O Estado de São Paulo, n. 44761, 06/05/2016. Política, p. A7

Decisão contra Cunha cita 'Michel' em dialógo

Fábio Fabrini

Julia Affonso

Fausto Macedo

Na decisão em que suspendeu o mandato do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal, cita trechos de investigação da Procuradoria- Geral da República (PGR) que fazem referências ao vice-presidente Michel Temer (PMDB) e dois políticos que estão entre os seus “ministeriáveis”.

Teori transcreveu mensagens de celular trocadas entre o deputado e o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, que corroborariam “fortemente” a atuação parlamentar com “aparente desvio de finalidade e para o alcance de fins ilícitos”.

Elas constam do pedido de afastamento de Cunha protocolado em dezembro de 2015 pelo procurador- geral da República, Rodrigo Janot. Ao STF, o procurador apresentou 11 argumentos para tirar Cunha de cena.

Entre os assuntos tratados nas mensagens, há pedidos de doações, supostamente em troca de favores prestados ao empresário na Câmara. Uma delas cita “Michel”, contemplado com R$ 5 milhões pelo empreiteiro, e a “turma”, que incluiria Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) e Geddel Vieira Lima ( PMDB-BA). Os dois são alvos da Operação Lava Jato e estão cotados para o eventual ministério de Temer. Geddel poderia assumir a Secretaria de Governo. Alves é cotado para o Esporte ou o Turismo.

Teori resumiu assim o diálogo: “Há, ainda, outras mensagens em que Eduardo Cunha cobra supostos compromissos que Léo Pinheiro tinha com ‘a turma’, que teriam sido inadvertidamente adiados: ‘Eduardo Cunha cobrou Léo Pinheiro por ter pago, de uma vez, para Michel a quantia de R$ 5 milhões, tendo adiado os compromissos com a turma, que incluiria Henrique Alves, Geddel Vieira, entre outros. Léo Pinheiro pediu para Eduardo Cunha ter cuidado com a análise, pois poderia mostrar a quantidade de pagamentos dos amigos’”.

 

Confirmação. Em dezembro de 2015, quando o diálogo de Eduardo Cunha com Léo Pinheiro foi revelado, a assessoria do vice-presidente confirmou o recebimento de R$ 5,2 milhões da empreiteira. Segundo o texto, o valor se referiu a“ doações ao PMDB devidamente registradas no partido e na prestação de contas entregue ao Tribunal Superior Eleitoral”.

“Houve depósitos na conta do partido e a devida prestação de contas ao Tribunal. Tudo já comprovado por meio de documentos”, escreveu Temer, à época presidente do PMDB. Em sua decisão para afastar o presidente da Câmara, Teori transcreve outras mensagens entre Cunha e Léo Pinheiro.

Para o ministro do Supremo, a intensa troca de correspondência indica o uso da Câmara “em projetos de interesse de Léo Pinheiro”. Segundo Teori, “o mesmo modus operandi” repetiu-se em várias outras mensagens que retratam a atuação de Cunha em projetos de lei e medidas provisórias de interesse de Léo Pinheiro e da OAS. O Estado fez contato ontem com a assessoria do vice-presidente, que não deu retorno aos pedidos de esclarecimentos.

 

Parecer

“Há mensagens em que Eduardo Cunha cobra supostos compromissos que Léo Pinheiro tinha com ‘a turma’, que teriam sido inadvertidamente adiados: ‘Eduardo Cunha cobrou Léo Pinheiro por ter pago, de uma vez, para Michel a quantia de R$ 5 milhões, tendo adiado os compromissos com a turma, que incluiria Henrique Alves, Geddel Vieira, entre outros” Procuradoria-Geral da República

 

EM TRECHO REPRODUZIDO PELO MINISTRO DO STF TEORI ZAVASCKI

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Afastamento ajuda e, ao mesmo tempo, preocupa o vice

João Domingos

 

Não há dúvidas de que a decisão do Supremo Tribunal Federal que suspendeu Eduardo Cunha (PMDB-RJ) das funções de deputado e, consequentemente, de presidente da Câmara, beneficia o vice-presidente Michel Temer. Seu eventual governo terá condições de ganhar credibilidade – o que Temer mais precisará na intenção de fazer uma administração de união nacional –, pois Cunha está fora da linha de sucessão.

Ao mesmo tempo, porém, Cunha se torna agora um perigo para Temer. Réu no STF por suspeita de corrupção, lavagem de dinheiro e operações nebulosas no esquema investigado pela Operação Lava Jato, existem fortes possibilidades de Cunha ser preso. Caso isso ocorra, Cunha pode se tornar uma espécie de Delcídio Amaral (senador sem partido-MS) do PMDB e de Michel Temer.

Todo o amanhecer do novo governo carregará consigo o sobressalto de alguma revelação do deputado afastado. Portanto, se no poder o agora suspenso presidente da Câmara exigia cuidados especiais, fora do poder vai exigir mais e mais atenção.

Ninguém ignora que a delação de Delcídio – que compromete a presidente Dilma Rousseff, o ex-presidente Lula e ministros do atual governo em questões ligadas à Lava Jato e suspeita de obstrução da Justiça – foi feita depois que o senador, ex-líder do governo, se sentiu abandonado pelos seus companheiros.

Ao analisar a suspensão do mandato do presidente da Câmara, o ministro Edson Fachin, do STF, cogitou a hipótese de examinar uma possível prisão de Cunha no futuro.

Todos os ministros concordaram com Teori Zavascki, relator da suspensão do mandato do presidente da Câmara, de que Cunha confunde imunidade parlamentar com impunidade pessoal.

Em 2014, já candidato declarado à presidência da Câmara, Eduardo Cunha trabalhou junto com Michel Temer para que o PMDB elegesse o maior número de deputados, senadores e governadores. A maior parte da ajuda foi dada por meio da transferência de dinheiro aos diretórios estaduais do partido, para que eles pudessem tocar a campanha. Tanto Temer quanto Cunha já afirmaram que todas as transferências foram legais e registradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas, vai que numa eventual delação surja uma história diferente? Esse é o risco.

 

 

É JORNALISTA