O globo, n. 30240, 23/05/2016. País, p. 6

COM TEMER, DEPUTADOS REOCUPAM PLANALTO

Presidente interino dá aos parlamentares amplo acesso até no andar de seu gabinete e muda todos os funcionários
Por: Catarina Alencastro/ Simone Iglesias
 
CATARINA ALENCASTRO E SIMONE IGLESIAS
opais@oglobo.com.br
 
-BRASÍLIA- A primeira providência que o presidente interino, Michel Temer, tomou ao assumir o posto foi fazer uma limpeza no terceiro andar do Palácio do Planalto, onde fica o gabinete presidencial. Ele não quis aproveitar nenhum dos funcionários que até dez dias antes trabalhavam ali com sua companheira de chapa, a presidente afastada Dilma Rousseff. Secretárias que trabalhavam no terceiro andar há décadas ficaram revoltadas de terem que deixar suas funções, contrariando uma tradição de que os ocupantes de cargos comissionados mais simples permaneciam nos postos, gestão após gestão. O novo governo temia que seus movimentos fossem espionados e repassados para aliados de Dilma.

— Não ficou ninguém para contar a história. Está todo mundo com ódio. Mas ele está certo. Ali, só uns quatro ou cinco não eram petistas — relata uma secretária que trabalhava no terceiro andar desde que José Sarney ocupou o gabinete presidencial.

Junto com a equipe identificada com Dilma saiu também a forma dela de governar. O jeito cercado de sigilo e circunscrito a um pequeno grupo de confiança deu lugar a uma turma que atua mais integrada, onde a comunicação flui melhor. Enquanto Dilma não tinha apreço pelas relações políticas, Temer tem no coração de seu time profissionais que circularam a vida inteira no mundo parlamentar.

Com a chegada do peemedebista, o Palácio do Planalto se tornou uma extensão da Câmara. Agora há deputados circulando pelos gabinetes do segundo, terceiro e quarto andares, e até mesmo usando salas de reuniões para despachar antes de encontros com ministros e com o presidente interino.

Líder do PR, o deputado Aelton Freitas (MG) frequentava o palácio em reuniões com o núcleo político da gestão petista. Votou contra o impeachment da presidente afastada, mas, na última terça-feira resumiu assim o novo espírito do Planalto, ao sair de uma reunião com Michel Temer.

— Nunca fui tão bem recebido. Mudou da água para o vinho.

 

NOVO AMBIENTE

Os mais assíduos no palácio são os peemedebistas Lúcio Vieira Lima (BA), Darcísio Perondi (RS), Baleia Rossi (SP), e Paulo Pereira da Silva (SD-SP). Na véspera da escolha de André Moura (PSC-SE) para líder do governo na Câmara, Paulinho, que acumula a função de presidente da Força Sindical e coordenou a campanha pela indicação de Moura, despachava com o deputado Zé Silva (SD-MG) numa sala de reuniões no quarto andar do palácio presidencial. Os dois discutiam a lista de apoios de parlamentares e calculavam assinaturas em apoio ao parlamentar.

Um dia depois da posse de Temer, quando os peemedebistas se ambientavam no Planalto, Lúcio, que é irmão do ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima, procurava o gabinete no quarto andar. Não localizou. Entrou no gabinete da assessoria do ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) e, ao ouvir o telefone tocar, não fez cerimônia: “Palácio do Planalto, boa tarde”. Conversou com a pessoa e anotou o recado dela.

Outra cena inusitada dos últimos dias foi a de tucanos voltando ao palácio presidencial depois de anos de afastamento. Na última terça-feira, o líder do PSDB na Câmara, Antonio Imbassahy (BA), comentava que não entrava no Planalto desde o governo Lula, quando esteve com o petista algumas vezes no período em que foi prefeito de Salvador. Nesse mesmo dia, o atual prefeito da capital baiana, ACM Neto (DEM), também foi visto circulando no quarto andar, onde ficam os gabinetes dos ministros do núcleo político de Temer.

