O Estado de São Paulo, n. 44768, 13/05/2016. Política, p. A22

Suíça anuncia que devolverá ao Brasil US$ 200 milhões

Jamil Chade

O ministro das Relações Exteriores da Suíça, Didier Burkhalter, anunciou ontem em Londres, durante a cúpula anti-corrupção organizada pelo governo de David Cameron, que seu país planeja devolver aos cofres públicos brasileiros cerca de US$ 200 milhões em ativos bloqueados por conta das investigações no âmbito da Operação Lava Jato.

Até agora, o Ministério Público da Suíça confirmou a transferência de cerca de US$ 120 milhões, a maior parte de casos relacionados a ex-diretores da Petrobrás que fecharam acordos de delação premiada e aceitaram devolver recursos bloqueados.

O governo suíço não explicou de onde seria o restante do volume de recursos repatriados. No total, Berna indica ter congelado mais de mil contas bancárias relativas a suspeitos no caso da Operação Lava Jato, num valordecercadeUS$800milhões.

Em seu discurso, Burkhalter admitiu que repatriar os recursos da corrupção no mundo tem sido um trabalho lento.

“Apesar de todos os esforços, entre US$ 20 bilhões e US$ 40 bilhões deixam os países em desenvolvimento todos os anos. Nas últimas décadas, US$ 5 bilhões retornaram aos países originais. Desses, quase US$ 2 bilhões foram enviados pela Suíça”, afirmou.

Para ele, os processos são muito longos, levam anos e produzem poucos resultados. Os governos precisam fechar acordos políticos e parcerias para mudar essa realidade e congelar dinheiro deve ser apenas uma medida de “última instância” para lutar contra a corrupção. “Prevenira corrupção deve ser nossa prioridade”, disse.

Segundo ele, governos precisam garantir regras de maior transparência para evitar o uso de empresas de fachada para esconder recursos. A permissão da existência de “beneficiários” em contas secretas, como no caso de Eduardo Cunha (PMDBRJ), precisa ser tratada. “Infelizmente, estamos distantes de uma implementação”, alertou.

 

Mudança. Considerada por anos como um dos centros da lavagem de dinheiro no mundo, a Suíça adotou hoje um tom diferente ao falar do assunto. “A corrupção é uma força destrutiva. Ela mina o melhor dos feitos humanos.

É um obstáculo para a igualdade e uma taxa sobre o desenvolvimento econômico”, disse o ministro. Burkhalter, apesar de prometer que seu país vai lutar contra o problema, fez um alerta aos demais governos. Segundo ele, a melhor prevenção é “boa governança, estado de direito e distribuição adequada de poder”.

A declaração do governo suíço vem no momento em que advogados em Genebra que defendem brasileiros e empresas ligadas à Odebrecht em processos liderados pelo Ministério Público em Berna protestam contra a cooperação da Suíça e pedem que a transferência de dados para os procuradores da Operação Lava Jato seja suspensa.

Uma carta enviada pelos advogados Patrick Hunziker e Valentine Bagnoud, do escritório RVMH, ao procurador-geral da Suíça, Michael Lauber, afirma que a Justiça brasileira “não é imparcial” e que, portanto, não existiriam garantias de que os princípios adotados em Berna pelo sistema legal sejam respeitados também no Brasil. Os advogados dizem representar “clientes brasileiros”.

Segundo o jornal Le Temps, em um ofício ao MP em Berna, os advogados alertaram ao procurador que “a organização judicial penal brasileira é contrária às garantias essenciais de processos, em especial a garantia da independência e imparcialidade”.

Um dos ataques se refere ao “poder de um só juiz no sistema brasileiro” de investigar e julgar os casos, “algo inaceitável”. O ataque se dirige diretamente ao juiz Sérgio Moro.

Também assusta os advogados a rapidez com que dados são transmitidos ao Brasil. No caso de Eduardo Cunha, entre a decisão de transferir o caso e a chegada ao MP brasileiro passaram-se apenas nove dias.A reação dos advogados ocorre no momento em que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e Lauber fecharam acordo para intensificar a cooperação e criar força-tarefa conjunta entre Brasil e Suíça.

 

Acesso a dados

“Precisamos de leis que permitam coletar dados domésticos para nossa Justiça ter informações rápidas e atualizadas de beneficiários”

Didier Burkhalter

 

MINISTRO SUÍÇO DAS RELAÇÕES EXTERIORES