Valor econômico, v. 17, n. 3996, 03/05/2016. Política, p. A8

Temer estuda mudança em MPs enviadas por Dilma

Vice quer aumentar poder de TCU em negociações de lieniência

Por: Daniel Rittner e Murillo Camarotto

 

O grupo mais próximo do vice-presidente Michel Temer já trabalha em um pente-fino das medidas provisórias em tramitação no Congresso Nacional. A ideia é identificar assuntos de interesse do novo governo e providenciar rapidamente ajustes nas matérias em que não houver alinhamento com propostas enviadas pela presidente Dilma Rousseff.

A tarefa de mapear o conjunto de MPs foi delegada ao ex-secretário-geral da mesa diretora da Câmara dos Deputados, Mozart Vianna, que deverá integrar o time da Secretaria de Governo com a chegada de Temer ao Palácio do Planalto. O trabalho envolve um levantamento detalhado sobre prazos de vigência, conteúdo e necessidade de mudanças no texto original das medidas. Com base nesse diagnóstico, Temer pretende decidir, caso a caso, se a estratégia será deixá-las "caducar" ou mobilizar sua futura base aliada para promover alterações.

Pelo menos duas medidas provisórias estão no foco. Uma é a MP 703, que trata dos acordos de leniência com as construtoras envolvidas na Operação Lava-Jato e expira no fim do mês. Outra que pode ser alvo de mudanças é a MP 714, responsável por aumentar o limite de capital estrangeiro nas companhias aéreas.

Auxiliares de Temer defendem a inclusão do Tribunal de Contas da União (TCU) em todas as etapas de negociação dos acordos de leniência. Essa postura marca uma guinada na visão defendida até agora por Dilma e seus ministros. A MP 703 concentrou quase todos os poderes à Controladoria-Geral da União (CGU) e acabou dando ao tribunal de contas uma função meramente revisora.

Insatisfeito com a prerrogativa de apenas chancelar os acordos entre governo e construtoras, o TCU resolveu agir por conta própria e ameaça declarar a inidoneidade das empresas envolvidas na montagem eletromecânica da usina nuclear de Angra 3. Se elas entraram na "lista suja" de empreiteiras, ficarão impedidas de celebrar novos contratos com a administração pública - o que eliminaria o efeito dos acordos.

Diante do prazo apertado para votar a MP da Leniência, uma saída fortemente cogitada pelos aliados de Temer é deixar que ela simplesmente expire e perca sua eficácia. Complica uma eventual tentativa de mudança em seu teor original o fato de que o relator, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), foi um dos líderes da tropa de choque petista na comissão especial de impeachment e dificilmente abrirá diálogo com o novo governo. Se a medida "caducar", o TCU voltaria automaticamente a ser consultado em cada uma das etapas de discussão dos acordos com as empresas.

Dos 28 processos abertos pelo governo contra as construtoras acusadas de corrupção em contratos com a Petrobras, 11 foram convertidos em negociações para um eventual acordo de leniência. Desses, pelo menos cinco têm boas chances de serem bem-sucedidos e devem evitar uma declaração de inidoneidade, conforme estimou ao Valor o ministro-chefe da CGU, Luiz Navarro. Ele avisa, no entanto, que não há tempo suficiente para celebrar o primeiro acordo antes do dia 11 - data do provável afastamento de Dilma.

O grupo de Temer também não gosta do texto atual da MP 714. A medida, que vale até meados de junho, eleva de 20% para 49% a fatia máxima de capital estrangeiro com direito a voto nas aéreas. Um artigo permite aumentar até 100% essa participação em caso de acordos de reciprocidade firmados pelo Brasil.

Quase todos os auxiliares eram favoráveis à liberação completa do setor para investidores internacionais, mas o dispositivo da reciprocidade foi incluído na MP por exigência da própria Dilma.

Dois pesos-pesados da equipe do vice possuem uma avaliação mais liberal sobre o assunto. Eliseu Padilha, provável chefe da Casa Civil de Temer, e Moreira Franco, que chefiará um "grupo executivo" no assento no Planalto responsável pelo encaminhamento de concessões e parcerias público-privadas, foram ministros da Secretaria de Aviação Civil. Ambos têm cabeça feita sobre isso: não veem problema em tirar as restrições para estrangeiros.

"Nós precisamos de grupos brasileiros fortes para que eles tenham autoridade no exercício e na definição do comando da governança. Mas isso hoje é dado no jogo da vida. Não se resolve esse problema simplesmente fixando percentual de capital", disse Moreira Franco, em uma entrevista ao Valor, quando estava à frente da Aviação Civil.

