Valor econômico, v. 17, n. 3997, 04/05/2016. Brasil, p. A5

STF pode pautar afastamento de Cunha

Por: Maira Magro

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) só não pautou ainda o pedido de afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), feito em dezembro pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, porque os ministros queriam evitar o resultado: o afastamento teria sido negado pela Corte naquele momento. Agora, a situação jurídica é outra e o STF pode pautar o assunto para as próximas semanas.

Se o caso tivesse sido julgado em dezembro ou no começo do ano, Cunha teria saído fortalecido. Sua atuação à frente da Câmara, inclusive no julgamento do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff, teria contado com um aval explícito do STF.

O Supremo tem sido alvo de críticas por não ter julgado a questão ainda e, com isso, supostamente favorecer Cunha. O motivo do atraso, porém, é justamente o contrário. Cunha não conta com a simpatia da maioria dos integrantes do STF. Mas a avaliação de ministros é que, no pedido feito pela PGR em dezembro, não havia argumentos jurídicos suficientes que embasassem uma intervenção dessa magnitude no Legislativo.

O próprio relator do caso no STF, o ministro Teori Zavascki, declarou publicamente que o processo "não estava maduro para julgamento". Uma fonte a par das investigações contra Cunha explica: "A percepção é de que se tratava de uma sujeira para ser limpada pelo próprio Congresso". Se o caso fosse pautado, a PGR "não iria ganhar".

Agora, a situação jurídica é outra e o Supremo indicou que pode pautar o assunto para as próximas semanas. Com a alta probabilidade de Cunha virar o segundo nome na linha sucessória da Presidência da República, depois do vice Michel Temer, a situação dele se complica, na avaliação de ministros.

A Constituição Federal determina o afastamento do presidente da República no momento em que ele vira réu por crime comum no Supremo. Cunha, por sua vez, já é réu em ação criminal no STF, acusado pela PGR de receber propina em contratos de navios-sonda da Petrobras.

Portanto, uma possível linha de raciocínio é que não haveria lógica em afastar a presidente e manter o segundo nome na linha sucessória.

Porém, ainda não haveria clareza para os ministros sobre a melhor solução: uma decisão mais limitada, declarando apenas que Cunha está impedido de assumir a Presidência da República no caso da ausência de Temer (se Dilma for afastada realmente), ou a medida mais ampla de afastar o deputado da presidência da Câmara. Até mesmo integrantes da PGR consideram difícil que o Supremo concorde com a terceira opção, de cassar o mandato integralmente.

Ministros do STF já confidenciaram a interlocutores que não gostariam de se prestar ao papel de fortalecer a imagem do deputado. Eles identificam motivos políticos de sobra para cassar inclusive o mandato na Câmara. O ex-deputado André Vargas teria sido cassado por muito menos: quebra de decoro parlamentar ao intermediar, no Ministério da Saúde, negócios do doleiro Alberto Yousseff.

No pedido de afastamento de Cunha, Janot elencou 11 situações que comprovariam o uso do cargo pelo presidente da Câmara para "constranger e intimidar parlamentares, réus, colaboradores, advogados e agentes públicos com o objetivo de embaraçar e retardar investigações".

Já naquela época, mesmo alguns integrantes da PGR avaliavam que o pedido não era forte o suficiente para ser aceito pelo Supremo. As acusações seriam caracterizadas como forte desvio da atividade parlamentar. Mas seriam necessárias provas mais contundentes no campo criminal - como ocorreu, por exemplo, no caso do senador Delcídio do Amaral (ex-PT-MS), que chegou a ser preso por ordem do Supremo. O caso de Cunha foi debatido internamente e a maioria dos procuradores envolvidos opinou que já era hora de encaminhar o pedido.

No STF, o ambiente não é favorável a Cunha. Em episódios passados, integrantes da Corte se sentiram desconfortáveis com tentativas do deputado de ameaçar a Casa para tentar obter decisões favoráveis a suas teses. O ápice foi um evento da Marinha em que Cunha teria apontado o dedo em riste para o presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, para advertir que o Judiciário poderia ser alvo de uma "pauta-bomba" caso a ministra Rosa Weber suspendesse a votação que aprovou o financiamento privado de campanhas eleitorais.

Ministros também reclamaram a interlocutores que o presidente da Câmara teria agendado audiências de última hora e usado o cargo para fazer sua defesa pessoal contra as investigações da Operação Lava-Jato e questionar o procurador-geral da República, Rodrigo Janot.

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