O Estado de São Paulo, n. 44763, 08/05/2016. Economia, p. B1

'Bolsa empresário' chega a R$ 270 bi neste ano e pode ser revista por Temer

Alexa Salomão

O governo do vice-presidente Michel Temer, que deve assumir nesta semana, estuda rever uma categoria de gasto público que disparou nos últimos anos: os benefícios concedidos ao setor empresarial. Economistas ouvidos pelo ‘Estado’ apoiam a iniciativa e lembram que o conjunto de benesses dadas pelo governo a diversos setores da economia, uma espécie de ‘bolsa empresário’, no jargão de alguns especialistas, é pesado. Vai custar, apenas neste ano, cerca de R$ 270 bilhões aos cofres do governo federal.

Trata-se de um valor monumental. Para se ter uma ideia, representa mais de dez vezes o valor destinado ao Bolsa Família, cujo orçamento anual está em R$ 28 bilhões, e mais que o dobro do déficit primário do governo, estimado em R$ 120 bilhões neste ano.

Os itens que podem compor o que se chama de “Bolsa Empresário” são muito diversificados. “Tem coisa à beça”, diz Marcos Lisboa, presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica. Ele cita subsídios, desonerações e regimes tributários diferenciados para toda sorte de setores – portos, indústrias químicas, empresas de petróleo, fabricantes de equipamentos de energia eólica e até o agronegócio. “A agricultura quase não paga Previdência e impostos porque a maioria dos produtores, até os que faturam bilhões, acabam sendo enquadrados como pessoa física, e não jurídica”, diz.

No pacote, Lisboa inclui os repasses ao Sistema S (Senai, Sesc, Sesi, Senac, Senar, Sescoop, Sest), cuja prestação de contas ele não considera transparente, e que ajudam a manter não apenas cursos educacionais, como o proposto, mas se misturam ao orçamento de inúmeras entidades empresariais.

 

 

 

Lisboa coloca na lista até o FI-FGTS, fundo de investimento mantido com recursos do trabalhador. O fundo aplicou quase R$ 23 bilhões em projetos privados. Segundo informa a própria Caixa, gestora do FGTS, a referência de retorno para o fundo é a Taxa Referencial, que está próxima a 0,2%, mais 6% ao ano – valor generoso quando comparado às condições para se tomar dinheiro no Brasil e para o risco revelado por alguns negócios escolhidos: cerca de R$ 2,5 bilhões foram para a empresa de sondas Sete Brasil, que pediu recuperação judicial.

 

Incógnita. Os benefícios tributários, financeiros e creditícios somam R$ 385 bilhões neste ano, segundo estudo dos economistas Vilma da Conceição Pinto e José Roberto Afonso, pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas. “Passa da hora de termos uma avaliação efetiva e profunda de custos e benefícios fiscais, como de todo o gasto público”, diz Afonso.

Parte das benesses vai para atividades sociais: desonerações da cesta básica, descontos e isenções para creches e transporte escolar. Mas o grosso, R$ 270 bilhões, fica com o setor privado (ver quadro acima). “O problema é que não sabemos se esse enorme volume de recursos retorna, na mesma proporção, em benefícios para a sociedade e para a economia”, diz Vilma. Uma olhada na relação de isenções explica a dúvida.

A principal justificativa para esse tipo de política é cortar impostos para fomentar o desenvolvimento de regiões menos favorecidas. Ocorre que 52% do total dos gastos tributários neste ano beneficiam o Sudeste, a região mais próspera.

Cerca de R$ 23 bilhões mantêm a fabricação de televisores, celulares e computadores na Zona Franca de Manaus, até que ela se firme como um polo setorial autônomo. O benefício foi criado em 1967, reeditado quatro vezes e agora vale até 2073 – serão 106 anos de incentivos.

Cerca de R$ 1,2 bilhão é destinado a montadoras no Nordeste e no Centro-Oeste – nesse último, a desoneração virou caso de polícia na Operação Zelotes. Na semana que passou, nove dos dez acusados de “venda” de medidas provisórias de benefícios a montadoras foram condenados. Outros R$ 562 milhões vão subsidiar o que parece de graça: o horário eleitoral gratuito. “Existe isenção até para a importação de troféus, medalhas e estatuetas. É pequena, mas o que o País ganha com isso?”, pergunta Vilma.

 

A PREFERÊNCIA É O SETOR PRODUTIVO

● Dos R$ 385 bilhões que serão gastos neste ano pelo governo federal com benefícios tributários, financeiros e creditícios, a maior parte, R$ 270 bilhões, será canalizada para as empresas

 

BENEFÍCIOS TRIBUTÁRIOS

R$ 267 bilhões é quanto o governo deixa de arrecadar

29% GASTO DE CUNHO SOCIAL - Educação; cultura; saúde; meio ambiente; cidadania; assistência social; trabalho

71% - GASTO DE CUNHO EMPRESARIAL - Agricultura; indústria; comércio; serviços, incluindo habitação, energia, ciência e tecnologia*

=$ 190 bilhões

 

BENEFÍCIOS FINANCEIROS E CREDITÍCIOS

R$ 118 bilhões - é quanto o tesouro desembolsa

32% - Programas sociais

68% - Setor produtivo, incluindo agricultura

=R$ 80 bilhões