Uma hipótese não descartada pelo grupo de Temer é endossar o aumento do capital estrangeiro para 49%, conforme o texto original da MP 714, e propor a elevação para 100% em um segundo momento. Avalia-se o estado financeiro das companhias como crítico. Mas também existe um cálculo de que a relatoria do deputado Zé Geraldo (PT-BA) pode tornar difíceis eventuais ajustes.

Órgãos relacionados:

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Insegurança jurídica barra celebração de acordos

Por: Murillo Camarotto / Daniel Rittner

 

A insegurança jurídica e a dificuldade na definição dos valores que serão cobrados a título de reparação constituem as duasprincipais barreiras ao fechamento dos acordos de leniência com as construtoras envolvidas na Operação Lava-Jato. Segundo o ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU), Luiz Navarro, as empreiteiras querem ter a certeza de que não vão ser processadas por outros órgãos da administração pública, algo que o governo não tem condições de oferecer.

O ministro reconhece que uma solução envolvendo todas as instituições ligadas ao tema da corrupção seria "o melhor dos mundos", mas a tarefa é praticamente impossível. Os acordos atualmente mais adiantados devem contar com a anuência da CGU, do Ministério Público Federa e da Advocacia-Geral da União (AGU). Ainda assim, as empresas poderão ser processadas pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

Segundo Navarro, a situação reflete um pouco a imaturidade da Lai Anticorrupção brasileira, criada em 2013. "A Lava-Jato, do ponto de vista da aplicação da lei, é um desafio imenso. Você pegou um caso desse tamanho para uma lei jovem, envolvendo muitas empresas, muitas delas atuando em cartel, e você não tinha sedimentada uma jurisprudência", afirmou o ministro.

O segundo grande entrave mencionado por Navarro trata das multas que serão aplicadas, que não podem ser baixas para parecerem vantajosas demais e nem altas o suficiente para inviabilizar as empresas. A mudança de paradigma resultante da Lava-Jato ajuda a explicar a dificuldade na definição dos valores. "Eu costumo dizer que existem a era 'pré-Moro' e a 'era pós-Moro'", disse o titular da CGU, referindo-se à atuação do juiz Sérgio Moro.

Navarro explicou que a Lei Anticorrupção foi aprovada antes da eclosão da Lava-Jato, em um momento em que as empresas não eram punidas com rigor. Foi nesse cenário que a lei optou por um processo administrativo que viabilizasse o ressarcimento de parte dos recursos desviados pela corrupção. "Se for pra esfera judicial, não acaba nunca. A experiência das ações de improbidade no Brasil é péssima. Não chegam ao fim", avalia o ministro.

Ex-integrante do Conselho de Administração da Petrobras, Navarro citou a estatal como exemplo dessa dificuldade. Após atrasar em vários meses a publicação de seu balanço, a empresa contabilizou uma perda de R$ 6,2 bilhões com pagamento de propina. Ainda assim, o ministro explica que trata-se de uma estimativa baseada em um parâmetro pré-estabelecido. "Criou-se uma ilusão de que há uma conta onde está todo o dinheiro roubado e que é só acessar essa conta e trazer tudo de volta", afirmou o ministro.

Navarro lembrou ainda da importância de manutenção da atual estrutura da CGU em um eventual governo do vice-presidente Michel Temer. Segundo ele, a perda do status de ministério ou o desmembramento do órgão comprometeria o andamento dos acordos de leniência e dificultaria a supervisão do poder público. "Não dá pra imaginar uma pessoa com cargo 'inferior' fiscalizando outros ministros. Isso sem falar no acesso ao presidente da República", completou o chefe da CGU.

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Meirelles defende propostas para limitar dívida e gastos

Por: Andrea Jubé / Bruno Peres/ Raphael Di Cunto

 

Na saída da reunião com o vice-presidente Michel Temer, que durou quatro horas, o ex-presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, virtual ministro da Fazenda, disse que apresentou um diagnóstico sobre a situação econômica e adiantou que podem ser consideradas propostas para limitar a dívida e o gasto público. Em entrevista, Meirelles disse que é preciso, primeiro, retomar a "confiança" do país. Observou que será preciso analisar as medidas anunciadas por Dilma, como a revisão da tabela do Imposto de Renda.

"O aspecto chave é a trajetória da dívida pública", disse o cotado para ministro da Fazenda, na hipótese de afastamento de Dilma. Ele ressaltou que as concessões são necessárias para "viabilizar investimentos em infraestutura" e criar demanda e novas vagas de emprego, além de diminuírem o "custo do país". Meirelles afirmou que a "questão fiscal é fundamental" e que propostas para limitar a dívida e o gasto público podem ser consideradas, mas que antes das definições na economia é preciso aguardar a conclusão do processo de impeachment no Senado.

O vice-presidente Michel Temer reuniu, pela primeira vez, Meirelles com outros prováveis ministros de seu governo. Temer queria deixar claro que qualquer medida teria de passar, previamente, pelo seu aval e o de Meirelles.

