Título: Democracia avança com fim do sigilo eterno
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Fonte: Correio Braziliense, 27/10/2011, Opinião, p. 26

Vinte e seis anos depois de encerrado o regime militar instaurado no Brasil em 1964, o Congresso Nacional finalmente deu mais um passo decisivo para a redemocratização do país, com a aprovação da Lei de Acesso à Informação. A nova legislação, que para entrar em vigor passa a depender apenas da sanção da presidente Dilma Rousseff — dada como certa —, acaba com o sigilo eterno de documentos oficiais.

Embora se trate de garantia constitucional assegurada pela Assembleia Nacional Constituinte na Carta Magna de 1988, a transparência dependia de regulamentação, somente tornada possível quando a Câmara dos Deputados retirou a elasticidade dos prazos ainda prevista no projeto de lei enviado ao parlamento, em maio de 2009, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mantida no Senado, a alteração estabelece o período de meio século como tempo máximo para a preservação de papeis sob segredo, incluindo informações e atos governamentais dos Três Poderes, em todas as esferas administrativas, na União, no Distrito Federal, nos estados e nos municípios.

O prazo atual, de 30 anos, é prorrogável indefinidamente. Com a nova lei, cai para um quarto de século, permitida apenas uma renovação. Isso, em caso de documento ultrassecreto. Os secretos ficam protegidos por até 15 anos (hoje são 20) e os reservados, por cinco (sem alteração), ambos improrrogáveis. Significa que ofícios da ditadura continuarão em segredo no máximo até 2014, podendo ser liberados a partir daí até 2035, a depender de quando começará a ser contado o prazo. Com igual ressalva, os da era Fernando Collor, presidente afastado do poder sob denúncias de corrupção e hoje senador (PTB-AL) que se opôs firmemente ao fim do sigilo eterno, deverão ser tornados públicos entre 2040 e 2042.

A classificação e a quantidade de documentos protegidos terão de ser anualmente informados pelas autoridades. O risco é deixar o controle exclusivamente por conta delas, razão por que a sociedade civil precisa contar com mecanismos próprios de acompanhamento e cobrança da liberação, de modo a anular eventuais resistências ou restrições. A todo cidadão deve ser liberado, de imediato, o acesso a dados da administração pública, como contratos, programas e processos licitatórios. Apenas informações que possam colocar em risco a segurança nacional ou a estabilidade econômica, comprometer atividades de inteligência e prejudicar relações internacionais devem ser passíveis de proteção — ainda assim, por tempo determinado.

O recente escândalo da exposição mundial de constrangedores documentos sigilosos de vários Estados nacionais pelo WikiLeaks foi revelador da dificuldade e da inutilidade de eternizar segredos. Com o avanço da tecnologia da informação, há muitas possibilidades de internautas acessarem bancos de dados. Hackers inclusive já invadiram computadores protegidos da Presidência da República do Brasil. Portanto, além de antidemocrático, é inócuo o resguardo excessivo de documentos.