O Estado de São Paulo, n. 44761, 06/05/2016. Política, p. A6

Ação de partido fez Teori acelerar decisão

Adriano Ceolin

Fábio Fabrini

O ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, adentrou a madrugada de ontem, 05, já com a decisão liminar que suspendeu o mandato o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). Pouco antes, no fim da noite de quarta-feira, ele já tinha avisado o presidente da Corte, Ricardo Lewandowski, de que divulgaria sua decisão na manhã seguinte.

Com 73 páginas, o texto da liminar de Teori já vinha sendo amadurecido nas últimas semanas. O ministro, porém, resolveu concluir a decisão e assiná-la após o presidente da Corte pautar para ontem a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) do partido Rede Sustentabilidade, na qual a legenda questionava se Cunha, por ser réu e investigado na Operação Lava Jato, poderia ou não assumir a Presidência da República - como presidente da Câmara, ele atualmente é o segundo, na linha sucessória, e passará a primeiro, caso o Senado afaste a presidente Dilma Rousseff e o vice, Michel Temer, assuma o governo de forma interina.

Uma coisa levou à outra, conforme disseram ao Estado fontes ligadas à Corte. Teori avaliou que a melhor estratégia era fazer com que a liminar fosse avaliada pelo plenário do STF antes da ação protocolada pela Rede. Responsável pelos processos da Operação Lava Jato no Supremo, o ministro concluiu que poderia comprometer a avaliação final sobre o assunto em plenário.

Na tarde de anteontem, durante a sessão do Supremo, o ministro Marco Aurélio pediu que a ADPF da Rede fosse apreciada. Como relator do caso, ele deixou claro a Lewandowski que estava pronto para declarar seu voto aos colegas. O presidente do Supremo concordou e, em seguida, anunciou que o julgamento da questão aconteceria na tarde de ontem.

 

Lanche. Em seguida, os ministros chegaram a se reunir para o rotineiro lanche da tarde que fazem nos intervalos das sessões. Nenhum deles comentou o assunto. Após o encerramento dos trabalhos do plenário, Teori foi para o seu gabinete e comunicou aos assessores que tomaria finalmente a decisão sobre o afastamento de Cunha.

O pedido havia sido apresentado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em dezembro do ano passado. Conforme relatos colhidos pelo Estado, num primeiro momento os ministros do STF sinalizaram que seria “muito drástica” a decisão de afastar o presidente de um Poder - no caso, o da Câmara -, independentemente de ser Cunha o ocupante do cargo.

Também havia uma impressão geral de que os elementos apresentados pela Procuradoria-Geral ainda careciam de mais consistência. As lacunas foram supridas com o avanço das investigações ao longo dos meses. Foi em março, por exemplo, que os investigadores apresentaram denúncia contra o deputado por recebimento de propina do esquema de corrupção na Petrobrás em contas secretas na Suíça. Depois disso, houve mais pedidos de inquérito contra ele.

 

Conselho. Nos últimos meses, os ministros começaram concluir que a situação de Cunha ficava a cada dia mais insustentável. Não só por causa de novas revelações sobre o caso dele na Lava Jato, mas, sobretudo, pelas ações dos aliados do peemedebista para evitar a cassação do mandato pelo processo em análisa no Conselho de Ética da Câmara.

Teori percebeu que havia conquistado votos dos colegas de Corte para que sua liminar não fosse derrubada em plenário. O ministro também avaliou que tudo ficou mais fácil após a Câmara ter aprovado a abertura de processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Se tivesse suspenso o mandato de Cunha antes disso, poderia ser acusado de atrapalhar o processo de afastamento da petista. Teria, com isso, de acertar contas com os grupos organizadores que pediam nas ruas a saída de Dilma do cargo.

 

PERGUNTAS &RESPOSTAS

1.  O que acontece com Eduardo Cunha?

Cunha fica afastado do exercício do cargo de deputado e da presidência da Câmara, mas mantém o mandato e, consequentemente, o foro privilegiado. Terá que desocupar a residência oficial.

 

2. Quem vai presidir a Câmara e até quando?

O deputado Waldir Maranhão (PP-MA), vice-presidente da Casa, assume o lugar de Cunha e permanece no cargo até o fim do mandato, em dezembro. A eleição da mesa diretora ocorre na volta do recesso parlamentar de 2017.

 

3. Como fica o processo no Conselho de Ética?

O processo continua correndo normalmente. Mas se Cunha for condenado no STF, ele perderá o mandato em consequência disso.

 

4. A decisão pode levar à anulação do processo de impeachment de Dilma?

Não. É uma decisão cautelar, que não possui qualquer efeito retroativo e não poderá gerar consequência ao processo de impeachment.

 

5. A decisão abre precedente contra o presidente do Senado, Renan Calheiros?

 

Sim. Tudo o que está escrito no voto do ministro Teori Zavascki no caso de Cunha vale para Renan, que não pode ser presidente da República interino

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Uma resposta e novas perguntas

Eloísa Machado

Rubens Glezer

A Constituição estabelece uma série de garantias aos mandatos parlamentares, com o objetivo de preservar a vontade dos eleitores. Dentre elas estão, por exemplo, a impossibilidade de um parlamentar ser preso, salvo em flagrante de crime inafiançável; a revisão dessa ordem de prisão pela Casa legislativa; a inviolabilidade da opiniões, palavras e votos; além das hipóteses específicas de perda de mandato. Esses não são privilégios pessoais, mas sim garantias da função representativa.

O Supremo Tribunal Federal, na decisão sobre Eduardo Cunha, criou uma nova hipótese constitucional para a suspensão e até mesmo perda do mandato parlamentar, já que a decisão final da ação penal pode demorar mais do que o mandato, impossibilitando efetivamente o seu exercício.

Além de inovadora do texto constitucional, foi, sobretudo, uma medida excepcional, ressaltada a todo tempo pelos ministros: as circunstâncias excepcionais, o cenário político excepcional, as particularidades envolvendo Cunha.

Porém, mesmo quando julga um caso excepcional, o STF cria a expectativa de uma regra: essa decisão valerá para todos os casos semelhantes? Não faltam parlamentares em situação equivalente. Se a medida foi adotada como substituta da prisão preventiva, poderia ser aplicada na ausência de flagrâncias crime inafiançável? Deverá a Câmara dos Deputados resolver sobre a manutenção dessa suspensão do exercício do mandato? O Supremo parece resolver uma questão e abrir outras tantas.

Caso o STF tivesse apenas retirado Cunha da Presidência da Câmara dos Deputados, por uso indevido da função e ingerência, em benefício próprio, nos procedimentos internos, não haveria um conflito jurídico dessa magnitude. Tirar Cunha do Parlamento pode ser desejável, mas a excepcionalidade da medida só se justificará se não for apenas um casuísmo.

 

 

PROFESSORES E COORDENADORES DO SUPREMO EM PAUTA FGV DIREITO SP