O Estado de São Paulo, n. 44774, 19/05/2016. Política, p. A10

Moro condena José Dirceu a 23 anos de prisão

Ricardo Brandt

Julia Affonso

Mateus Coutinho

Fausto Macedo

O juiz Sérgio Moro, da Operação Lava Jato, em Curitiba, condenou ontem o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (governo Lula) a 23 anos e três meses de prisão pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

A sentença aponta o petista como beneficiário de R$ 15 milhões em propinas, pagos pela empreiteira Engevix, por cinco contratos de obras da Petrobrás.

Moro considerou haver provas do envolvimento de Dirceu na organização criminosa que, segundo as investigações, desviava de 1% a 5% dos valores de contratos da estatal, mediante acerto entre um cartel das maiores empreiteiras do País e políticos do PT, PMDB e PP.

Segundo o juiz, o ex-ministro está “envolvido na prática habitual, sistemática e profissional de crimes contra a Petrobrás”.

Moro, no entanto, não reconheceu o papel de liderança do ex-ministro no esquema. “Não entendo, como argumentou o Ministério Público Federal, que o condenado dirigia a ação dos demais políticos desonestos, não estando claro de quem era a liderança.” A força-tarefa diz na denúncia contra Dirceu que, “no núcleo político da organização criminosa”, o ex-ministro “ocupava papel de destaque”, além de ser um dos responsáveis pela criação do “complexo esquema criminoso que envolveu diversas estruturas de poder, público e privado”.

A decisão deixa em aberto o papel de líder no esquema de corrupção na Petrobrás. Nome mais importante até aqui alvo da força-tarefa é o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Lula foi denunciado pelo Ministério Público Federal e, segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, o esquema não teria operado sem o conhecimento do ex-presidente.

Maior pena imposta até o momento na Lava Jato, a decisão da 13.ª Vara Federal, em Curitiba, é a segunda condenação criminal que Dirceu recebe por práticas de crimes de corrupção, em atos relacionados aos governos do PT, desde 2003 – Lula e Dilma Rousseff. O Supremo Tribunal Federal condenou, em 2012, o ex-ministro a sete anos e onze meses de reclusão no processo do mensalão.

 

‘Perturbador’. “O mais perturbador em relação a José Dirceu de Oliveira e Silva consiste no fato de que recebeu propina inclusive enquanto estava sendo julgado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal a Ação Penal470(mensalão), havendo registro de recebimentos pelo menos até 13 de novembro de 2013”, escreveu Moro na sentença. “Nem o julgamento condenatório pela mais alta Corte do País representou fator inibidor da reiteração criminosa, embora em outro esquema ilícito.” O ex-ministro está detido em Curitiba desde agosto de 2015.

Ele cumpria prisão em regime domiciliar, decorrente da pena no mensalão, quando foi preso pela Polícia Federal por envolvimento no caso Petrobrás.

Dirceu vai continuar na prisão cautelar, decidiu Moro, porque é “recorrente em escândalos criminais”. “Se nem o fato de ter sido condenado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal serviu para impedir que persistisse recebendo propina em outros esquemas criminosos, forçoso concluir que a prisão cautelar é meio necessário para interromper o seu estilo de vida criminoso.” Esta é a primeira sentença contra Dirceu na Lava Jato.

Além do ex-ministro, mais dez pessoas foram condenadas por Sérgio Moro, entre elas o ex-executivo da empreiteira Engevix Gerson de Mello Almada, o ex diretor de Serviços da Petrobrás Renato Duque e o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

 

Provas. A primeira condenação de José Dirceu na Operação Lava Jato trata do pagamento de R$ 56,8 milhões em propinas pelaEngevix.Omontanteéreferentea0,5%e1%decadacontrato e aditivo da empresa em obras da Unidade de Tratamento de Gás de Cacimbas e nas refinarias Presidente Bernardes, Presidente Getúlio Vargas e Landulpho Alves.

