O globo, n. 30243, 26/05/2016. País, p. 4

DELAÇÃO INCLUI INFORMAÇÕES SOBRE ARRECADAÇÃO ILEGAL PARA POLÍTICOS

Por: Jailton de Carvalho
 
Entre eles, Sérgio Machado cita Renan Calheiros, Romero Jucá e Sarney
 
JAILTON DE CARVALHO
jailtonc@bsb.globo.com.br
 

-BRASÍLIA- A delação do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado não se resume a gravações de conversas que teve com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), com o expresidente José Sarney (PMDBAP) e com o ex-ministro do Planejamento Romero Jucá (PMDBRR). Numa série de depoimentos prestados à Procuradoria-Geral da República, Machado falou sobre a arrecadação de dinheiro de origem ilegal para políticos aliados, entre eles Renan, Jucá e Sarney, segundo disse ao GLOBO uma fonte que acompanha o caso de perto.

O acordo de delação de Machado foi homologado pelo ministro Teori Zavascki, relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal (STF). Caberá ao procurador-geral, Rodrigo Janot, decidir, a partir de agora, que medidas adotar para aprofundar as investigações sobre as revelações do expresidente da Transpetro.

Parte das gravações de conversas de Machado, divulgadas pela “Folha de S. Paulo”, já derrubou Jucá do Planejamento. Até então, o ex-ministro era o aliado mais próximo do presidente interino, Michel Temer.

 

DEPOIMENTOS À PGR

Ex-senador pelo PSDB, Machado foi presidente da Transpetro de 2003 até o início do ano passado. Ele se manteve no cargo mesmo depois de ter sido acusado pelo ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa de receber propina. Como exemplo, Paulo Roberto Costa disse que ele próprio entregou pessoalmente a Sérgio Machado R$ 500 mil. Subsidiária da Petrobras, a Transpetro é a maior empresa processadora de gás natural e de transporte de combustível do país. A arrecadação ilegal para políticos detalhada por Machado estaria ligada a fornecedores da Transpetro.

Não foi possível esclarecer até o momento se o ex-presidente da Transpetro falou sobre arrecadação para campanha ou para benefício pessoal dos personagens citados por ele. Na série de depoimentos, Machado se dispôs a contar detalhes de todas as ilegalidades de que teve conhecimento, no período em que comandou a estatal sob a proteção de um grupo de políticos do Senado, entre eles alguns dos principais nomes do PMDB. Certo de que o caminho que escolhera não teria retorno, Machado sentou diante de investigadores da Procuradoria-Geral da República e respondeu a todas as perguntas sem qualquer restrição. O ex-senador estava disposto a contar tudo o que sabia de seus ex-padrinhos políticos.

Ele não queria correr o risco de perder total ou parcialmente os benefícios da delação como pode acontecer com delatores que fizeram acusações seletivas. Machado decidiu partir para a delação no início do ano, quando descobriu que o executivo de uma empreiteira apontou uma conta usada por ele para movimentar dinheiro ilegal. A partir daí, ele passou a gravar conversas e recolher provas das irregularidades de que teve conhecimento, especialmente no período que presidiu a Transpetro. Político experiente, Machado detém segredos de ex-aliados do PMDB e do PSDB, partido ao qual foi filiado até deixar o Senado.

Procurada pelo GLOBO, a assessoria de imprensa de Renan disse que o senador não faria comentários até conhecer o conteúdo da delação de Machado. A assessoria de Romero Jucá disse que o senador “nunca autorizou ninguém a falar em nome dele sobre arrecadação de recursos para campanha”. O GLOBO tentou, sem sucesso, falar com a assessoria do ex-presidente Sarney.

Machado gravou mais de três horas de conversas com ex-aliados. Num dos diálogos, Renan conta a Sérgio Machado de uma conversa que ele teve com o diretor de redação da “Folha de S.Paulo”, Otávio Frias Filho, na qual o jornalista teria dito que houve “exageros” do jornal na cobertura da Operação Lava-Jato. Otávio Frias Filho não comentou. Na mesma gravação, o senador afirma que Dilma conversou, antes de ser afastada da Presidência, com o vice-presidente Institucional e Editorial do Grupo Globo, João Roberto Marinho. De acordo com Renan, a petista teria dito ao empresário que os veículos do Grupo Globo “tratam diferentemente de casos iguais”.

“Conversa muito ruim, a conversa com a menina da ‘Folha.’.. Otavinho [Otávio Frias Filho] foi muito melhor. Otavinho reconheceu que tem exageros, eles próprios têm cometido exageros, e o João [provável referência a João Roberto Marinho] com aquela conversa de sempre, que não manda. [...] Ela [Dilma] disse a ele ‘João, vocês tratam diferentemente de casos iguais. Nós temos vários indicativos.’ E ele dizendo ‘isso virou uma manada, uma manada, está todo mundo contra o governo’”, relatou Renan.

Sobre o diálogo, em outro trecho, Renan disse ainda que “a conversa dela (Dilma) com João Roberto [Marinho] foi desastrosa. Ele disse para ela... Ela reclamou. Ele disse para ela que não tinha como influir”.

Em nota, João Roberto Marinho, vice-presidente Institucional e Editorial do Grupo Globo, explicou que, como disse o presidente do Senado, Renan Calheiros, é verdade que sempre que lhe pedem para interferir no noticiário, a favor de um grupo ou de outro, a resposta é sempre a mesma: ele não pode mandar que se interfira nos fatos, pois um veículo de imprensa deve tudo noticiar livremente. Ele acrescentou que o compromisso do Grupo Globo é com a notícia e com o público. Acrescentou que essa sua resposta gera desconforto, frustrações e, por vezes, afirmações descabidas, o que é compreensível, especialmente em momentos de crise.

 

Machado se dispôs a contar detalhes de todas as ilegalidades de que soube, quando comandou a estatal sob a proteção de um grupo de políticos do Senado, entre eles alguns dos principais nomes do PMDB