O Estado de São Paulo, n. 44761, 06/05/2016. Política, p. A4

Supremo afasta Cunha do comando da Câmara

O Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão unânime, afastou ontem o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), réu em uma ação penal e alvo de quatro inquéritos na Corte, todos tendo por base as revelações da Operação Lava Jato, que investiga o esquema de desvios e de corrupção na Petrobrás. O veredicto do STF ocorreu a seis dias da votação do impeachment de Dilma Rousseff no Senado, Casa que deve aprovar hoje o relatório da Comissão Especial recomendando o afastamento da presidente. O ocaso político de Cunha e de Dilma é até agora o ápice da crise que o País vive desde a reeleição da presidente, em outubro de 2014. Eleito para o comando da Câmara em fevereiro de 2015, sem o apoio do Planalto, o deputado se transformou no maior adversário da petista e aceitou o pedido de impeachment com base nas pedaladas fiscais.

Conforme o próprio Tribunal, foi a primeira vez na história que o presidente da Casa teve seu mandato parlamentar eletivo suspenso pela Justiça. A decisão, excepcional segundo os ministros, confirmou liminar que havia sido concedida pelo relator da Operação Lava Jato no STF, Teori Zavascki, na noite de anteontem.

Segundo a medida cautelar, o deputado usava o mandato e o cargo para atrapalhar investigações em curso. Cunha mantém o foro especial (privilegiado), que o impede de ser preso ou processado pelo juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba. A decisão do Supremo também impede Cunha de se manter na linha sucessória da Presidência da República. O presidente afastado da Câmara seria, conforme a Constituição, o substituto imediato de Temer. Cunha disse respeitar o STF, mas afirmou quer vai contestar a decisão. “Antes tarde do que nunca”, comentou Dilma.

 

PLACAR

A FAVOR - 11

CONTRA - 0

 

Recurso. Cunha disse que vai contestar decisão da Corte

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Liminar de Teori abriu caminho para decisão do plenário da Corte

Isadora Peron

Gustavo Aguiar

O julgamento de ontem no Supremo foi realizado quase cinco meses após o pedido feito procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pelo afastamento de Eduardo Cunha. Os 11 ministros da Corte votaram de maneira favorável à liminar de Teori Zavascki, que concordou com os argumentos do procurador-geral de que o peemedebista usava o cargo para atrapalhar as investigações da Lava Jato e a análise do processo de cassação de seu mandato no Conselho de Ética da Câmara.

Com o resultado do julgamento, Cunha está proibido de exercer suas atividades parlamentares, mas não perde as prerrogativas que tem como deputado. Ele continua com foro privilegiado, ou seja, com a prerrogativa de ser investigado e processado criminalmente pelo STF e não pela Justiça de 1.º grau.

Ao final da sessão, o presidente do Supremo, Ricardo Lewandwski, também deixou claro que uma eventual cassação do mandato de Cunha será decisão a ser tomada pela Câmara, a critério dos deputados.

 

Decisão drástica. Ao referendarem a decisão de Teori, os demais ministros da Corte destacaram que o julgamento tratava de situação excepcional, não de interferência do Supremo no funcionamento do Poder Legislativo. “Afastar Cunha é uma decisão drástica, para lá de incomum. Esta decisão trata-se de uma excepcionalidade, não é um instrumento de valoração de um Poder sobre outro”, afirmou Dias Toffoli.

Cármen Lúcia também destacou que a situação era “excepcionalíssima”. Gilmar Mendes aproveitou o seu voto para criticar Cunha: “O que marca o Estado de Direito é que justamente não existem soberanos”.

Luís Roberto Barroso foi breve e elogiou a decisão de Teori sobre o caso: “Eu não quero viver em outro País, eu quero viver em outro Brasil”.

Diante das críticas de que o Supremo demorou para analisar o caso, Teori lembrou o fato de a Procuradoria-Geral da República ter enviado o pedido de afastamento em dezembro, às vésperas do recesso do Judiciário. O ministro também argumentou que muitos fatos contra Cunha só foram revelados depois do pedido feito por Janot.

A pressão sobre o Supremo aumentou nas últimas semanas diante da possibilidade de Cunha passar a ser o primeiro na linha sucessória com a confirmação do impeachment da presidente Dilma Rousseff .

 

Ação. A Rede Sustentabilidade entrou com uma ação no Supremo para pedir o afastamento de Cunha, alegando que alguém que já é réu numa ação penal na Corte não poderia assumir a Presidência da República. A ação, relatada pelo ministro Marco Aurélio Mello, foi pautada para a sessão de ontem, 05. Teori, no entanto, decidiu se antecipar e resolveu deferir a liminar afastando Cunha. O medo do ministro era de que o plenário optasse por uma saída mais branda, e apenas proibisse Cunha de integrar a linha sucessória.

O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, defendeu o tempo que a Corte levou para analisar o caso. “O tempo do Tribunal não é o tempo da política, nem é o tempo da mídia”, disse.

Os ministros do Supremo adiaram o julgamento da ação proposta da Rede. Mais  ampla, a tese defendida pelo partido é que alguém que seja réu não pode assumir nem a presidência da Câmara nem do Senado.

 

O PEEMEDEBISTA NA MIRA

Doleiro

Em janeiro de 2015, o doleiro Alberto Youssef disse que Cunha, então candidato à presidência da Câmara, foi “beneficiário de propinas” do esquema na Petrobrás.

 

Lobista

O delator Júlio Camargo afirmou que Cunha exigiu US$ 5 milhões em dois contratos da Petrobrás para compra de navios-sonda.

 

Denúncia

Em agosto do ano passado, com base na delação de Júlio Camargo, a Procuradoria denunciou Cunha no Supremo Tribunal Federal sob acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

 

Contas na Suíça

O lobista João Henriques disse que abriu conta na Suíça para pagar propina a Cunha. O Ministério Público suíço abriu “ação criminal” contra o peemedebista.

 

Réu

Em março o Supremo tornou réu o hoje presidente afastado da Câmara – Cunha é o 1º político a responder em uma ação penal na Corte por causa da Lava Jato.

 

Novos inquéritos

 

Neste mês, a Procuradoria fez mais dois pedidos de apuração contra Cunha – um para incluí-lo no inquérito-mãe da Operação Lava Jato e outro sobre Furnas.