O globo, n. 30238, 21/05/2016. País, p. 3

PF PERTO DE LULA

Operação investiga pagamentos da Odebrecht a empresário ligado ao ex-presidente
Por: Thiago Herdy/ Jailton Carvalho/ André de Souza
 
 
THIAGO HERDY, JAILTON CARVALHO
E ANDRÉ DE SOUZA
opais@oglobo.com.br
 
-SÃO PAULO E BRASÍLIA- Taiguara Rodrigues dos Santos, sobrinho da primeira mulher do ex-presidente Lula, foi conduzido pela Polícia Federal para prestar depoimento ontem numa investigação sobre tráfico de influência internacional. Ele é suspeito de ter recebido ilegalmente recursos de obra da Odebrecht, em Angola, financiada pelo BNDES. Segundo a PF, mesmo sem ter capacidade de prestar serviços, a empresa de Taiguara, a Exergia Brasil, recebeu R$ 3,5 milhões da gigante da construção brasileira. Documentos obtidos pelo GLOBO vão além: mostram que entraram nos cofres da empresa de Taiguara outros US$ 7,5 milhões.

A Exergia foi subcontratada pela Odebrecht, mas, segundo as investigações, só existiria no papel e não teria condições de executar os contratos firmados com a empreiteira. Lula não foi alvo da operação de ontem, batizada de Janus (menção ao deus romano Janus, de duas faces, que olha ao mesmo tempo para o passado e o futuro), mas o inquérito que resultou na condução coercitiva de Taiguara investiga se o ex-presidente fez lobby no exterior para obras da Odebrecht. Nos últimos cinco anos, a construtora brasileira obteve US$ 2 bilhões em financiamentos do BNDES para obras no país africano.

Os documentos obtidos pelo GLOBO revelam que a Odebrecht fez diversos pagamentos à Exergia desde 2011. Os repasses estão vinculados a oito projetos da empreiteira em Angola.

Taiguara e seu sócio, José Emmanuel de Deus Carmano Ramos, foram interrogados no Rio sobre a prestação de serviços em obras do complexo hidrelétrico de Cambambe, em Angola. Ao todo, o projeto contou com financiamento de US$ 464 milhões do BNDES. Segundo a PF, o fato de a Exergia ter recebido pelo menos R$ 3,5 milhões mesmo sem experiência anterior ou demonstrar capacidade técnica, indica suspeita de “irregularidades e dissimulação de valores de origem ilícita”.

Troca de e-mails apreendida pela PF em junho do ano passado na sala do então diretor da Odebrecht Engenharia e Construção, Eduardo Oliveira Gedeon, lista serviços prestados pela Exergia em Angola. A gama de atuação é variada e vai desde perfuração hidráulica de maciço rochoso, sondagem de solo e topografia a implementação de sistema de gestão de qualidade e projeto de realojamento de populações.

Produzidas pela área técnica da companhia, as mensagens citam pagamento de US$ 1,47 milhão para a Exergia vinculados à hidrelétrica de Cambambe, já mencionado ontem pela PF, e outros U$ 865,5 mil associados à obra da hidrelétrica de Laúca. Em 2014, essa obra obteve financiamento de US$ 147 milhões do BNDES.

Pela “gestão de qualidade de projeto de construção de ruas em Luanda e análise de projetos e fiscalização da construção da Praça da Paz”, na mesma cidade, a Exergia recebeu US$ 1,92 milhão. Terraplanagem e perfuração de rocha na refinaria de Lobito renderam US$ 1,43 milhão; gestão de qualidade no realojamento de populações, outros US$ 586,8 milhões; projetos e topografia da construção de duas estradas, US$ 1 milhão; e sondagem de solo e rocha no projeto Caculo-Cabaça, mais US$ 83 mil.

Nas mensagens, a Odebrecht defendeu a contratação da Exergia, citando “disponibilidade de pessoal capacitado e equipamentos específicos já mobilizados em Angola”, e preços “em linha com os cobrados por outras empresas para execução de serviços similares”. Mas documentos divulgados na noite de ontem pelo “Jornal Nacional” apontaram indícios de que os serviços não teriam sido prestados como exigido em contrato.

Ontem, os dois sócios da Exergia foram localizados pela PF no hotel onde estavam hospedados no Rio. Além de tráfico de influência, a PF apura se houve lavagem de dinheiro. Foram cumpridos mandados de busca e apreensão em Santos (SP), sede da Exergia. Houve quebra de sigilos bancários, fiscais e telefônicos de nove envolvidos, autorizada pelo juiz Vallisney de Souza Oliveira, da 10ª Vara Federal do DF.

 

INVESTIGAÇÃO TEM QUATRO FRENTES

A investigação começou no MPF em maio do ano passado e tem quatro frentes para apurar possíveis irregularidades em obras no exterior com recursos do BNDES. São elas: tráfico de influência de Lula, em especial na República Dominicana, Cuba e Angola; metrô de Caracas, na Venezuela; obras no Panamá; e o porto de Mariel, em Cuba. Em 23 de dezembro, foi aberto um inquérito policial, e, desde então, a PF vem fazendo cruzamento das viagens de Lula à Africa e de reuniões que ele teria tido no BNDES.

— Estamos tentando materializar a possibilidade de tráfico de influência e tráfico de influência envolvendo ex-agentes públicos, Odebrecht e BNDES. Envolve grandes contratos, essa fase em particular a construção de uma hidrelétrica em Angola — disse a delegada federal Fernanda Costa de Oliveira.

Para a delegada, tudo indica que o financiamento do banco estatal para a empreiteira seguiu os trâmites burocráticos regulares. As suspeitas recaem sobre as negociações que levaram o banco a abrir os cofres para a Odebrecht que, depois de receber a ajuda, contratou uma empresa aparentemente sem qualificação. Segundo o MPF, as investigações reúnem “indícios de irregularidades e de condutas, em tese delituosas, no sentido de, no mínimo, dissimular e ocultar valores de origem ilícita”.

O BNDES informou ontem que todos os empréstimos foram regulares. Os advogados da Exergia não foram localizados. Em nota, o Instituto Lula escreveu que o ex-presidente não foi parte da operação policial. Disse que procuradores tentam “sem resultado, apontar ilegalidades na conduta do ex-presidente” e lembrou investigação da Lava-Jato sobre Lula, segundo o Instituto “aberta a partir de ilações fantasiosas”. Para o Instituto, “Lula sempre atuou dentro da lei e em defesa do Brasil, como fazem ex-presidentes em todo o mundo”. A Odebrecht informou que não se manifestaria sobre a operação.