O Estado de São Paulo, n. 44765, 10/05/2016. Política, p. A14

Mantega é levado a depor em nova fase da Zelotes

Fábio Fabrini

A Polícia Federal deflagrou ontem a sétima fase da Operação Zelotes, que investiga suposto esquema de “compra” de decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) –espécie de tribunal que avalia débitos de grandes contribuintes com a Receita Federal. O ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, suspeito de ajudar um empresário a fraudar processo que tramitou no órgão, foi alvo de condução coercitiva, quando é obrigado a prestar depoimento e, em seguida, liberado. Agentes também fizeram busca e apreensão de documentos num endereço dele.

Conforme as investigações, há indícios de que integrantes do Carf “venderam” uma decisão ao Grupo Comercial Cimentos Penha, do empresário Victor Garcia Sandri, apontado como amigo de Mantega. Mensagens e conversas interceptadas na Zelotes indicam que o ex-ministro nomeou em 2011 o ex-conselheiro Valmar Fonseca de Menezes para a 1.ª Turma Ordinária da Primeira Câmara do Carf. Depois, teria manobrado para que ele e o então conselheiro José Ricardo da Silva fossem alçados à Câmara Superior do órgão. O petista, que chefiou a Fazenda de 2006 a 2014, teria agido a pedido de Sandri.

Após as nomeações, o Cimentos Penha conseguiu abater débito de R$ 106 milhões em julgamento na Câmara Superior, do qual participou também o ex-secretário da Receita Federal Otacílio Cartaxo, que presidia o Carf na época. Ele é citado nas mensagens obtidas pelos investigadores e foi alvo da operação ontem.

A força-tarefa da Zelotes, integrada ainda pelo Ministério Público Federal e a Receita Federal, sustenta que o Cimentos Penha contratou escritórios de advocacia e de consultoria para manipular o andamento, a distribuição e as decisões do Carf. O esquema teria envolvido pagamentos de R$ 15 milhões. Parte desse montante, sustentam os investigadores, foi “lavada” por um escritório de auditoria e contabilidade. Os investigadores buscam provas de possível recebimento de “vantagem indevida” por Mantega.

 

Mandados. A PF cumpriu 12 mandados de busca e apreensão e 15 de condução coercitiva em Brasília, São Paulo, Pernambuco,  Ceará e Santa Catarina. O juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10.ª Vara Federal, em Brasília, justificou que as medidas são indispensáveis “para o sucesso das investigações, a fim de que se possa produzir prova documental e outras quanto à autoria”. Inicialmente, ele havia indeferido os pedidos relativos a Mantega, mas reconsiderou sua decisão após a Zelotes apresentar mais indícios da participação do ex-ministro. Em novembro, o magistrado havia determinado a quebra dos sigilos fiscal e bancário do ex-ministro.

Também foram alvos de buscas elevados a depor Valmar Fonseca, Victor Sandri, o ex-conselheiro do Carf Paulo Roberto Cortez e José Ricardo da Silva, que deixou a prisão na sexta-feira. Ele foi condenado a 11 anos de reclusão por suposto envolvimento em esquema de “compra” de medidas provisórias no governo, outro caso investigado na Zelotes, mas poderá apelar em liberdade.

Em Brasília, Cartaxo prestou depoimento e sustentou não ter sofrido nenhuma pressão para votar a favor do Cimentos Penha.

Mantega falou por mais de duas horas na Superintendência da PF em São Paulo. Ele reiterou que o conheceu Sandri na década de 1990, “por ocasião de um negócio imobiliário”. O ex-ministro explicou que, depois disso, “esteve em uma única ocasião” com o empresário. “O Sandri tem um sítio, uma propriedade a 30 quilômetros de Ibiúna (SP). Ele (Sandri) me convidou para jantar”, disse. O episódio foi noticiado pela imprensa na época porque a propriedade sofreu um assalto. Mantega alegou que as nomeações de integrantes do Carf é atribuição do ministro da Fazenda–ao qual fica vinculado o colegiado. Sobre as multas aplicadas pelo conselho, “afirmou que ‘não tem conhecimento de absolutamente nada”.

 

A PF insistiu muito sobre as nomeações. “Eu cumpria o papel de ministro da Fazenda de fazer as nomeações. Quando da minha gestão criei uma comissão de notáveis, cujos integrantes eram responsáveis pela avaliação dos nomes e dos currículos submetidos ao Ministério da Fazenda para ocupar cargos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.” Mantega disse também que também criou uma Corregedoria, responsável pelo recebimento de qualquer denúncia de irregularidades no âmbito da Fazenda e no Carf. O ex-ministro afirmou que muitos fatos que estão sob investigação da Operação Zelotes foram apurados por esse órgão. /COLABORARAM ANDREZA MATAIS, FAUSTO MACEDO, JÚLIA AFFONSO e MATEUS COUTINHO

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Defesa nega irregularidade e vê ‘ato arbitrário e ilegal’

 

 A defesa do ex-ministro Guido Mantega disse que “não há o que recear” sobre o petista ter sido alvo na manhã de ontem de mandado de condução coercitiva a pedido da Operação Zelotes.“Ele não tem nada a esconder”, afirmou o criminalista José Roberto Batochio.

Advogado de Mantega, o criminalista Guilherme Batochio classificou a condução coercitiva do ex-ministro de “ato arbitrário e ilegal”. “O ministro Mantega já havia prestado depoimento sobre essa mesma investigação (Zelotes) recentemente. Na ocasião, respondeu a todas as indagações, como hoje respondeu. A condução coercitiva é uma truculência contra o ministro, uma ação completamente desnecessária. Um abuso.