Quinta-feira, Geddel reuniu um grupo de prefeitos que integram a Frente Nacional dos Prefeitos, para receber uma pauta de reivindicações. Um deles, assíduo no Planalto durante os governos Lula e, em especial, Dilma, comentou que o ambiente “melhorou muito”, pedindo reserva porque tem consideração pela petista.

Em gabinetes anexos ao de Temer já despacham como assessores especiais três ex-deputados: Rodrigo Rocha Loures, Sandro Mabel e Tadeu Filipelli, todos do PMDB. Eles têm participado das reuniões com parlamentares e ajudado o presidente nas pautas com o Congresso Nacional.

O Gabinete Adjunto de Informação em Apoio à Decisão, separado por duas portas da sala do presidente interino, passa a ser comandado por Mozart Viana, o mais célebre ex-secretário da Mesa Diretora da Câmara, notório conhecedor do regimento da Casa. Ele e Temer trabalharam juntos quando o peemedebista comandava aquela Casa. Mozart e mais nove pessoas subsidiarão Temer, levantando dados sobre o que pode ser pedido ou o que possa ser de interesse daqueles que se encontrarão com o presidente interino. Será um trabalho suplementar ao da Secretaria de Governo, do ministro Geddel Vieira Lima, que atuará na linha de frente da articulação política.

— É melhor o presidente ser informado duas vezes do que estar mal informado — argumenta Mozart.

Sua antecessora no Gabinete de Apoio à Decisão, Sandra Brandão, tem um perfil bem diferente. Com currículo mais técnico, costumava levar a Dilma dados sobre os programas de governo, não tendo nunca contato com parlamentares. Era a ela que a presidente agora afastada recorria sempre que tinha dúvida sobre números. Entre os colegas, era conhecida como o Google do Planalto.

A desconfiança que Dilma carregava consigo nos processos de tomadas de decisões e elaboração de programas deixou heranças. Um integrante do time que passa a assessorar Temer conta que quando chegou à sala adjacente à das secretárias do presidente interino não havia sequer equipamentos.

— Encontramos tudo vazio. Nem computador tinha — afirma.

A presença de parlamentares no terceiro andar, sob Dilma, era eventual. Fora os líderes do governo na Câmara e no Senado, que participavam da reunião de coordenação política semanalmente, políticos não tinham muito acesso a Dilma, fato que motivou recorrentes reclamações. Agora, até na Secretaria de Comunicação Social (Secom) os parlamentares têm reuniões.

O Planalto ainda não está com seu novo time completo. Os principais auxiliares de Temer — Padilha, Geddel e Márcio de Freitas (chefe da Secom) — seguem montando a equipe. A Secom vai passar por uma reestruturação e, ao deixar de ter status de ministério, enxugará o número de profissionais de imprensa que ali atuam. Essa incerteza tem gerado apreensão entre os servidores que trabalharam com Dilma mas não foram ainda demitidos nem tomaram a iniciativa de sair por serem demasiadamente identificados com a gestão petista.

— Ninguém sabe quem vai ficar. Estou agoniada — confidenciou uma jornalista da Secom.

Já um membro da equipe de comunicação de Temer, que veio com ele da Vice-Presidência, admitiu que tem evitado criar vínculos com os remanescentes da equipe de Dilma por não saber quem ficará e quem será exonerado.

— Quem se oferece para trabalhar, eu falo. Agora, não vou procurar ninguém para dar ordens se não sei se serão mantidos — pontuou.

 

“Nunca fui tão bem recebido. Mudou da água para o vinho”

Deputado Aelton Freitas

Líder do PR na Câmara

 

“É melhor o presidente ser informado duas vezes do que estar mal informado”

Mozart Viana

Chefe do Gabinete Adjunto de Informação em Apoio à Decisão