Título: Cristina arrasadora
Autor: Melo, Max Milliano
Fonte: Correio Braziliense, 24/10/2011, Mundo, p. 10

Boca de urna e primeiros resultados oficiais selam a reeleição da presidente, com mais de 52% dos votos. De quebra, o governo reconquista a Câmara. Ela dedicou a vitória ao marido, Néstor Kirchner

"Na vitória, sempre é preciso ser maior ainda e mais generoso." Em discurso diante da Casa Rosada, a presidente Cristina Fernández de Kirchner admitiu sua reeleição no primeiro turno. Sem abandonar o vestido preto — símbolo do luto pela morte de Néstor Kirchner —, ela dedicou a conquista ao marido e sinalizou um gesto de reconciliação com os opositores. "Quero convocar todos os argentinos à unidade nacional", declarou. "Kirchner foi o fundador desta vitória."

Às 23h20 (em Brasília), com 37,70% das urnas apuradas, Cristina tinha uma diferença folgada para o segundo colocado, o socialista Hermes Binner: 52,89% dos votos contra 17,17%. As pesquisas de boca de urna divulgadas no fim da tarde davam à presidente 54% dos votos. Se confirmada após a longa apuração, será a mais ampla vitória de um candidato desde o retorno da Argentina à democracia, em 1983. Além de se manter no cargo por mais quatro anos, Cristina e o vice, Amado Boudou, ampliaram a maioria no Senado e reconquistaram a Câmara dos Deputados, perdido em 2009.

Se Cristina e o seu peronismo foram as estrelas da eleição, o ex-presidente Eduardo Duhalde e a oposicionista Elisa Carrió foram destacados pela imprensa local como os grandes derrotados. Ele governou o país entre 2002 e 2003 e não conseguiu alcançar 6% dos votos, segundo as projeções feitas depois do pleito. Elisa, que ganhou 20% dos eleitores em 2007, conquistando uma segunda colocação, agora precisou amargar a sexta posição, com 1% da preferência.

O bom momento da economia — o Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 5% este ano — empurrou a atual presidente para a vitória histórica. Outro fator foi decisivo para o resultado avassalador nas urnas: a crise econômica de 2001, que esmagou a oposição. Dez anos depois de um dos momentos mais conturbados da história do país, a União Cívica Radical (UCR), então no poder, não conseguiu se reorganizar e recuperar o apoio popular. "Ainda está muito claro, na memória da população, a crise do neoliberalismo, e isso se reflete nas urnas. A UCR entrou em crise após a renúncia do presidente Fernando de la Rúa e, desde então, o peronismo de Cristina ficou sozinho no poder", contou ao Correio Facundo Galván, professor de ciências políticas da Universidade Católica Argentina e da Universidade del Salvador.

Dificuldades O início do primeiro governo de CFK — como Cristina também é chamada — foi difícil. Ela enfrentou uma crise no setor agrícola, em função de divergências em relação à política de exportação de alimentos, o que a fez perder mais de 20 pontos de popularidade. A recuperação econômica e a queda do desemprego deram mais fôlego à imagem da presidente, que conquistou de vez o coração dos argentinos após a morte de Kirchner, em outubro do ano passado. Foi esse o ponto de partida para a vitória de ontem.

Há um ano ela guarda o luto. Veste-se de preto e em várias ocasiões relembra o marido. "Emocionalmente vivo um momento muito particular. Sou uma mulher que viveu com um homem que marcou a vida da política argentina e entrou definitivamente para a história", disse, em lágrimas, após votar em Río Gallegos, ao sul de Buenos Aires.

Nas eleições de 2009, com a imagem ainda abalada pela crise agrária e por embates com outros setores, como a imprensa, o casal Kirchner saiu derrotado. Perdeu o espaço no Congresso Nacional, em especial na capital e na província de Buenos Aires, que concentra 38% do eleitorado. O governo viu-se derrotado nas eleições em 11 dos 24 distritos eleitorais do país, que somam 77,5% dos votos nacionais. E Cristina foi obrigada a fazer o que menos gosta: negociar (Leia o perfil).

Fortalecida, a "viúva de negro que conquistou os argentinos", como já foi descrita pela imprensa internacional, recupera o poder perdido na Câmara e no Senado. Segundo as projeções do jornal argentino La Nación, a Frente Para a Vitória, partido de CFK, deve confirmar os cargos que já possui, ampliando a sua maioria. No Senado, onde já possuíam maioria, devem retirar da oposição duas ou três vagas. Cristina terá sua maior vitória na Câmara: ela recuperará a maioria dos 257 assentos. A projeção é de que os governistas detenham 132 lugares, contra 125 dos oposicionistas.

Embora a vitória nas urnas demonstre o apoio de uma parcela da população, CFK está longe de ser unanimidade. O desemprego em alta, o deficit nas contas públicas e a dívida externa alarmante são desafios que Cristina precisará vencer para conquistar a outra metade da população e conseguir a indicação de um candidato nas próximas eleições, em 2015. "Nunca é saudável manter um projeto nacional apenas no valor de um nome ou uma imagem criada pelo marketing político. Mais importante é analisar o projeto de democracia por trás do governo. Hoje é mais do que evidente que os Kirchner abandonaram as bandeiras do peronismo", opinou ao Correio Fernando Tocco, candidato a deputado pela Frente Ampla Progressista (FAP).