um “balcão de negócios”. Ele foi acusado formalmente por cobrar R$ 5 milhões de pelo menos sete empreiteiras do cartel que atuava na Petrobrás para que seus executivos fossem blindados contra as Comissões Parlamentares de Inquérito no Senado e na Câmara.

Segundo o procurador da República Athayde Ribeiro Costa, foi o presidente da OAS, José Adelmário Pinheiro, o Léo Pinheiro, o primeiro a buscar Argello, em 2014, quando a Lava Jato já havia sido deflagrada, para acerto do esquema. “Léo Pinheiro se movimentou com toda sua habilidade que já existia no relacionamento público com congressistas e foi atrás de Gim Argello”, afirmou o procurador na apresentação pública da denúncia, em Curitiba. “Léo Pinheiro auxiliava Argello nos atos corrupção.”

Os encontros com o ex-senador ocorreram em “jantares regados a vinhos” na casa de Argello e de seu filho, sustenta o Ministério Público Federal. A denúncia diz que foram recebidos R$ 5 milhões da UTC, R$ 350 mil da OAS e houve ainda solicitação de valores de outras empreiteiras, como a Odebrecht, a Toyo Setal e a OAS, que tiveram pagamentos efetivados. A Procuradoria apurou que no caso da Andrade Gutierrez, Engevix e Camargo Corrêa não houve efetivação de pagamento.Os assessores de Gim Paulo César Roxo Ramos e Valério Neves, também foram denunciados pelo MPF.

 

Doações. Um dos pontos destacados pelo procurador da República Deltan Dallagnol é de que mais uma vez ficou comprova- do que doações eleitorais e partidárias foram usadas para ocultar movimentação de propina. Parte dos recursos pagos a Argello foi efetivada por repasses para o DEM, PR, PMN e PRTB.

“O que se constatou é que o pagamento da corrupção se deu com doações eleitorais que tinham aparência lícita. O que preocupa é que o funcionamento da democracia recebeu injeções de valores espúrios. Isso torna o campo de disputa eleitoral desigual e ofende a democracia”, afirmou Dallagnol.

 

Sequestro. A força-tarefa da Lava Jato pediu o confisco de quase R$ 80 milhões do ex-senador Gim Argello (PTB-DF) e de outros 10 denunciados por corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa e obstrução à Justiça. São R$ 7,55 milhões, 200 mil euros e mais R$ 70 milhões, cumulativamente, referentes ao dobro dos valores de propina cobrados pelo ex-senador Gim Argello. Os valores foram cobrados de empreiteiras, segundo o MPF, para se evitar a convocação de empreiteiros em investigações parlamentares no Congresso.

Em uma das denúncias, entre os novos acusados por corrupção, lavagem de dinheiro, organização criminosa e obstrução à investigação, além de Argello, foram denunciados os empreiteiros Marcelo Odebrecht, Ricardo Pessoa e Léo Pinheiro e outros seis investigados. Segundo a PGR, o ex-senador “solicitou e recebeu pagamentos indevidos para interferir nos trabalhos de CPIs no ano de 2014”.

Procuradores afirmam que “o acerto de vantagem indevida” foi feito por pelo menos quatro empreiteiras: UTC Engenharia, OAS, Toyo Setal e Odebrecht. Inicialmente, a operação Vitória de Pirro, deflagrada em 12 de abril, apontava apenas repasses efetuados pela UTC (R$ 5 milhões) e pela OAS (R$ 350 mil).

O dinheiro da UTC foi destinado à coligação União e Força, formado por DEM, PRTB, PTB e PRB, na eleições de 2014. Já a propina da OAS foi parar em conta da Paróquia São Pedro, em Taguatinga (DF).

“O pagamento à paróquia é associado a uma pessoa identifica como ‘Alcóolico’, que seria o apelido de Gim Argello, por ser trocadilho com a bebida ‘Gim’. O apelido foi identificado em troca de mensagens de celulares que foram apreendidos em fases anteriores da Lava Jato”, afirmou a força-tarefa.