Desse valor, R$ 15milhões foram para Dirceu como representante do grupo político do PT, segundo a força-tarefa Ele foi condenado ainda pela lavagem de R$ 10milhões dessa propina.

Moro disse haver provas de que a compra e obras em imóveis, pagamentos de falsas consultorias, via JD Assessoria e Consultoria, e a compra de um avião ocultaram recursos ilícitos.

Aos 70 anos, o ex-ministro e ex-presidente do PT é uma das principais lideranças da história do partido. Ao condenar Dirceu, Moro afirmou que seu papel na história política do Brasil não “lhe franqueia liberdade para cometer crimes de corrupção e lavagem de dinheiro”.

“O que está em julgamento são condutas criminosas praticadas por José Dirceu e não a atividade política dele, pretérita ou presente”, destacou Moro.“Pode-se fazer política, de esquerda ou de direita, sem a prática concomitante de crimes”, afirmou o juiz.

 

Prisão. A defesa de José Dirceu afirmou que vai buscar a soltura do ex-ministro no Tribunal Regional Federal (TRF). O ex-ministro da Casa Civil vai permanecer no Complexo Médico-Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.

O período em que estiver detido preventivamente deve ser abatido da pena imposta pelo juiz Sérgio Moro.

Pelo regime de progressão de pena, Dirceu pode ainda conseguir o direito a evoluir para um regime semiaberto e, depois, para prisão domiciliar – num prazo que pode ser de até quatro anos. No caso do mensalão, em que foi condenado, em 2012, e preso, em 2013, o ex-ministro da Casa Civil obteve direito ao regime domiciliar em novembro de 2014.

 

O PT NA LAVA JATO

José Dirceu - EX-MINISTRO DA CASA CIVIL

PENA:23 anos e 3 meses

●Além de José Dirceu, condenado ontem pelo juiz Sérgio Moro, outros petistas são alvo da operação

● José Dirceu está preso em Curitiba – sede da Lava Jato – desde agosto de 2015. Ele cumpria prisão em regime domiciliar, decorrente da pena no mensalão, quando foi detido pela Polícia Federal acusado de envolvimento no esquema de corrupção na Petrobrás

CRIMES: - Corrupção - Lavagem de dinheiro - Organização criminosa

 

Luiz Inácio Lula da Silva -EX-PRESIDENTE

● Procuradoria denunciou o petista ao Supremo Tribunal Federal – Lula foi incluído no inquérito que investiga o ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS) na tentativa de obstruir a Lava Jato. É ainda alvo de três inquéritos em Curitiba

 

Dilma Rousseff - PRESIDENTE DA REPÚBLICA AFASTADA

 Procuradoria pediu a abertura de inquérito no Supremo contra a petista para apurar suspeita de que a presidente afastada teria tentado obstruir as investigações da Operação Lava Jato. O pedido baseia-se na delação do ex-senador Delcídio Amaral (ex-PT-MS)

 

Antonio Palocci - EX-MINISTRO

 É investigado na Justiça de 1ª instância após ter sido citado em delação do ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que relatou repasse de R$ 2 milhões ao ex-ministro da Fazenda e da Casa Civil em 2010, quando o petista coordenava a campanha de Dilma

 

João Vaccari Neto- EX-TESOUREIRO DO PT

● No ano passado, foi condenado a 5 anos e 4 meses de reclusão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ontem, foi condenado pela segunda vez (9 anos de prisão por corrupção). O ex-tesoureiro é acusado de arrecadar dinheiro do esquema para o partido

 

Gleisi Hoffmann - SENADORA (PR)

 Ex-ministra foi denunciada – junto com o marido, ex-ministro Paulo Bernardo –, ao Supremo sob acusação de corrupção e lavagem de dinheiro. A denúncia relaciona o casal a desvio de R$ 1 milhão da Petrobrás para financiar a campanha de Gleisi ao Senado em 2010

 

Lindbergh Farias - SENADOR (RJ)

