O Estado de São Paulo, n. 44774, 19/05/2016. Política, p. A5

Chanceler defende acordos bilaterais

Lu Aiko Otta

O novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, anunciou ontem que os acordos comerciais serão acelerados com a busca de entendimentos bilaterais. Para isso, será abandonada a ênfase dada na última década às negociações multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). Serra tem como principal missão recebida do presidente em exercício Michel Temer o fortalecimento das exportações brasileiras.

Ele declarou que o novo desenho é necessário para resolver o problema dos subsídios aos produtos agrícolas no comércio mundial, que muito prejudicam as exportações brasileiras. Porém, completou, os entendimentos “não vêm prosperando com a celeridade e a relevância necessárias.” Ao apostar as fichas na OMC, o Brasil paralisou a negociação de novos acordos bilaterais, enquanto outros países avançaram. “Vamos recuperar o tempo perdido”, disse. O tamanho do mercado brasileiro será uma importante ferramenta para a negociação de acordos, com base na reciprocidade.

“Isso deve, sim, acelerar os acordos”, avaliou o consultor Marcos Sawaya Jank. Ele explicou que, ao manter a possibilidade de fechar acordos bilaterais e multilaterais, o Brasil volta a ter o cardápio de que dispunha há 15 anos.

O Mercosul, que foi alvo de críticas de Serra quando candidato à Presidência da República, em 2010, e também em sua atuação parlamentar justamente por dificultar a negociação de acordos comerciais, ganhou um tratamento ameno no discurso de Serra. Ele, que recentemente havia chamado o Mercosul de “delírio megalomaníaco”, afirmou que o bloco precisa ser “renovado”.

Não disse como, mas deu uma indicação sobre o rumo a ser seguido, ao afirmar que um dos principais focos de curto prazo da diplomacia é a relação com a Argentina. Segundo ressaltou, é um país cujo governo tem uma linha semelhante à do Brasil na busca pela reorganização política e econômica. Serra deve ir a Buenos Aires já na semana que vem.

A estratégia também vai passar pelos países da Aliança do Pacífico, como o Chile, a Colômbia e o Peru. Haverá ainda especial atenção em relação o México, país com o qual se pretende explorar a complementaridade econômica com o Brasil.

No caso dos Estados Unidos, a ideia é destravar o comércio com a remoção de barreiras não tarifárias. O ministro afirmou ainda que o Brasil vai analisar a oferta feita pela União Europeia no dia 11, com vistas ao fechamento de um acordo comercial com o Mercosul.

Serra listou ainda a China e a Índia como prioridades. E disse que utilizará outros foros de países emergentes, como o Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), para buscar novos acordos. Com África e países árabes, o chanceler disse que a relação será “pragmática”.

Num recado às empresas brasileiras, o ministro afirmou que o fechamento de acordos comerciais, por si só, não garantem o aumento imediato e constante das exportações. É preciso que os produtos nacionais sejam competitivos. De sua parte, o governo vai trabalhar para reduzir o chamado risco Brasil, que hoje eleva em aproximadamente 25% os preços dos produtos nacionais em relação aos concorrentes estrangeiros.

 

Prejuízo

“O multilateralismo que não aconteceu prejudicou o bilateralismo que aconteceu em todo o mundo. Quase todo mundo investiu nessa multiplicação, menos nós”

José Serra

 

MINISTRO DO ITAMARATY

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Serra dá passaporte diplomático a pastor sob investigação 

Há menos de uma semana no cargo, o novo ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), concedeu ontem passaporte diplomático ao pastor Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus, que está sob investigação na Operação Lava Jato suspeito de lavar dinheiro de propina para Eduardo Cunha (PMDB-RJ) por meio de sua igreja, em Campinas. O benefício também foi concedido à mulher do pastor e também pastora, Keila Ferreira.

É a primeira vez, desde o começo da operação, que um investigado sem prerrogativa de foro recebe o benefício dado a autoridades. Na prática, o passaporte diplomático permite a Samuel e Keila entrar e sair de qualquer país com relação diplomática com o Brasil sem a necessidade de visto ou qualquer outra burocracia. Na semana passada, o Supremo determinou a remessa das investigações envolvendo Samuel Cássio para o juiz Sérgio Moro, responsável pela operação em Curitiba.

O Itamaraty informou que o ministério se baseou no terceiro parágrafo do artigo sexto do decreto que regulamenta a concessão dos passaportes diplomáticos. O dispositivo prevê a concessão do documento a pessoas que, embora não estejam relacionadas na lista de quem pode ter o passaporte, “devam portá-lo em função do interesse do país.” O decreto 5.978, de 2006, não prevê a concessão desse tipo de passaporte a líderes religiosos. Entre as pessoas que podem recebê-lo, estão o presidente e o vice-presidente da República, ex-presidentes, governadores, ministros, ocupantes de cargo de natureza especial, militares em missões da ONU, ministros do STF, o procurador-geral da República e juízes brasileiros em tribunais internacionais, dentre outros.

Conforme o próprio Itamaraty, o passaporte diplomático identifica a pessoa que está com ele como “agente do governo”. Segundo o ministério, portar esse tipo de documento não concede à pessoa “imunidade diplomática”, mas dá privilégios como atendimento preferencial nos postos de imigração e isenção de visto em alguns países.

A igreja de Samuel Ferreira, em Campinas, recebeu R$ 250 mil do lobista e delator da Lava Jato Julio Camargo, que admitiu que o pagamento era parte da propina de US$ 5 milhões a Cunha referente a contratos de navios-sonda da Petrobrás. Atualmente Cunha é réu no STF justamente no episódio envolvendo essa propina. O parlamentar afastado nega irregularidades. A defesa do pastor considera o inquérito contra ele “desnecessário”. /MATEUS COUTINHO, JULIA AFFONSO e FAUSTO MACEDO