Durante as investigações, descobriu-se que a Odebrecht e a Toyo também teriam feito pagamentos ao ex-senador. “A empresa Toyo Setal realizou o pagamento de R$ 2 milhões por meio de doação oficial ao PR com a finalidade de dar aparência lícita à vantagem indevida e Julio Camargo, representante da empresa, por duas vezes, fez pessoalmente repasses em espécie, totalizando R$ 200 mil e 200 mil euros que foram entregues ao ex-senador. Também há indícios concretos que a empreiteira Odebrecht pagou R$ 200 mil para evitar a convocação de seus executivos como doação oficial ao PR”, apontam os procuradores.

 

Força-tarefa

“Léo Pinheiro se movimentou com toda sua habilidade que já existia no relacionamento público com congressistas e foi atrás de Gim Argello”

Athayde Ribeiro Costa

PROCURADOR DA REPÚBLICA

 

“O que se constatou é que o pagamento da corrupção se deu com doações eleitorais que tinham aparência lícita. O que preocupa é que o funcionamento da democracia recebeu valores espúrios. Isso torna o campo de disputa eleitoral desigual e ofende a democracia”

Deltan Dallagnol

 

COORDENADOR DA FORÇA-TAREFA DA LAVA JATO

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Denúncia envolve Ronan, Marcos Valério, Delúbio e empresário

 

A denúncia criminal contra Ronan Maria Pinto decorre da 27.ª fase da Lava Jato, batizada de Operação Carbono 14, e envolvem ainda o ex -tesoureiro do PT Delúbio Soares, o empresário Marcos Valério – condenado no mensalão –, o dono Grupo Bertin, Natalino Bertin, e mais quatro pessoas.

Todos são apontados como envolvidos em um empréstimo fraudulento de R$ 12 milhões, feito em 2004, pelo PT, no Banco Schahin, em nome do pecuarista José Carlos Bumlai – amigodoex- presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O empréstimo nunca foi pago formalmente ao banco, que teria sido compensado anos depois comum contrato da Petrobrás dirigido para o Grupo Schahin para operação De um navio-sonda, no valor de US$ 1,6 bilhão.

Dos R$ 12 milhões, R$ 6 milhões foram repassados a Ronan Maria Pinto, que utilizou os recursos na compra de ônibus para sua empresa de transporte público e parte para a compra do jornal Diário do Grande ABC.

“O valor total do empréstimo junto ao Banco Schahin, de R$ 12 milhões, foi transferido de Bumlai para a conta bancária do Frigorífico Bertin.

Na sequência, o responsável no frigorífico repassou a quantia de R$ 6 milhões para a Remar Agenciamento e Assessoria Ltda, de Oswaldo Rodrigues Vieira Filho, empresário do Rio de Janeiro que já havia sido indicado por outros membros do esquema”, informa a Procuradoria. “Com os valores Na conta da Remar, Vieira Filho promoveu transferências diretas e indiretas, seja em depósitos para a Expresso Nova Santo André, empresa de ônibus controlada por Ronan, ou para outras pessoas físicas e jurídicas que foram indicadas pelo empresário para receber os valores escusos.” O ex-secretário petista Sílvio Pereira, envolvido no caso, será Alvo de outra denúncia. Bumlai, José Dirceu e dois do nos do Grupo Schahin, apesar de integrarem a peça, não foram acusados, porque têm mais de 70 anos e a punibilidade contra eles está extinta.

O empresário Natalino Bertin foi denunciado na Operação Lava Jato pelo uso de suas contas para movimentação de R$ 12 milhões emprestados pelo PT deforma fraudulenta,em2004, no Banco Schahin via pecuarista José Carlos Bumlai, amigo do ex-presidente Lula. Metade desses valores foi parar em contas do empresário Ronan Maria Pinto, dono do jornal Diário do Grande ABC.

