O Estado de São Paulo, n. 44779, 24/05/2016. Política, A5

Governo teme novas revelações de Sérgio Machado

Tânia Monteiro

Erich Decat

A divulgação da gravação do diálogo do ex-ministro do Planejamento Romero Jucá com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado sobre a tentativa de barrar a Operação Lava Jato criou a primeira grande crise interna do governo interino de Michel Temer.

Junto com o áudio, veio a preocupação de que outras pessoas da cúpula do PMDB, próximas ou não ao Planalto, possam ser atingidas em partes da conversa gravada que ainda não foram reveladas.

De acordo com interlocutores diretos de Temer, o presidente em exercício não teme ser citado, mas afirmam que há preocupação com relação a outros nomes do partido.

Caso haja novas suspeitas, a solução tende a ser a mesma: afastamento imediato.

Com a saída de Jucá, Temer agora tem cinco ministros com investigações em curso no Supremo Tribunal Federal. Ele questionou todos, quando foram convidados, se teriam alguma pendência judicial. A resposta de Jucá teria sido tranquilizadora, assim como dos demais, segundo interlocutores.

Temer, então, teria avisado a cada um e repetiria isso, na primeira reunião ministerial, de que não aceitaria qualquer tipo de desvio de “ordem moral”, dizem.

Reiterou ainda que, se houvesse problemas, o titular da pasta seria afastado.

Um dos casos que preocupam, por exemplo, é o de Henrique Eduardo Alves (Turismo).

A casa do ministro foi alvo de busca e apreensão da Polícia Federal em dezembro do ano passado em uma das fases da Lava Jato.

Apesar de lamentar a perda de uma peça fundamental do seu governo, considerado um operador político importante neste momento de articulação para a aprovação de medidas no Congresso, Temer e seus auxiliares respiraram aliviados com a decisão de Jucá de se afastar do cargo. O ministro comunicou sua decisão a Temer assim que ele chegou ao Congresso para se reunir como presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

 

 

Bastidores. Na manhã de ontem, Jucá foi ao Jaburu, explicou a Temer que, se a gravação saísse integral, todos veriam que não haveria problemas. Pediu ainda que o presidente permitisse que ele se explicasse publicamente, o que foi feito em uma coletiva, no início da tarde.

Mas o estrago já estava feito e o governo precisava agir rápido. Temer informou que a defesa da Operação Lava Jato é ponto de honra para ele, assim como o combate à corrupção. Jucá ponderou que, da forma como estava sendo apresentada a gravação, todos ficavam em único balaio e que ele queria mostrar que, quem deve, precisa pagar, mas quem não deve precisava se defender. O ministro salientava ainda que queria se explicar e que, depois, então, Temer decidiria. O presidente disse que iria avaliar.

“Vamos esperar o decorrer do dia”, afirmou Temer a seus interlocutores, já tendo certeza de que manter um ministro sob investigação e sob tiroteio, em um momento em que seu governo precisa de mostrar força no Congresso para aprovação de medidas econômicas, seria muito prejudicial.

A avaliação era de que a permanência de Jucá no posto contaminaria o governo Temer e a sua busca por credibilidade, por causa do seu discurso de posse, quando defendeu a Lava Jato.

 

Caciques. A preocupação no PMDB é grande. O entendimento é de que Machado, para se livrar das acusações das quais é alvo na Lava Jato, entregou caciques do partido como o ex-presidente José Sarney e os senadores Renan Calheiros, Romero Jucá, Edison Lobão (PMDB-MA) e Jader Barbalho (PMDB-PA).

Segundo relatos, Machado, que tem relação com o grupo há pelo menos 20 anos, chegou a tentar a realizar um encontro com Jader em São Paulo, que só não foi possível em razão de o senador, na ocasião, estar internado no Hospital Sírio Libanês. Apesar de não ter conseguido falar com Jader, integrantes da cúpula do Senado têm como certo que Renan e Sarney não escaparam das gravações.

 

DIÁLOGOS

● Conversa divulgada pelo jornal ‘Folha de S. Paulo’ entre Romero Jucá e o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado sugere tentativa de deter Operação Lava Jato; Jucá pediu licença do cargo de ministro

 

Sérgio Machado - Mas viu, Romero, então eu acho a situação gravíssima.

Romero Jucá - Eu ontem fui muito claro. [...]Eu só acho o seguinte: com Dilma não dá, com a situação que está. Não adianta esse projeto de mandar o Lula para cá ser ministro, para tocar um gabinete, isso termina por jogar no chão a expectativa da economia. Porque se o Lula entrar, ele vai falar para a CUT, para o MST, é só quem ouve ele mais, quem dá algum crédito, o resto ninguém dá mais credito a ele para porra nenhuma. Concorda comigo? O Lula vai reunir ali com os setores empresariais?