Hoje, Temer se encontra com ó presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), que apresenta a "Carta Compromisso", um conjunto de propostas de governo. O documento, elaborado por economistas tucanos coordenados pelo senador Tasso Jereissati (CE), começa com a defesa do combate à corrupção e proposta de reforma política que prevê a rediscussão do parlamentarismo a partir de 2018. O documento será sacramentado em reunião da executiva nacional do PSDB marcada para as 11 horas e, em seguida, Aécio e outros integrantes da cúpula tucana almoçam com Temer no Palácio do Jaburu. Também será discutida a participação da sigla em seu eventual governo. Além da possível nomeação do senador José Serra (PSDB-SP) para o Ministério das Relações Exteriores, o PSDB deve indicar mais um nome para a equipe de Temer.

A aproximação do PSDB se concretiza na medida em que avançam as negociações para a formação do futuro ministério. Nos últimos dias, ganhou força a indicação do PP para o Ministério da Agricultura, do PSB para a Integração Nacional, do PRB para a pasta de Ciência e Tecnologia e do PPS para a Cultura.

Na reunião de ontem, que começou às 16 horas e estendeu-se até 21 horas, Meirelles fez uma longa exposição das medidas que defende para a retomada do crescimento. Temer estava incomodado com as notícias veiculadas na imprensa nos últimos dias sobre suas possíveis medidas na área econômica. Foram cogitados aumentos de impostos, quando na verdade o vice-presidente defende um corte radical de gastos e uma simplificação tributária. Também foi divulgado que ele reajustaria os benefícios do Bolsa Família, oque levou ao gesto de Dilma, no 1º de Maio, antecipando-se ao aumento estudado pelo PMDB.

O núcleo central do eventual governo Temer, que se reuniu para ouvir Meirelles, é formado pelo ex-ministro da Aviação Civil Eliseu Padilha, que deve assumir a Casa Civil, pelo presidente em exercício do PMDB, senador Romero Jucá (RR), indicado para o Ministério do Planejamento, pelo ex-ministro Geddel Vieira Lima, que será responsável pela articulação política, e pelo ex-ministro Moreira Franco, que comandará as privatizações e as concessões.

"Ao chegar para a reunião no Palácio do Jaburu, Padilha classificou como "impossíveis" as medidas anunciadas por Dilma do ponto de vista orçamentário. Padilha lembrou que, poucos dias antes, a Secretaria do Tesouro Nacional informou que não havia espaço no orçamento para reajustar o programa social.

O senador Romero Jucá chamou de "vingança" o "pacote de bondades" anunciado por Dilma no último domingo, o que agravaria ainda mais o rombo fiscal.

"Qualquer aumento de despesa no momento em que o governo apresenta um astronômico déficit fiscal é algo que deveria ser pensado dez vezes antes de ser feito", disse Romero Jucá. "O governo perdeu o parâmetro de qualquer conta e está executando despesas em uma tentativa de desequilibrar mais ainda o orçamento público. Vamos analisar todos os dados no momentoadequado", completou.

Valor apurou que o Ministério da Agricultura foi oferecido ao PP, que integra número expressivo de deputados e senadores da bancada do agronegócio. Parlamentares do PP tentam emplacar a senadora Ana Amélia (PP-RS) na pasta.

Já o PRB aceitou assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, cabendo o posto ao presidente da legenda, Marcos Pereira. Em outra frente, o PSB, que chegou a ser cotado para a pasta de Ciência e Tecnologia, deverá reassumir o comando do Ministério da Integração Nacional, pasta que já comandou no governo Dilma Rousseff. O nome indicado pelo partido para oministério é o do deputado Fernando Coelho Filho (PE), filho do senador Fernando Bezerra Coelho (PSB-PE), que ocupou a pasta na gestão Dilma.

Por sua vez, o PPS indicou o presidente nacional da sigla, Roberto Freire, para assumir o Ministério da Cultura. O Valor apurou que o convite ocorreu em reunião de Temer com Freire e o senador Cristóvão Buarque (DF) que declinou do convite. Buarque foi o primeiro nome indicado pelo PPS para a pasta.

De acordo com a mesma fonte, o nome do deputado Raul Jungmann (PE) para o Ministério da Defesa não partiu da legenda. A sugestão ocorreu por outras vias - comenta-se que pelo ex-ministro da Defesa Nelson Jobim, de quem é amigo - e pela proximidade com os comandantes militares. (Com agências noticiosas)

Senadores relacionados:

  • Aécio Neves
  • Ana Amélia
  • Cristovam Buarque
  • Fernando Bezerra Coelho
  • José Serra
  • Romero Jucá
  • Tasso Jereissati

Órgãos relacionados:

  • Senado Federal