O empréstimo nunca foi pago formalmente, tendo sido quitado com um contrato de US$1,6 bilhão dirigido pela Petrobrás para o Grupo Schahin, via esquema de corrupção alvo da Lava Jato. Em 2009, o Grupo Schahin foi contratado sem licitação pela estatal petrolífera para operar o navio- sonda Vitória 10000.

“Ao receber o dinheiro do Banco Schahin, Bumlai, com o objetivo de quebrar o rastro direto dos recursos ilícitos, procurou Natalino Bertin, então presidente do Frigorífico Bertin, solicitando auxílio na intermediação dos valores até os destinatários finais. Além de afastar ainda mais o dinheiro da sua fonte ilícita, a utilização da Frigorífico Bertin tinha a finalidade de misturar os ativos ilícitos com os recursos lícitos auferidos na regula atividade comercial da empresa”, informa a denúncia apresenta da ontem contra Bertin e o empresário Ronan Maria Pinto, principal alvo da ação penal.

“Cabe ressaltar que o Frigorífico Bertin era uma empresa de grande porte, possuindo uma gigantesca movimentação financeira que não despertaria a atenção das autoridades fiscais tributárias.” Bumlai confessou que tomou o empréstimo de R$ 12milhõesemnomedoPT.

Ele citou o ex-secretário do partido Silvio Pereira, o ex -tesoureiro petista Delúbio Soares e outros nomes do partido.

O pecuarista “admitiu a operacionalização dos valores em favor do Partido dos Trabalhadores, mencionando que pediu auxílio de Natalino Bertin para realizar a transferência ilícita para os destinatários finais”.

 

Ouvido pela Lava Jato, Natalino Bertin negou o conhecimento da transação de recebimento dos valores na conta do frigorífico.

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Defesa vai tentar revogar prisão de empresário

 

Procurado, o advogado do exsenador Gim Argello (PTBDF), Marcelo Bessa, afirmou que não ia comentar a decisão.

A defesa de Ronan Maria Pin- to afirmou ontem que vai provar a inocência de seu cliente. “Após ouvir as explanações dos promotores no dia de hoje ( ontem), a defesa do empresário Ronan Maria Pinto declara-se muito satisfeita já inicialmente com a justa exclusão do descabido crime de extorsão, feita desde a propositura da ação penal, e que chegou a ser aventado no início da operação que o levou à prisão. A acusação criminal formal- mente apresentada hoje ( ontem), de crime financeiro, será devida e documentalmente afastada assim que a defesa puder apresentar e comprovar a prática de atos totalmente lícitos da parte do empresário em todas as operações financeiras enumeradas no processo, e realizadas sem a utilização de recursos públicos. Mais uma vez ressaltando não haver motivos para o envolvimento do empresário na Operação Lava Jato, informamos ainda que será imediatamente pleiteada a revogação de sua prisão. A partir de agora, Ronan Maria Pinto não mais responde por crime com emprego de violência ou grave ameaça às investigações, e o que seria a única justificativa para a manutenção do seu cárcere”, diz em nota.

As defesas de Valério Neves e Paulo Roxo não foram localizadas para comentar o caso. A re- portagem também tentou contato telefônico durante todo o dia e deixou recado no celular do advogado de Marcos Valério, que não retornou os contatos.

Breno Altman informou que a “denúncia do Ministério Público, no que diz respeito a minha suposta participação no caso investigado, não apresenta quaisquer provas ou indícios. Como posso ser suspeito por lavagem de dinheiro se não há qualquer fato que me relacione às operações financeiras citadas? O documento dos procuradores, no que me diz respeito, se apoia ex- clusivamente em depoimento de um condenado, o sr. Marcos Valério, cuja delação premiada foi negada pela própria PGR em 2012, em função de suas mentiras contumazes. Triste ainda é ver que o MPF nem sequer deixou claro que os fatos narrados na denúncia são apenas a versão do ex-publicitário, transcritos como se fossem verdades irrefutáveis. Oxalá o juiz Moro ponha um fim a este atropelo, indeferindo acusação sem lastro”.

 

A OAS, UTC, Odebrecht e o Grupo Schahin informaram que não iriam comentar o caso.