O Estado de São Paulo, n. 44783, 28/05/2016. Política, p. A4

Moro vê ação para volta 'ao status quo da impunidade'

Juiz responsável por processos da Lava Jato critica projetos de lei na Câmara que contestam as delações premiadas e a prisão para condenados em segunda instância

Por: Ricardo Brandt / Fausto Macedo

 

O juiz federal Sérgio Moro, que conduz os processos da Operação Lava na primeira instância, criticou dois projetos de lei em tramitação na Câmara que propõem mudanças nas delações premiadas e na prisão de réus condenados em segundo grau. Em declaração dada na mesma semana em que vieram a público diálogos da cúpula do PMDB sobre tentativas de interferir na Lava Jato, Moro apontou os riscos de retrocesso no combate à corrupção e na punição a crimes de colarinho branco.

“Eu fico me indagando se não estamos vendo alguns sinais de uma tentativa de retorno ao status quo da impunidade dos poderosos”, afirmou Moro, em conferência no XII Simpósio Brasileiro de Direito Constitucional, evento da Academia Brasileira de Direito Constitucional, realizado na noite de quinta-feira, em Curitiba. “Em determinado ponto, a Mãos Limpas (operação italiana similar à Lava Jato) perdeu o apoio da opinião pública. E a reação do poder político foi com leis, como as que proibiam certos tipos de prisão cautelar ou que reduziam penas.”

Os alvos das críticas de Moro são dois projetos de lei propostos neste ano pelo deputado Wadih Damous (PT-RJ), um dos interlocutores gravados em conversas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em março, nas quais o parlamentar ouve críticas de Lula à Lava Jato. O juiz não citou o nome do parlamentar como autor das propostas, mas falou em “coincidência” que os dois projetos sejam de um mesmo autor, filiado ao PT.

Um dos projetos de lei é o 4.577/2016, que altera decisão do Supremo Tribunal Federal que estipulou a prisão de réus condenados após a decisão final no segundo grau, mesmo quando cabem recursos no processo. “Se pode comentar que essa exigência do trânsito em julgado não tem por objetivo proteger necessariamente os acusados mais abastados, mas todos. Mas a grande verdade, isso é inegável, é de que a proteção aqui não é dirigida ao João da Silva, mas sim a uma gama de pessoas poderosas que, por conta de regras dessa espécie, por muito tempo foram blindados de uma efetiva responsabilização criminal nas nossas cortes de Justiça”, disse Moro.

O segundo tema abordado pelo juiz foi o projeto de lei 4.372/16, que quer a proibição de colaboração premiada de pessoas que estejam presas. “Será que nós podemos de uma maneira consistente, qual o direito da defesa na nossa Constituição, negar ao colaborador, por estar preso, o recurso a esse mecanismo de defesa? Como é possível justificar isso?”

 

Debate. Antes da palestra de Moro, o coordenador da graduação em Direito da FGV Direito Rio, Thiago Bottino, fez críticas tanto à delação premiada quanto às conduções coercitivas, métodos empregados na Lava Jato para obter informações.

“Esse mecanismo, decretado de uma forma intencional ou não, cria uma circunstância em que o exercício do direito ao silêncio, aquela garantia constitucional, se torna mais difícil. É importante perceber que isso acaba desequilibrando os papéis, porque coloca uma das partes, no caso a acusação, em situação de vantagem contra a outra parte”, argumentou Bottino.

Em sua palestra, Moro afirmou que as divergências no meio jurídico são normais. “Precisamos pensar o nosso direito penal e o processo penal de maneira que eles funcionem. Não com objetivo de alcançar condenações criminais, mas nos casos em que for provado no devido processo a prática de um crime, tem que existir consequências, e tem que ser proporcional à gravidade do crime”, disse o juiz federal. / COLABOROU EDSON FONSECA, ESPECIAL PARA O ESTADO

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Machado diz a Sarney ter ‘contribuído’ com Temer em 2012

‘Jornal Nacional’ revela áudio que, segundo investigadores, faria referência à campanha de Chalita à Prefeitura
Por: Carla Araújo

 

O ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado disse, em conversa telefônica gravada com o ex-presidente José Sarney (PMDB-AP), que contribuiu com o presidente em exercício Michel Temer, em 2012, durante as eleições municipais.

De acordo com o Jornal Nacional, da TV Globo, que divulgou as novas gravações do ex-presidente da Transpetro, os investigadores acreditam que a citação a Temer, na conversa entre Machado e Sarney, seria uma referência à campanha do ex-deputado e ex-secretário de Educação Gabriel Chalita à Prefeitura de São Paulo.

Na época, Chalita era filiado ao PMDB - hoje, ele está no PDT e deixou recentemente a pasta da Educação da gestão Fernando Haddad (PT) para eventualmente ser o candidato a vice na chapa na campanha à reeleição do prefeito paulistano.

“Eu contribui para o Michel, não quero nem que comente com Renan (Calheiros)... Eu contribui com a candidatura do menino. Até falei com Michel em local inapropriado, na base aérea”, disse Machado a Sarney, na gravação obtida pela TV Globo. O ex-presidente da Transpetro ocupou o cargo na subsidiária da Petrobrás por 12 anos com apoio político do PMDB, em especial dopresidente do Senado.

Num trecho anterior da conversa, Machado pergunta a Sarney se ele “acha que a gente consegue emplacar o Michel sem uma articulação do jeito que esta...”, em uma suposta estratégia para evitar que o processo do ex-presidente da Transpetro fosse remetido ao juiz Sérgio Moro. “Não. Sem articulação, não. Vou ver o que acontecendo, vou no Michel hoje...”, responde Sarney.

 

Contestação. Em resposta à divulgação da gravação, Temer negou ter encontrado Machado em local inapropriado, disse que não pediu doação para Chalita e afirmou que em 2012 não foi candidato e “não recebeu nenhuma contribuição” do ex-presidente da Transpetro. Chalita não foi localizado.

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