O globo, n. 30241, 24/05/2016. Economia, p. 21

A PRIMEIRA GRANDE PROVA

Congresso vota hoje meta fiscal de Temer, em meio à crise com saída de Jucá. Dólar dispara
Por: Leticia Fernandes/ Isabel Braga/ Geralda Doca/ Maria Lima/ Ana Paula Ribeiro/Manoel Ventura

 

LETÍCIA FERNANDES, ISABEL BRAGA,

GERALDA DOCA, MARIA LIMA, ANA PAU-

LA RIBEIRO E MANOEL VENTURA*

economia@oglobo.com.br

 

-BRASÍLIA E SÃO PAULO- O grampo que derrubou o ministro do Planejamento, Romero Jucá, do cargo reativou ontem o medo do mercado financeiro de que o presidente interino, Michel Temer, não conseguirá formar uma sólida maioria no Congresso para aprovar o ajuste fiscal e reformas estruturais. O ambiente político turbulento ao longo do dia — devido à existência de novas gravações envolvendo expoentes do PMDB e à menção a políticos tucanos — animou a oposição a pedir o adiamento da votação da nova meta fiscal do ano, que prevê rombo federal de R$ 170,5 bilhões, e criou ruído sobre o anúncio de medidas econômicas de longo prazo, prometido para hoje. Os agentes responderam com nervosismo às incertezas: a Bolsa caiu 0,79%, abaixo dos 50 mil pontos, e o dólar disparou 1,81%, fechando o pregão a R$ 3,582, a maior cotação em um mês.

No fim do dia, porém, o governo conseguiu emitir sinais positivos de que conseguirá passar pelo primeiro teste de sua política econômica. Acompanhado do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e de Jucá, que ainda não havia sido exonerado do cargo, Michel Temer foi pessoalmente ao Congresso e apresentou a proposta de ampliação do déficit fiscal a Renan Calheiros, presidente do Senado. Renan garantiu a realização da sessão conjunta do Congresso, que foi antecipada das 16h para as 11h de hoje. Líderes dos partidos aliados, incluindo os do centrão, garantiram a aprovação da meta.

— Vou fazer o possível para aprovarmos a redução da meta fiscal e acho que, mais do que nunca, o que está em jogo não é o Michel (Temer), mas o interesse nacional. A ninguém interessa que esse governo entre na ilegalidade se essa nova meta não for aprovada. Vamos repetir o que aconteceu com o governo anterior. Do mesmo jeito que aprovamos uma nova meta para ajudar a presidente Dilma, vamos aprovar para ajudar o Brasil — disse Renan.

A revelação das gravações envolvendo Jucá fez a Bolsa chegar a cair 2,06%, no pior momento do pregão. Luiz Roberto Monteiro, operador da Renascença Corretora, ressaltou que o conteúdo da conversa afeta um governo que ainda é interino.

— Há o envolvimento do Jucá nessa gravação, e ele é ministro de um governo que ainda nem começou e não apresentou as medidas que vai tomar — disse Monteiro na manhã de ontem.

 

DESGASTE NÃO AFETARÁ VOTAÇÃO, DIZ LÍDER

Ricardo Zeno, sócio da AZ Investimentos, lembra que, além da votação da meta fiscal, há a expectativa em relação às medidas que devem ser divulgadas hoje.

— Essa meta fiscal não é positiva. O mercado agora vai ficar de olho nas medidas que serão tomadas para equilibrar as contas públicas e na aprovação delas pelo Legislativo — afirmou.

Para Jefferson Luiz Rugik, o dólar passou o dia pressionado devido a fatores externos e internos:

— As gravações envolvendo o ministro, a queda do petróleo e a demora no anúncio das novas medidas foram os principais indutores que levaram os investidores a buscar proteção no dólar.

A tropa de choque de Temer entrou em ação ontem para aprovar a nova meta fiscal de 2016. Além da ida do próprio presidente ao Congresso, os ministros palacianos dispararam telefonemas aos líderes da base em busca de apoio à aprovação da meta. O secretário de Governo da Presidência da República, Geddel Vieira Lima, segundo assessores, procurou parlamentares e falou pessoalmente com o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO).