Lamentavelmente, o juiz Sérgio Moro (da Operação Lava Jato) vem fazendo escola”, afirmou Guilherme Batochio.

O advogado Rodrigo Mudrovitsch, que defende o ex-secretário da Receita Otacílio Cartaxo considerou “desnecessária” a condução coercitiva de seu cliente. “Os questionamentos realizados a ele foram extremamente genéricos e singelos, o que somente reforçou a minha convicção de que a condução coercitiva era medida desnecessária.

O meu cliente sempre esteve à disposição para prestar todos os esclarecimentos. No julgamento em análise, o Otacílio se limitou a acompanhar o voto do relator e da maioria dos demais membros votantes.

Não sofreu qualquer pressão e não recebeu qualquer pedido para direcionar o seu voto.” O advogado Ticiano Figueiredo, que defende o empresário Victor Sandri, informou que seu cliente já se havia colocado à disposição para prestar os esclarecimentos.

“Nos negaram acesso aos autos, mas temos certeza de que nenhum ato ilícito foi praticado pelo sr. Victor ou pela Cimentos Penha.” A defesa do ex-conselheiro Paulo Roberto Cortez não quis comentar a operação. A defesa de José Ricardo Silva, também ligado ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) disse que não iria se pronunciar porque não teve acesso aos documentos da investigação.

O Ministério da Fazenda divulgou nota segundo a qual a Corregedoria-Geral da pasta e a Coordenação-Geral de Pesquisa e Investigação da Receita Federal prestaram cooperação técnica para a operação. Segundo o ministério, os órgãos elaboraram três relatórios de análise propondo “medidas destinadas à ampliação dos meios de prova para auxiliar a elucidação dos eventos ilícitos”.

 

‘Abuso’

“A condução coercitiva é uma truculência contra o ministro, uma ação completamente desnecessária. Um abuso”

Guilherme Batochio

ADVOGADO DE GUIDO MANTEGA

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Referências a ‘Amiga’ levaram à decisão de juiz

O juiz Vallisney de Souza Oliveira,da 10.ª Vara Federal, em Brasília, decidiu autorizar medidas contra o ex-ministro Guido Mantega na semana passada, após um pedido de reconsideração dos investigadores da Operação Zelotes.A Polícia Federal apresentou informações indicando que, em mensagens e telefonemas interceptados, os envolvidos no esquema do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais(Carf) se referiam a Mantega como “Amiga”. Segundo os documentos, Mantega reuniu-se com Valmar Fonseca de Menezes em junho de 2011, um mês antes de nomeá-lo conselheiro do Carf.

O encontro teria sido articulado pelo empresário italiano Victor Garcia Sandri, interessado em abater débito de sua empresa com o Fisco. Em e-mail enviado a Sandri, o advogado José Ricardo da Silva diz que “V” (suposta referência a Valmar) foi chamado pela “Amiga” (Mantega).Dias depois, Silva envia outro e-mail para Menezes, explicando que Sandri, citado como “Italiano” ou “Tenista”, usaria sua influência para colocá-lo no cargo.

 

“Dissemos peremptoriamente ao Italiano que sua atuação na 1.ª(Câmara) é a única chance que ele tem para solucionar a questão específica. Ele concordou e vai levar isso à Amiga”, diz, segundo relatório da operação. Na mensagem, Silva afirma que “Carteiro”–Otacílio Cartaxo,ex chefe da Receita que na época presidia o Carf – tinha outra indicação, mas que prevaleceria a vontade de Sandri. Citações à influência de Sandri sobre Mantega aparecem em diálogos de outro investigado, o ex-conselheiro do Carf Paulo Roberto Cortez. / F.F.

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Condução coercitiva de ex-ministro amplia críticas de juristas

Pedro Venceslau

A decisão da Polícia Federal de conduzir coercitivamente o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para depor em São Paulo no inquérito da Operação Zelotes fez crescer no meio jurídico as críticas ao uso recorrente desse instrumento.

Especialista em direito penal, o desembargador do TJ-SP Damião Cogan defendeu a medida no caso do ex-presidente Lula, mas criticou no caso de Mantega. “No caso do Lula, ela estava fundamentada. Foi uma situação sui generis. Ele estava criando intranquilidade pública. Mas isso não pode virar regra. Cria-se um constrangimento”, disse ele ao Estado. Segundo Cogan, na Justiça Estadual de são Paulo “é normal” que, se a pessoa receber uma intimação com menos de 24 horas e não comparecer, outra é expedida. “Não posso intimar no mesmo dia para comparecer à tarde.” Professor de processo penal na USP, o advogado Gustavo Badaró segue a mesma linha.

Diz que há uma “banalização” da condução coercitiva e acrescenta um argumento.“É assegurado ao Mantega o direito de não produzir provas contra ele mesmo. Ele pode permanecer calado. Logo, não faz sentido conduzir coercitivamente alguém que pode dizer que não tem nada a declarar.” Diferentemente do que fez no caso de Lula, o PT decidiu não fazer uma ofensiva contra a decisão da PF em relação ao ex-ministro da Fazenda. A avaliação interna é que seria “chover no molhado” e não haveria repercussão por causa da reviravolta no processo de impeachment em Brasília.

Autor do livro Considerações sobre a Lei Anticorrupção das pessoas jurídicas, o jurista Modesto Carvalhosa defendeu a ação da PF com Mantega. “A decisão de levar coercitivamente o indiciado depende da gravidade da imputação sobre ele. Qual é o problema da coercitiva? Ela permite uma economia de tempo e de procedimento policial.

 

Não vejo abuso”, afirmou.