O Estado de São Paulo, n. 44768, 13/05/2016. Política, p. A8

Parlamento predomina em novo Ministério

Igor Gadelha

O presidente em exercício Michel Temer deu prioridade a nomes de políticos para a equipe de governo, com foco na experiência no Congresso. Dos 23 ministros, 19 são ou foram deputados, senadores ou dirigentes partidários. Três nunca tiveram atividade partidária direta e um, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles, chegou a ser eleito deputado pelo PSDB goiano, foi filiado ao PMDB e hoje é do PSD. Ao todo, Temer contemplou 11 partidos.

O peemedebista almejava o que foi definido como Ministério de “notáveis”, mas acabou cedendo à pressão dos partidos para manter o compromisso de reduzir o tamanho do primeiro escalão. O principal exemplo se deu com a Saúde. Temer queria que o PP avalizasse o nome do cirurgião paulista Raul Cutait. A bancada da sigla na Câmara não gostou da ideia e ameaçou boicotar o novo governo em votações na Casa. Com a pressão, o deputado Ricardo Barros (PR) levou o cargo.

A pressão dos partidos fez com que o desenho da Esplanada mudasse constantemente. O PRB, por exemplo, começou pedindo a Agricultura. Após pressão do setor por um nome ligado à área, Temer ofereceu em troca Ciência e Tecnologia. A legenda anunciou para o posto o presidente do partido, o advogado e bispo licenciado da Igreja Universal Marcos Pereira. Nova leva de críticas. Por fim, com a fusão da pasta com Comunicações, Pereira foi para o Ministério do Desenvolvimento.

O PMDB de Temer ficou com sete ministérios. Desses, três são parlamentares: os deputados Leonardo Picciani (Esporte) e Osmar Terra (Desenvolvimento Agrário e Social) e o senador Romero Jucá (Planejamento). Também há os ex-deputados Helder Barbalho (Integração Nacional) e Henrique Alves (Turismo).

 

Tucanos. Um dos principais fiadores do impeachment de Dilma, o PSDB terá três integrantes no governo Temer. Desses, dois são parlamentares: o senador José Serra (Relações Exteriores) e o deputado Bruno Araújo (Cidades), próximo do presidente da sigla, senador Aécio Neves (MG). A legenda indicou o ministro da Justiça: o ex-procurador de Justiça e advogado Alexandre Moraes, que deixou a pasta da Segurança Pública do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

PP e PSD indicaram cada um dois representares. No caso do PP, são dois parlamentares: o deputado Ricardo Barros (Saúde) e o senador Blairo Maggi (Agricultura), que deixou o PR e se filiou ao partido anteontem.

Ainda assim, Temer não conseguiu agradar a todos. Um dos principais articuladores do impeachment na Câmara, o presidente do Solidariedade, deputado Paulo Pereira da Silva (SP), reclamou porque o partido ficou sem ministério. Paulinho da Força chegou a negociar com Temer o Ministério do Desenvolvimento Agrário. Com a fusão da pasta com o Desenvolvimento Social, o partido, que tem 14 deputados, ficou sem vaga na Esplanada.

 

Lava Jato. A equipe de Temer também tem três alvos da Operação Lava Jato: Romero Jucá, Henrique Alves e o ex-ministro Geddel Vieira Lima (BA), que assumirá a Secretaria de Governo. Os dois últimos passam a ter foro privilegiado e, agora, só podem ser investigados perante o Supremo Tribunal Federal (STF). Às vésperas de assumir o cargo, Temer disse que o fato de ser investigado não seria impeditivo para a nomeação de seus auxiliares.

Jucá é investigado por suposto recebimento de dinheiro desviado da Petrobrás e do setor elétrico. Um inquérito apura se ele cometeu crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Recentemente, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a abertura de novas linhas de investigação contra Jucá e outros integrantes da cúpula do PMDB por possível envolvimento em desvio de recursos das obras da Hidrelétrica de Belo Monte e outros projetos do Ministério de Minas e Energia. Jucá também é alvo de inquérito ligado à Operação Zelotes, esquema de lobby envolvendo MPs. Jucá nega envolvimento em qualquer crime.

Henrique Alves teve a casa como alvo de busca de uma fase da Lava Jato, batizada de Catilinárias. Geddel foi citado em mensagens interceptadas, mas não é alvo direto de investigação.

 

Tanto Alves quando Geddel admitem ter tratado com o empreiteiro Léo Pinheiro, da OAS, de questões de interesse dele, mas negam irregularidades. / COLABOROU FÁBIO FABRINI

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Cabe ao 'novo' servir de fato como a 'ponte para o futuro'

Monica de Bolle

O momento é difícil, os nervos à flor da pele, todos prontos para acreditar que qualquer mudança só pode ser para melhor. Por óbvio, os dados do governo de Dilma Rousseff, sobretudo desses que, provavelmente, foram seus últimos dezessete meses no poder, alimentam a esperança de que o porvir será melhor do que aquilo que não foi a lugar algum. Contudo, o momento pede cautela e ressalvas. Muitas ressalvas.

Na política econômica, há poucas dúvidas de que os pouco mais de 24 meses do provável governo Temer haverão de superar os 17 meses de desgoverno do segundo mandato de Dilma Rousseff. Os desafios são enormes.

Os rombos fiscais, desconhecemos seu tamanho. Afinal, há dívidas estaduais e municipais a renegociar, injeções de capital em estatais a providenciar, recapitalizações e auditorias de bancos públicos a fazer.

No entanto, há esperança de que o governo liderado por Michel Temer siga as diretrizes traçadas em A Ponte para o Futuro, documento do PMDB publicado no ano passado delineando agendas e medidas. Mantidas as premissas elaboradas nesse documento, é de se esperar que haja ao menos um caminho para a política fiscal, além de olhar diferente sobre a necessidade de reinserir o Brasil no mundo. Não é pouca coisa depois de tantos anos de desmandos e desvarios capitaneados pela presidente-economista, que, delegar, jamais soube.

No entanto, ainda que a restauração de rumos seja motivo para alívio depois de tantos abusos cometidos contra o País e a população brasileira, o “novo” não tem cara de “novo”. O “novo” é formado por grupo de pessoas que fazem parte da política nacional há décadas. O “novo” chama novamente aos Ministérios pessoas capazes, mas que já deram a sua contribuição ao menos algumas vezes durante outros governos.

O “novo” tem ranços da distribuição pegajosa de cargos que marcou os anos do lulopetismo – afinal, o “novo” foi parte integrante do lulopetismo. No “novo”, não parece haver lugar para gente com ideias novas, para a diversidade, para o mosaico que é o Brasil. Tal situação incomoda. Tal estado de coisas deixa gosto amargo depois do trauma de um afastamento presidencial que se arrasta por tanto tempo. Tal arranjo remete, inevitavelmente, a Don Fabrizio, o sábio de Lampedusa: “Para que tudo permaneça igual, é preciso que tudo mude”.

Cabe ao “novo” o desafio de mostrar para a sociedade brasileira que o objetivo final não é a manutenção do status quo na política e na estrutura de nossas lideranças. Cabe ao “novo” servir de fato como a “ponte para o futuro” que almeja ser. Há esperança. Mas o risco de decepcionar quem apostou na “ponte” é grande. Grande demais. Avante.

 

 

É ECONOMISTA E SÓCIA-DIRETORA DA GALANTO CONSULTORIA