Sobre a promessa de senadores do PT, PCdoB e PDT de obstruir e impedir a votação da nova meta hoje, Renan disse que eles poderão obstruir dentro do regimento, mas uma hora haverá a votação:

— Obstruir é regimental, não deixar votar, não. Vamos chegar ao fim da sessão com essa matéria votada. Esse é o compromisso com o Brasil.

Líderes partidários confirmaram, em reunião ontem à tarde, que o desgaste envolvendo Jucá não afetará a votação da nova meta fiscal. Nos bastidores, alguns admitiam que a revelação da gravações e a possibilidade de novos áudios complicaram a tarefa de hoje. Mas a determinação é enfrentar o debate, mostrar serviço e aprovar a nova meta. Mesmo assim, a analise da meta só poderá ocorrer após a votação de 24 vetos que estão na pauta.

Líder do governo na Câmara, o deputado André Moura (PSC-SE), disse que um “problema de governo" não deve influenciar votações que já estavam planejadas:

— Não afeta em nada. Nós não podemos permitir que um problema de governo afete o trâmite do que já estava no planejamento na Câmara e no Congresso.

Para o deputado Baleia Rossi (SP), líder do PMDB na Casa, votar a nova meta dará mais credibilidade ao governo Temer e à equipe econômica do peemedebista:

— A votação da nova meta fiscal será um sinal importante para dar mais credibilidade ao governo e à equipe econômica que tem o desafio de superar a crise.

Os líderes dos partidos que integram o chamado Centrão — entre eles PP, PSD E PTB — também garantiram apoio total à votação da meta fiscal.

— Tem que votar, claro, é importante. Vamos aprovar a mudança da meta. O presidente Temer precisa disso — disse o líder do PTB, Jovair Arantes (GO).

O líder do PV na Câmara, deputado Evandro Gussi (SP), avisou que a bancada votará a favor das medidas. Ontem, a Executiva Nacional do PV decidiu deixar a base aliada do governo Temer e agir com independência, mas vai apoiar a nova meta. Na Câmara, o PV tem seis deputados:

— Nós estaremos onde sempre estivemos: a bancada dará apoio ao ministro Sarney Filho (Meio Ambiente) e ao governo Temer neste momento de reconstrução nacional.

 

PT VAI OBSTRUIR

O PT, agora na oposição, promete obstruir a votação da meta fiscal. O líder do partido na Câmara, Afonso Florence (BA), defende a votação da meta antiga, de R$ 96 bilhões, apresentada pelo governo da presidente afastada Dilma Rousseff.

— Vamos encaminhar a obstrução. Existe uma proposta de meta com justificativa substantiva, de R$ 96 bilhões de déficit. A receita tem que se realizar para o futuro, e esse incremento de previsão de déficit, com previsão de frustração de receita futura, e ainda com proposta de desvinculação da saúde, consideramos desnecessária.

Por falta de quórum, a Comissão Mista de Orçamento não votou ontem, como previsto, a mudança na meta. O presidente da comissão, deputado Arthur Lira (PPAL), abriu a sessão por volta das 18h30m e a encerrou em seguida, alegando que não havia quórum mínimo.

O relator da matéria na CMO, deputado Dagoberto (PDT-MS), disse que a falta de senadores era estratégia de Renan, para que o texto seja votado no plenário:

— Preocupa-me o que o Renan está querendo fazer, de querer votar amanhã (hoje) sem discutir aqui. Isso é um prejuízo para o próprio Congresso.

 

* Estagiário sob a supervisão de Eliane Oliveira

 

R$ 170,5 bi

É o tamanho da meta de déficit fiscal do governo central previsto para este ano

 

R$ 21,2 bi

É o volume do contingenciamento feito em março que será liberado agora para gastos

 

R$ 9bi

É o montante que será liberado do Orçamento para evitar a paralisação do Programa de Aceleração do Crescimento

 

-4%

É a queda (descontada a inflação) que a arrecadação deve sofrer em 2016, ficando em R$ 1,077 trilhão

 

-0,79%

Foi a queda na Bolsa ontem, após o vazamento das gravações envolvendo o ministro do Planejamento

 

Legenda da foto de Beto Barata: Apelo. Acompanhado da equipe econômica, Michel Temer entregou pessoalmente a Renan Calheiros a proposta de déficit fiscal: aliados prometem aprovar hoje a nova meta