O Estado de São Paulo, n. 44769, 14/05/2016. Política, A6

'Guardian' e NYT criticam impeachment

Jornais estrangeiros dedicaram ontem espaço em seus editoriais para falar da situação política no Brasil, um dia após Michel Temer assumir interinamente a Presidência da República. O americano The New York Times afirma que a presidente afastada Dilma Rousseff paga um preço “desproporcionalmente alto” por erros administrativos que cometeu, enquanto vários de seus maiores detratores são acusados de crimes mais flagrantes.

Os britânicos Financial Times e The Guardian trouxeram visões diferentes sobre o processo de impeachment. O FT qualificou o afastamento como “longe de ser perfeito”, mas destacou que, se Michel Temer conseguir colocar a economia de volta aos trilhos e continuar com a luta contra a corrupção, “deixará um legado considerável”.

Já o Guardian publicou duro editorial, criticando o processo e avaliando que o sistema político é que deveria ser julgado, e não a presidente da República.

O editorial do FT diz que Temer enfrenta uma “tarefa assustadora” na Presidência da República com uma crise tripla: econômica, ética e política. No topo das prioridades, o FT diz que está a situação da economia. A nomeação de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda e o rumor de que Ilan Goldfajn pode ir para o Banco Central são “encorajadores”, diz o jornal, que avalia a equipe econômica como “digna de confiança”. Sobre a crise ética, o FT lembra que a Operação Lava Jato pesa sobre boa parte do Congresso e até sobre o próprio Temer. Por isso, o editorial defende que o presidente em exercício “deve permitir que as investigações continuem seu curso”.

Ao reconhecer a controvérsia sobre a argumentação jurídica que baseia o processo de impeachment, o FT reconhece que o resultado do desdobramento da crise política visto, “está longe de ser perfeito”.

Já o editorial do Guardian defende que o Brasil deveria ter profunda reforma para tornar a política mais funcional e honesta, mas lamenta que a equipe apresentada na quinta-feira mostra que é “muito duvidoso” que o governo Temer dará esse salto.

O Guardian diz que o sistema político brasileiro é tão disfuncional que a corrupção é “praticamente inevitável” para a governabilidade. “Dilma herdou esse legado infeliz e começou a perder o controle em um período de declínio econômico e quando a corrupção, graças à polícia e a promotores independentes, começava a se tornar um escândalo de proporções crescentes”. O texto também cita que houve preconceito machista e ressentimento da direita que nunca aceitou a ascensão de Luiz Inácio Lula da Silva e do PT.

“O elemento tóxico final na crise foi a percepção de muitos políticos que os procuradores poderiam descobrir mais coisas sobre eles e uma maneira de evitar ou reduzir essa possibilidade poderia ser distrair a atenção e tomar o controle político com o processo de impeachment da chefe de Estado”, cita o editorial. O Guardian diz que “a ironia é que muitos dos acusadores são acusados e por pecados piores”. O texto cita Eduardo Cunha e lembra que Dilma não é acusada, nem investigada por corrupção. Diante desse quadro, o Guardian defende que “o que deveria estar em julgamento acima de tudo é o modelo político brasileiro que falhou”.

Com o título Fazendo a crise política piorar, o editorial do New York Times, maior jornal dos EUA defende que os brasileiros deveriam ter o direito de eleger um novo presidente. O jornal avalia que Dilma pode ter sido uma governante “ruim”, mas foi eleita duas vezes nas urnas e não há evidência de que ela usou seu cargo para enriquecimento pessoal, enquanto outros políticos que a acusam estão envolvidos em escândalos de corrupção. O NYT ressalta que Temer foi condenado pela Justiça eleitoral e está inelegível por oito anos e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que aceitou o pedido de impeachment de Dilma, foi afastado por denúncias de corrupção.

O jornal diz que o governo pode representar uma guinada para a direita, como em outros países da América Latina.

 

‘Distrair a atenção’

“O elemento tóxico na crise foi a percepção de políticos que os procuradores poderiam descobrir coisas sobre eles e uma maneira de evitar essa possibilidade poderia ser o impeachment”

TRECHO DO EDITORIAL DO ‘GUARDIAN’

 

REPERCUSSÃO

The New York Times

Preço alto

Para o jornal americano, o preço pago por Dilma Rousseff é ‘excessivamente alto’ pelos erros cometidos pela presidente afastada.

 

The guardian

Erro no modelo político O editorial critica a disfuncionalidade do modelo político brasileiro. Para o jornal britânico, o País precisa de uma profunda reforma política.

 

 

FT Financial Times

Confiança na economia

O jornal avalia que a sinalização econômica de Temer é ‘digna de confiança’ com Henrique Meirelles na Fazenda e com a possibilidade de Ilan Goldfajn no BC.

 

Le Monde

Ministério polêmico

A publicação francesa destaca a composição do ministério do presidente em exercício Michel Temer, formada por 23 homens, todos brancos.

 

DIE ZEIT

Democracia fraca

O jornal alemão manifestou preocupação com a Olimpíada em uma terra de ‘democracia fraca’ e classificou o impeachment como regresso aos velhos tempos.

 

EL PAÍS

Falta de provas

 

Em editorial, a publicação espanhola afirma que Dilma Rousseff não está sendo julgada por casos de corrupção devido à falta de provas.

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Para aliados, Temer deve abrir ‘caixa-preta’ da gestão petista

O presidente em exercício Michel Temer está sendo pressionando por aliados a abrir o que eles afirmam ser a “caixa-preta” da gestão Dilma Rousseff. A medida seria uma forma de revidar aos insistentes ataques da presidente afastada de que foi vítima de um golpe articulado pelo PMDB e pela oposição.

Para esses aliados, com o anúncio feito anteontem de que vai percorrer o País e o mundo para “denunciar o golpe”, Dilma desprezou até agora os acenos de Temer de que fará um governo sem retaliações às forças políticas derrotadas até agora no processo de impeachment da petista.

Em análises reservadas, conselheiros, assessores e ministros de Temer avaliavam ontem que a repercussão na opinião pública, especialmente na imprensa internacional, das declarações de Dilma ao deixar o cargo foram desfavoráveis para o novo governo e amplificaram o ambiente de incertezas quanto ao futuro das crises política e econômica do País.

Outro argumento importante do grupo que defende o revide é o de que Temer não pode ser culpado pelos erros administrativos de Dilma. Segundo eles, a situação encontrada no governo federal é de descalabro com as contas públicas.

 

Ontem, a equipe do presidente em exercício decidiu tornar públicos todos os cortes em programas sociais adotados pela presidente afastada Dilma Rousseff, “para que amanhã não se queira impingir ao governo que assumiu algumas questões de diminuição de programas sociais que já foram feitas desde o começo do ano”, disse o ministro do Planejamento, Romero Jucá. Ele citou como exemplo o programa Minha Casa Minha Vida, cujas parcelas foram reajustadas.