● Está entre os políticos investigados no Supremo por suspeita de envolvimento no esquema na Petrobrás. Em delação premiada, o ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa disse que o petista pediu e recebeu R$ 2 milhões para sua campanha ao Senado em 2010

 

Humberto Costa - SENADOR (PE)

● É investigado no Supremo. O ex-diretor da Petrobrás Paulo Roberto Costa disse que o petista recebeu R$ 1 milhão do esquema na estatal para sua campanha em 2010. Costa afirmou que o dinheiro foi pedido por um empresário, amigo de infância do senador

 

Silvio Pereira - EX-SECRETÁRIO-GERAL DO PT

● Silvinho, como é conhecido, foi preso em abril deste ano na 27ª fase da Operação Lava Jato. A Procuradoria detectou depósitos efetuados por intermediadores de propinas em contratos da Petrobrás para duas empresas que têm Silvio Pereira como sócio

 

Delúbio Soares- EX-TESOUREIRO DO PT

 Réu na Lava Jato, é acusado de lavagem de R$ 6 milhões, valor que seria parte de um total de R$ 12 milhões emprestados de forma fraudulenta pelo banco Schahin ao pecuarista José Carlos Bumlai, amigo de Lula, em outubro de 2004

 

● Os ex-ministros de Dilma são alvo de pedido de inquérito feito pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot ao Supremo; Corte analisa solicitação

Jaques Wagner- EX-MINISTRO

Ricardo Berzoini- EX-MINISTRO

Edinho Silva- EX-MINISTRO

 

Aloizio Mercadante -EX-MINISTRO

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‘É prisão perpétua’, reage defesa do ex-ministro

O advogado Roberto Podval disse nesta quarta-feira, 18, que ‘é prisão perpétua’ a pena imposta pelo juiz federal Sérgio Moro ao ex-ministro-chefe da Casa Civil (Governo Lula) José Dirceu de 23 anos e 3 meses de prisão por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

“Tem caráter de prisão perpétua”, afirmou Podval. Para o criminalista, a pena foi aplicada ao “símbolo José Dirceu, ao que ele representa”. O advogado considerou “desproporcional” a sanção decretada por Moro.

“Ele (Dirceu) tem 70 anos de idade. Nós vamos tentar sensibilizar o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região”, disse Podval, se referindo ao recurso que vai apresentar. “A condenação foi ao símbolo do José Dirceu, ao que ele significa, e não aos fatos a ele atribuídos.” ‘Surpresa’. Desde que voltou para a cadeia, em agosto do ano passado, Dirceu tem se dedicado a estudar o processo do qual é objeto na Lava Jato. Em conversas com amigos e assessores, Dirceu previa uma pena dura, mas calculava, no máximo, 16 anos de prisão. A sentença de Moro foi uma surpresa. “Acabou a vida dele. Não tem mais expectativa nenhuma”, resumiu pessoa próxima do ex-ministro.

A comparação com uma “prisão perpétua” foi usada por muitos aliados de Dirceu, que, desde o fim do ano passado, aguardava que o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, julgasse recurso para que o petista voltasse a ter direito a indultos. Uma das preocupações do ex-ministro é quanto a Maria Antonia, sua filha de 7 anos – Dirceu tem dito que não vai ver a filha crescer.

A defesa do ex-executivo da Engevix Gerson Almada informou “que se manifestará sobre a sentença condenatória apenas por ocasião de recurso a ser apresentado a tribunal competente”.Almada foi condenado a 15 anos e seis meses de reclusão.

O defensor do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, Flávio D’Urso, disse que a condenação é “injusta” e vai recorrer. A defesa do ex-diretor Renato Duque, condenado a dez anos de reclusão, não foi localizada. / RICARDO GALHARDO, F.M., J.A., M.C. e R.B.

 

‘Símbolo’

“A condenação foi ao símbolo do José Dirceu, ao que ele significa, e não aos fatos a ele atribuídos”

Roberto Podval

 

ADVOGADO DO EX-MINISTRO JOSÉ DIRCEU