Correio braziliense, n. 19358, 26/05/2016. Economia, p. 6

Teto de gasto vai criar guerra na Esplanada

Orçamento de 2017 limitará despesas ao total deste ano, reajustado pela inflação, mesmo sem aprovação da emenda constitucional para determinar o máximo. Com seus partidos, ministros se preparam para a disputa acirrada por verbas

Por: Antonio Temóteo

 

A definição do limite para o crescimento das despesas primárias abrirá uma guerra por verbas orçamentárias entre os ministérios. Como os gastos públicos terão como base os do ano anterior, considerando a inflação como teto geral para a expansão, as diversas pastas precisarão tornar as ações mais eficientes para evitar desperdícios. A tendência é que o embate por recursos seja duríssimo, já que o presidente interino escolheu ministros que são caciques em seus partidos.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já avisou que, mesmo sem a aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o crescimento de gastos até agosto, enviará ao Congresso Nacional uma proposta orçamentária para 2017 que se enquadrará nessa premissa. O Executivo tem até o dia 31 de agosto para entregar ao parlamento o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa).

Com isso, o embate não se limitará às discussões da junta orçamentária para definir as receitas que serão transferidas para cada pasta e ocorrerão na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, com a votação do Ploa. Será espinhosSa a missão de Temer; Meirelles; o chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha; e o ministro interino do Planejamento, Dyogo de Oliveira. Caberá a eles conciliar os diversos interesses e evitar uma ruptura da base aliada.

Outra frente de batalha do governo será com os servidores públicos federais, ávidos por reajustes salariais com aumentos reais. As diversas categorias já prometeram ir para as ruas caso o Executivo não se disponha negociar as revisões nos contracheques. O secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), Sérgio Ronaldo da Silva, alertou que as associações e sindicatos filiados se reunirão na própria semana para analisar as propostas de Temer e organizar uma agenda de atos contra perdas de direitos.

 

Lupa

Na avaliação do economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB), após a equipe econômica definir as primeiras ações para limitar o crescimento dos gastos e tentar reforçar o caixa do Tesouro Nacional, será necessário analisar com lupa cada despesa em execução. Segundo ele, somente após esse trabalho será possível definir que gastos podem ser cortados, que programas precisam ser aperfeiçoados ou até mesmo descontinuados. “Esse elemento será importante a curto prazo para melhorar o planejamento fiscal, mas demanda tempo para análise”, destacou.

Arbache alertou que a avaliação dos gastos públicos também influenciará as decisões do Executivo para aumentar impostos. Com diagnostico preciso, explicou ele, é possível reduzir a necessidade de elevação da carga tributária. “Todas essas medidas terão impactos de curto, médio e longo prazo e implicarão na redução da dívida pública”, detalhou.

Para o economista Antônio Correa de Lacerda, sócio da MacroSector Consultoria, a visão de política fiscal do governo, além de abrir espaço para brigas políticas, é parcial. Ele destacou que o foco da equipe econômica tem sido quantitativo, para limitar o crescimento de gastos, e não qualitativo, para tornar o estado mais eficiente. “A política econômica também tem um papel anticíclico e isso precisa ser conciliado com a agenda de ajustes. Com recessão, o ajuste nas contas públicas contribui para queda do PIB e isso afeta ainda mais arrecadação”, detalhou.

Ele defendeu que o governo ouse para tornar o estado mais eficiente, além de priorizar os investimentos públicos com potencial para ajudar a retomada do crescimento e da geração de empregos. “Também precisamos ousar na política monetária para abrir espaço para a política fiscal. Gastar tanto com juros torna nosso país pouco atraente”, disse.

 

Estrago grande

Segundo o professor Simão Silber, professor da Universidade de São Paulo (USP), para recuperar a confiança perdida dos investidores e do mercado, o governo Temer precisa apresentar novas medidas, como a redução das desonerações e dos subsídios além das reformas estruturais, como a previdenciária. “É um vespeiro tudo isso e não haverá  uma solução trivial. Mas, se essas medidas forem aprovadas, não haverá uma trajetória despirocada no gasto”, alertou. Para ele, em 2017, ainda será muito difícil reverter o desarranjo das contas públicas. “O estrago do governo anterior foi muito grande. Só vamos ver a volta de superavit primário em 2018, com muita sorte, e, só aí o crescimento da dívida pública deverá se estabilizar”, avaliou.

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Mercado espera medidas urgentes

 

Apreensivos com a situação fiscal do país, os investidores passaram a cobrar do governo medidas de curto prazo para reduzir o endividamento público. Na avaliação dos agentes econômicos, a limitação do crescimento das despesas e as desvinculações propostas são importantes, mas é necessário cortar gastos já para sinalizar maior comprometimento com a diminuição do deficit.

Com essas ações, detalham os especialistas, será possível estancar a queda da confiança de empresários e consumidores, o primeiro passo para a retomada do crescimento. O estrategista-chefe do Banco Mizuho, Luciano Rostagno, detalhou que, ao cortar na própria carne, o Executivo explicita que está disposto a dar sua cota de sacrifício e que vai tomar medidas impopulares para recuperar a credibilidade do país.

Ele também ressaltou que ações como essa têm potencial de pressionar o Congresso Nacional a votar as medidas necessárias para reverter o deficit fiscal, estimado em R$ 170,5 bilhões para 2016. “O Executivo precisa cortar cargos comissionados, reverter a política de créditos subsidiados, acabar com patrocínios injustificados, coibir fraudes na concessão de seguro-desemprego e com aposentadoria por invalidez”, disse.

Para o economista-chefe da Quantitas Asset Management, Ivo Chermont, além de cortar gastos públicos, o governo precisa tirar do papel as concessões de portos, aeroportos, rodovias e ferrovias. Segundo ele, essa medida seria um impulso para o crescimento econômico, para a geração de empregos e para a arrecadação de tributos. “Essa é a chave para que o Executivo consiga melhorar as expectativas, conciliando as medidas de curto e médio prazo para atrair investimento”, disse.

Chermont afirmou que o diagnóstico apresentado pela equipe econômica está na direção correta, assim como os remédios propostos. Entretanto, o economista alertou que as medidas precisam se concretizar, sobretudo as que dependem de votação no Congresso Nacional. Ele explicou que o momento é de otimismo com a possibilidade de reversão da trajetória de crescimento da dívida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB). “Estamos no caminho certo, mas falta combinar com os russos. Os parlamentares terão papel decisivo nesse processo para que o país volte a crescer”, alertou. (AT)

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