O Estado de São Paulo, n. 44761, 06/05/2016. Política, p. A13

Cardozo que anulação de impeachment

Isabela Bonfim

Luísa Martins

Vera Rosa

O afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), repercutiu também sobre o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Ainda cedo, senadores governistas argumentaram que o processo precisava ser revisto, já que foi Cunha quem deu início ao impeachment. Logo em seguida, ao chegar à comissão especial do Senado, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, confirmou que pedirá ao Supremo Tribunal Federal a anulação do processo com base no “desvio de finalidade” do presidente da Câmara.

“Se alguém tinha dúvida sobre desvio de poder, hoje perdeu. Com a decisão do Supremo de afastar Cunha, aquilo que afirmamos fica demonstrado judicialmente: ele usava seu cargo com desvio de poder para não permitir que avançassem as acusações contra ele. E foi assim que agiu com o processo de impeachment”, argumentou Cardozo.

Segundo o ministro, Cunha chantageou Dilma, barganhando o impeachment em troca de apoio. “Cunha ameaçou a presidente da República de que ele abriria o processo do impeachment se o PT não desse os votos para salvá-lo no Conselho de Ética. O que o Supremo decide hoje é exatamente a demonstração do seu modus operandi”, afirmou.

Cunha foi afastado ontem do cargo de deputado federal por decisão unânime do Supremo. A decisão do STF vem à pedido da Procuradoria-Geral da República que, há mais de cinco meses, pediu o afastamento do presidente da Câmara alegando que ele usou o cargo para interferir nas investigações da Operação Lava Jato, da qual é alvo.

O requerimento da PGR foi feito em dezembro, mesmo mês em que Cunha aceitou o pedido de impeachment de Dilma. Os cinco meses gastos para apreciação do ministro Teori Zavascki foram os mesmos em que Cunha deu prosseguimento ao processo de impeachment, que hoje tramita no Senado. A presidente pode ser afastada já na próxima quarta-feira.

O líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE), alegou que as ações de Cunha impedem a conclusão do processo de impeachment que, para ele, nunca deveria ter sido aberto. “Como denunciamos desde o primeiro momento, houve um desvio de poder no posicionamento dele de aceitar essa denúncia em relação à presidente Dilma. Isso macula o processo desde a sua origem”, disse.

Já a senadora Fátima Bezerra (PT-RN) criticou que a decisão do STF tenha saído tão tarde. “O que boa parte da sociedade brasileira está se perguntando nesse momento é por que Cunha não foi afastado antes. A quem interessava que ele fosse afastado da Câmara somente depois de cumprir o papel de maestro do golpe? É uma reflexão que ficará para a história.”

 

Planalto. O Palácio do Planalto e a cúpula do PT avaliaram que a decisão do STF revela uma articulação de bastidor para dar uma “cara de legitimidade” ao provável novo governo de Michel Temer. Em reunião realizada ontem com senadores e deputados do PT, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, porém, que Cunha pode virar uma “bomba” contra Temer. O diagnóstico dos petistas é que Cunha, ressentido, tende a dar o troco e a se transformarem delator, provocando crise ainda maior. “É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”, resumiu o senador Jorge Viana (PT-AC).

Com o avanço do processo de impeachment contra Dilma e com Temer assumindo o poder, Cunha seria o primeiro na linha sucessória presidencial. Caberia a ele, portanto, ocupar a cadeira de presidente da República, em caso de viagem do titular ao exterior. Ministros e dirigentes do PT observaram ontem que Temer já havia demonstrado incômodo com a associação de seu nome a Cunha, réu no âmbito da Operação Lava Jato.

 

 

Poder

“Com a decisão do Supremo de afastar (Eduardo) Cunha, aquilo que afirmamos fica demonstrado judicialmente: ele usava seu cargo com desvio de poder para não permitir que avançassem as acusações contra ele”

José Eduardo Cardozo

ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

 

“Houve um desvio de poder no posicionamento dele de aceitar essa denúncia em relação à presidente Dilma. Isso macula o processo desde a sua origem”

Humberto Costa (PT-PE)

 

LÍDER DO GOVERNO NO SENADO

____________________________________________________________________________________________________________________________________

Líder petista lê voto e fala em ‘conspiração’

Dentro de uma estratégia de “forte enfrentamento” acertada anteontem entre governistas, o líder do governo no Senado, Humberto Costa (PT-PE), apresentou voto em separado na Comissão Especial do impeachment. Na leitura, feita a convite do presidente do colegiado, Raimundo Lira (PMDB-PB), Costa criticou a oposição. “Não há como tornar legítimo um procedimento que, no âmago, veicula conspiração”, afirmou.

Apresentar voto em separado foi uma medida decidida em reunião realizada após a leitura do relatório de Antonio Anastasia (PSDB-MG), que votou pelo prosseguimento do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff. O petista reclamou que, antes do juízo de admissibilidade, “já se conhece o acórdão do colegiado julgador sobre o mérito”. “Avizinha-se no horizonte uma grave tempestade. Antes mesmo que se instaure o processo propriamente dito, estamos interditando, cautelarmente, o legítimo exercício do governo a quem foi ungida para tanto pelo sagrado voto popular”, leu Costa.

Ele afirmou que a denúncia contra Dilma chegou ao Senado irregularmente – referindo-se ao fato de o hoje presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ter aceitado a aberturado processo em retaliação à bancada do PT, que não livrou o peemedebista de ser julgado no Conselho de Ética.

 

Seguiu-se à leitura de Costa a discussão sobre o relatório de Anastasia. A sessão durou cerca de oito horas. / L.M. e I.B.