O Estado de São Paulo, n. 44768, 13/05/2016. Política, p. A13

'Posso ter cometido erros, não crimes'

Tânia Monteiro

Leonêncio Nossa

Dilma Rousseff, de 68 anos, foi afastada na manhã de ontem da Presidência da República. Antes de deixar o Palácio do Planalto pela porta de entrada - uma passagem abaixo da rampa que simboliza o poder -, ela acusou o Congresso e o Judiciário de promoverem um processo de impeachment fraudulento.

Primeira mulher e única representante da luta armada contra a ditadura militar a ocupar o cargo, Dilma disse que foi vítima de sabotagem e farsa jurídica. “Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes”, afirmou. “Não existe injustiça mais devastadora do que condenar um inocente. Injustiça cometida é mal irreparável.”

Do lado de fora do Planalto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu “criador”, esperava para abraçá-la. Abatido, Lula chorou várias vezes. O afastamento de Dilma é por um período de até 180 dias e ainda haverá novo julgamento no Senado.

Nos bastidores, porém, até Lula diz que é remota a chance de a presidente retornar porque, na sua avaliação, o presidente em exercício Michel Temer contará coma “boa vontade” da população, da mídia e dos empresários.

Vestida com um blazer branco e acompanhada pelos ex-ministros, Dilma lembrou, num discurso de 15 minutos, suas memórias de luta contra a ditadura, o câncer – diagnosticado em 2009 – e insistiu no que classificou como “injustiça” do impeachment.

“Eu já sofri a dor indizível da tortura, a dor aflitiva da doença e, agora, sofro mais uma vez a dor igualmente inominável da injustiça”, disse ela. A voz ficou embargada. “O que mais dói é perceber que estou sendo vítima de uma farsa jurídica e política.

Mas não esmoreço. Olho para trás e vejo tudo que fizemos e olho para frente e vejo tudo que precisamos fazer.”

 

Liturgia. No pronunciamento feito no Salão Leste, Dilma seguiu a “liturgia do cargo”. O discurso só pode ser acompanhado por ex-ministros, assessores próximos, jornalistas credenciados e funcionários da Presidência.

Um grupo de militantes conseguiu entrar e protestar contra a deposição da presidente. “Golpistas, fascistas, não passarão”, gritavam os manifestantes. “O maior risco para o País, neste momento, é ser dirigido por um governo sem voto”, afirmou Dilma, numa referência a Temer, que tomou posse seis horas depois, no mesmo salão.

Com olhar fixo e aparentemente tentando esconder a emoção, Dilma argumentou que sua vitória com 54 milhões de votos, em 2014, nunca foi reconhecida pelos adversários.

“Meu governo tem sido alvo de intensa e incessante sabotagem.

O objetivo evidente vem sendo me impedir de governar, e, assim, forjar o meio ambiente propício ao golpe”, disse ela.

“Quando uma presidente eleita é cassada, sob acusação de um crime que não cometeu, o nome que se dá a isso, no mundo democrático, não é impeachment.

É golpe.” Dilma afirmou que nunca recebeu propina, não tem contas no exterior e jamais compactuou com a corrupção. “Este processo é frágil, juridicamente inconsistente, injusto, desencadeado contra uma pessoa honesta e inocente”, afirmou. “É a maior das brutalidades que se pode cometer contra um ser humano: puni-lo por um crime que não cometeu”, emendou.

Depois de afirmar que “a luta pela democracia não tem data para terminar”, Dilma desceu pelo elevador até o térreo e foi encontrar Lula, que estava perto da rampa, ao lado de militantes do PT, da CUT, do MST e de movimentos sociais. Os dois se abraçaram e ela encostou a cabeça no ombro do ex-presidente.

Sob sol escaldante, diante da Praça dos Três Poderes, a mulher que governava o Brasil desde janeiro de 2011 disse ao microfone que vivia “um momento muito triste”.

Afirmou ter sofrido“ traição”e prometeu resistir.

Em seguida, ela e Lula atravessaram a rua e foram cumprimentar os manifestantes.

O ex-presidente não parava de enxugar as lágrimas comum lenço branco. Foi consolado pelo governador do Piauí, Wellington Dias, e pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ). De lá, Lula seguiu com Dilma e o presidente do PT, Rui Falcão, até o Palácio da Alvorada, onde se reuniram com ex- ministros e traçaram estratégias de oposição.

 

Discurso

“Posso ter cometido erros, mas não cometi crimes (...) Não existe injustiça mais devastadora do que condenar uminocente. Injustiça cometida é mal irreparável (...) Eu já sofri a dor indizível da tortura, a dor aflitiva da doença e, agora, sofro mais uma vez a dor igualmente inominável da injustiça”

 

“O que mais dói é perceber que estou sendo vítima de uma farsa jurídica e política. Mas não esmoreço.

 

 

Olho para trás e vejo tudo que fizemos e olho para frente e vejo tudo que precisamos fazer. O maior risco para o País, neste momento, é ser dirigido por um governo sem voto (...)”    “Mantenham-se mobilizados, unidos e em paz. A luta pela democracia não tem data para terminar”