O globo, n. 30240, 23/05/2016. País, p. 4

LÚCIO BOLONHA FUNARO, O GUARDIÃO DOS SEGREDOS DE CUNHA

Lava-Jato acha que eventual delação do doleiro seria a bala de prata contra o presidente afastado da Câmara
Por: Chico Otavio
 
CHICO OTAVIO
chico@oglobo.com.br
 
Alberto Youssef, Júlio Camargo, Fernando Baiano, Milton Schahin, Ricardo Pernambuco Júnior. É longa e consistente a lista de delatores da LavaJato que denunciaram o envolvimento do deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da Presidência da Câmara, com corrupção na Petrobras. Nenhum deles, contudo, supera em expectativa a aguardada delação premiada do doleiro Lúcio Bolonha Funaro. Os investigadores da Lava-Jato consideram os segredos de Funaro, visto como o principal parceiro dos negócios suspeitos de Cunha, a bala de prata contra o parlamentar.

Desde que a relação entre Funaro e Cunha tornou-se pública, em 2005, quando o doleiro teve de explicar à CPI dos Correios as razões que o levaram a pagar, mensalmente, aluguel de R$ 2.200 e condomínio de mais de R$ 600 para o deputado no flat Blue Tree Towers, em Brasília, ambos tentam escondê-la com negativas recorrentes e ações judiciais contra jornalistas que insistem em mostrá-la. Mas as investigações da Lava-Jato jogaram por terra essa estratégia ao produzir uma coleção de provas de que a parceria é profunda e ativa.

Na visão dos investigadores, Funaro é o gestor financeiro do amigo político. Ao perceber o cerco se fechando, o doleiro, conhecido pelo temperamento impulsivo, teria começado a pressionar possíveis testemunhas da cobrança de propinas a empreiteiras. Uma delas está no horizonte dos investigadores. Eles tentam convencê-la a contar o que sabe. Por lei, o constrangimento de testemunha é considerado obstrução à marcha processual. Situação parecida levou à prisão o ex-senador do PT-MS Delcídio Amaral ano passado.

 

OPERAÇÕES SUSPEITAS

Funaro se aproximou de Cunha no governo de Rosinha Garotinho no Rio. De 2003 a 2006, uma corretora do doleiro teria provocado um rombo de R$ 39 milhões com operações suspeitas na Prece, o instituto de previdência dos funcionários da Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Rio (Cedae). Na época, Cunha era aliado de Garotinho e tinha forte influência política na empresa.

Mais tarde, Funaro foi acusado de fazer pagamentos ilegais ao PL, hoje Partido da República (PR), no escândalo do mensalão. Livrou-se do indiciamento por concordar com a delação premiada. De acordo com a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República ao Supremo, Funaro disse que ele e dois doleiros emprestaram R$ 3 milhões ao então presidente do PL, Valdemar Costa Neto, para cobrir despesas da campanha do partido em apoio à candidatura do então presidente Lula. Sobre Cunha, porém, nenhuma palavra.

Funaro continuou como uma sombra de Cunha quando o político começou a ditar as cartas em Furnas. Em dezembro de 2007, a estatal, depois de abrir mão de adquirir um lote de ações, mesmo tendo a preferência, o comprou oito meses depois, por R$ 73 milhões a mais, da Companhia Energética Serra da Carioca II, do grupo Gallway, empresa sediada nas Ilhas Virgens, conhecido paraíso fiscal, e que tinha Funaro como representante no Brasil.

 

REQUERIMENTO SOB MEDIDA

A parceria seguia oculta e inatacável até o dia 9 de janeiro de 2008, quando ocorreu um acidente fora dos planos da dupla: o rompimento da barragem de Apertadinho, uma pequena hidrelétrica que estava sendo construída em Vilhena, Rondônia. Na época, o prejuízo estimado em mais de R$ 60 milhões motivou uma briga judicial entre os dois parceiros no negócio — a Gallway, representada pela empresa Centrais Elétricas Belém (Cebel), e a Schahin. Ninguém queria assumi-lo.

Em denúncia em 2015 ao STF, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, afirmou que Cunha “se valeu dos serviços” da então deputada peemedebista Solange Almeida para obrigar a Schahin a assumir o prejuízo em Apertadinho. Ela foi a autora do requerimento de informações que cobrou explicações da empreiteira “sobre os prejuízos causados pela interrupção do empreendimento”.

De acordo com o delator Júlio Camargo, consultor da empreiteira asiática Toyo Setal, que se associou à Samsung para fornecer navios-sonda à Petrobras, Funaro foi um dos passageiros de voos em táxi aéreo faturados como parte do pagamento de propina a Eduardo Cunha para manter o contrato com a petroleira. Num dos voos, no dia 3 de setembro de 2014, Funaro e Cunha viajaram juntos nos trechos Congonhas/Brasília/Aeroporto de Jacarepaguá/Congonhas.

As investigações também revelaram que, em fevereiro e maio de 2012, a C3 Produções, de Cunha e sua mulher, Cláudia Cruz, aumentou seu patrimônio com a compra de dois carros: um Hyundai Tucson preto, ano 2009, que custou R$ 80 mil, e um Land Rover Freelander prata, ano 2008, a R$ 100 mil. Os carros foram pagos por duas empresas de Funaro, a Cingular Fomento Mercantil Ltda e a Royster Serviços S.A. A profusão de provas da parceria dá aos investigadores a certeza de que a delação de Funaro é mortal contra Cunha.