O globo, n. 30241, 24/05/2016. País, p. 10

Lava-Jato prende Genu, condenado no mensalão

PF diz que ex-tesoureiro do PP recebeu mais de R$ 2 milhões em propinas, e foi pago até após receber pena
Por: Renato Onofre/ Cleide Carvalho/ Stella Borges
 
 
RENATO ONOFRE, CLEIDE CARVALHO
E STELLA BORGES
 
-SÃO PAULO E CURITIBA- João Cláudio Genu, ex-tesoureiro do PP, foi preso preventivamente ontem na Operação Lava-Jato sob acusação de, além de distribuir dinheiro a caciques políticos da sigla, ficar ele próprio com parte da propina de contratos da Petrobras. Em 2012, Genu já tinha sido condenado no mensalão por sacar R$ 1,1 milhão de contas de uma das empresas do operador Marcos Valério para repassar ao PP.

O delegado da Polícia Federal Luciano Flores informou já foram comprovados mais de R$ 2 milhões pagos a Genu, que foi também assessor do deputado José Janene, líder do PP na Câmara dos Deputados, falecido em 2010. Foi Janene o responsável pela indicação de Paulo Roberto Costa para a diretoria de Abastecimento da Petrobras. Janene ameaçou paralisar a pauta de votações no Congresso caso o nomeação não ocorresse.

 

“DEBOCHE À JUSTIÇA”

O delegado classificou como “deboche” à Justiça e à polícia o fato de Genu ter continuado a receber propina durante julgamento do mensalão. Segundo ele, há provas de que o ex-tesoureido recebeu o dinheiro até 2013, um ano após ser julgado pelo Supremo.

— Ele, que nunca foi parlamentar, mas sempre assessorou um dos principais criadores desse esquema (Janene), recebia não só nas dezenas de vezes em que ia pessoalmente ao escritório do doleiro Alberto Youssef, como através de seu sócio, do qual temos até um recibo de propina assinado — disse Flores.

A pena de Genu no mensalão, pelo crime de corrupção, acabou prescrita durante a fase de recursos. Ele foi absolvido da acusação de lavagem de dinheiro. Agora, quatro colaboradores da Lava-Jato delataram Genu. O doleiro Alberto Youssef afirmou que ele ficava com 5% da propina destinada ao PP nos contratos da diretoria de Abastecimento. Na divisão, 60% iam para o partido, 30% para Costa e outros 5% para o doleiro. Várias vezes o dinheiro foi entregue a Lucas Amorim Alves, preso temporariamente ontem e apontado como sócio do ex-tesoureiro do PP.

O empresário Humberto do Amaral Carrilho, que também teve prisão temporária decretada pela Justiça, está no exterior e já é considerado foragido.

Para o juiz Sérgio Moro, o fato de Genu ter recebido propina durante o mensalão “reforça os indícios de profissionalismo e habitualidade na prática do crime”: “Excepcional, no presente caso, não é a prisão cautelar, mas o grau de deterioração da coisa pública revelada pelos processos na Operação Lava-Jato, com prejuízos já assumidos de cerca de seis bilhões de reais somente pela Petrobras e a possibilidade, segundo investigações em curso no Supremo Tribunal Federal, de que os desvios tenham sido utilizados para pagamento de propina a dezenas de parlamentares, comprometendo a própria qualidade de nossa democracia”, escreveu Moro ao justificar a prisão preventiva.

Depois da morte de Janene, Genu chegou a tentar intimidar Youssef por e-mail, pois achava que estava sendo passado para trás:

“Prezado, o que esta acontecendo? Não tenho tido sucesso nas coisas que vc trata comigo. Não entendo muito bem por que, sempre procurei te respeitar e considerar. Ainda qdo o finado estava entre nós, a forma de aproximação era grande, o agrado era de todo jeito, se falava em amizade e tudo mais. Mas ele se foi e tudo que ouvia era da boca p fora”, escreveu Genu ao doleiro, completando:

“Vc se aproximou do PR. Não tenho ciúme, mas me sinto traído. Vc se aproximou das pessoas boas e poderosas que te apresentei, tbm não sinto ciúme, mas tbm me sinto traído. Tudo que fizemos e que vc ficou de honrar o que me dá de direito tem sido postergado há quase 2 anos. Não compreendo”.

Genu encerrou com uma ameaça: “Gostaria de avisar que não vou abrir mão de nada a que tenho direito, vou até as ultimas consequências (...)”

 

PROPINA PARA EMPRESAS DA MULHER

Youssef disse que continuou a repassar propina a Genu mesmo depois que Costa saiu da diretoria da Petrobras. Além usar o dinheiro para a compra de joias, algumas pagas em espécie, Genu teria aplicado a propina em empresas abertas em nome da mulher e do cunhado. Três delas apresentam recebimentos suspeitos: RJD (R$ 1,3 milhão), JJD (R$ 4,1 milhões) e Ecopar (R$ 1,4 milhão). Entre 2009 e 2014, a Ecopar recebeu R$ 4,7 milhões, mesmo tendo poucos funcionários, e foi a principal fonte de recursos de Genu.

Na contabilidade de Youssef, Genu era identificado com apelidos, como Mercedão e Gordo. Os pagamentos somam 125 mil euros e 2,9 milhões em reais. Genu também recebeu dinheiro por meio do Posto da Torre, usado para entregar propina a políticos em Brasília. Entre os políticos suspeitos de ter recebido dinheiro do esquema de Genu estão o ex-deputado e ex-ministro das Cidades Mário Negromonte e os deputados Nelson Meurer, Mário Negromonte , Luiz Fernando de Farias e Roberto de Britto, todos do PP.