Machado - Tem que ter um impeachment.

Jucá - Tem que ter impeachment. Não tem saída.

Machado - Acontece o seguinte, objetivamente falando, com o negócio que o Supremo fez,

vai todo mundo delatar.

Em fevereiro deste ano, o Supremo Tribunal Federal autorizou a prisão de réus já em 2ª instância judicial, sem aguardar o trânsito final da sentença e o esgotamento de todos os recursos

Jucá - Exatamente, e vai sobrar muito. O Marcelo, e a Odebrecht, vão fazer.

Machado - Odebrecht vai fazer.

Jucá - Seletiva, mas vai fazer.

Machado - A Camargo vai fazer ou não. Eu estou muito preocupado porque eu acho que... O Janot (Rodrigo Janot, procurador-geral da República) está a fim de pegar vocês. E acha que eu sou o caminho.

Jucá - Mas como é que está sua situação?

Machado - Minha situação não tem nada, não pegou nada, mas ele quer jogar tudo pro Moro.

Como não tem nada e como eu estou desligado...

Sérgio Moro, juiz que conduz a Lava Jato na 1ª instância da Justiça

Jucá - É, não tem conexão né...

Machado - Não tem conexão, aí joga pro Moro. Aí fodeu. Aí fodeu para todo mundo. Como montar uma estrutura para evitar que eu “desça”? Se eu descer...

Machado estaria preocupado que as apurações que envolvem o seu nome fossem transferidas de Brasília, onde tramitam no STF, para a vara do juiz Sérgio Moro, em Curitiba

Jucá - Você tem que ver com seu advogado como é que a gente pode ajudar. [...]Tem que ser política, advogado não encontra. Se é político, como é a política? Tem que resolver essa porra... Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria.

Jucá afirmou que a sangria a que se referiu tinha relação com a economia. “Não me referia à Lava Jato. Falava sobre a economia do País e entendia que o governo Dilma tinha se exaurido.

Entendia que o governo Temer teria condição de construir outro eixo na política econômica e social para o País mudar de pauta”, disse .

Jucá teria sugerido um pacto para tentar deter o avanço da Operação Lava Jato, relacionando eventual abrandamento ou interrupção das apurações ao impeachment de Dilma

Machado - Tem que ser uma coisa política e rápida. Eu acho que ele está querendo... o PMDB. Prende, e bota lá embaixo. Imaginou?

Jucá - Eu acho que você deveria procurar o Sarney, devia procurar o Renan, e a gente voltar a conversar depois. [incompreensível] 'como é que é'.

Machado - É porque... Se descer, Romero, não dá.

Machado - Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel (no lugar de Dilma).

Jucá - Só o Renan que está contra essa porra. 'Porque não gosta do Michel, porque o Michel é Eduardo Cunha'. Gente, esquece o Eduardo Cunha, o Eduardo Cunha está morto, porra.

Machado - É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.

Jucá - Com o Supremo, com tudo.

Jucá negou ter falado com ministros do Supremo sobre investigações. “Tenho conversado sobre realidade econômica do País, construir saídas para o Pais crescer. Supremo tem papel importante para julgar rapidamente as investigações", afirmou

Machado - Com tudo, aí parava tudo.

Jucá - É. Delimitava onde está, pronto.

Machado - A situação é grave. Porque, Romero, eles querem pegar todos os políticos. É que aquele documento que foi dado...

Jucá - Acabar com a classe política para ressurgir, construir uma nova casta, pura, que não tem a ver com...

Machado - Isso, e pegar todo mundo. E o PSDB, não sei se caiu a ficha já.

Jucá estaria se referindo ao potencial de danos que a Operação Lava Jato pode causar em vários partidos políticos

Jucá - Caiu. Todos eles. Aloysio [Nunes, senador], [o hoje ministro José] Serra, Aécio [Neves, senador].

Jucá - Todo mundo na bandeja para ser comido.

Machado - [...]O primeiro a ser comido vai ser o Aécio.

Machado - O Aécio, rapaz... O Aécio não tem condição, a gente sabe disso. Quem que não sabe? Quem não conhece o esquema do Aécio?

 

Jucá afirmou que o “esquema Aécio” era referente à articulação que ajudou eleger o senador do PSDB como presidente da Câmara enquanto ele era deputado, entre 2001 e 2002 Segundo o PSDB, conversa não faz nenhuma acusação aos tucanos citados