O Estado de São Paulo, n. 44783, 28/05/2016. Metrópole, p. A12

Jovem diz que não conhecia agressores

Informação foi revelada por advogada, após depoimento; adolescente usou as redes sociais para agradecer apoio: 'Não dói o útero, mas a alma'

Por: Idiana Tomazelli e Fernanda Nunes

 

Em depoimento à Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) da Polícia Civil, finalizado ontem à noite, a adolescente de 16 anos que sofreu um estupro coletivo em uma favela na zona oeste carioca disse que não conhecia nenhum dos agressores. Assim, isentou de culpa o jogador de futebol Lucas Perdomo Duarte dos Santos, de 20 anos, com quem manteve um relacionamento amoroso nos três últimos anos e era apontado pelos investigadores como um dos principais envolvidos no crime.

A advogada Eloísa Samy Santiago, que acompanhou o depoimento, disse que a cliente reafirmou trechos do primeiro depoimento, prestado anteontem. Entre eles, a de que foi atacada sexualmente por 33 homens, que portavam fuzis e pistolas.

“Ela acordou e contou 33 homens com armas, nenhum deles conhecido. Eram homens do tráfico”, afirmou a advogada. O estupro aconteceu no sábado passado em uma casa no Morro da Barão.

Antes de depor, a vítima conversou com uma psicóloga, que tentou acalmá-la, sem sucesso. Cerca de 30 minutos depois do início do depoimento, ela começou a chorar, o que causou a interrupção das perguntas formuladas pelo delegado Alexandre Thiers, delegado da DRCI.

A adolescente conseguiu se acalmar e concluiu o depoimen- to. Ela deixou a Cidade da Polícia às 21h20, sem falar com os jornalistas. A advogada disse não saber se continuará no caso.

Redes. A jovem usou as redes sociais para desabafar ontem. “Realmente pensei serei ( sic) que seria julgada mal! Mas não fui”, escreveu. “Não, não dói o útero e sim a alma por existirem pessoas cruéis sendo impunes!! Obrigada ao apoio”, acrescentou na mensagem, curtida até ontem à noite por pouco mais de 25 mil usuários do Facebook.

Em entrevista divulgada no site do jornal O Globo, ela reviveu o episódio. “Me sinto um lixo e não queria que outra pessoa se sentisse assim.”

Na gravação, a adolescente disse ainda que um dos agressores a procurou para pedir desculpas. Ela respondeu que não há perdão. “Queria que eles esperassem a justiça de Deus.”

No primeiro depoimento, prestado ainda na madrugada de anteontem, a vítima contou que foi visitar Lucas, a quem definiu como “ficante”, no sábado passado na favela e só se lembra de ter acordado no dia seguinte, “dopada e nua”, em uma casa desconhecida e cercada pelos agressores.

Ainda de acordo com o primeiro depoimento, ela soube na terça que um vídeo com imagens suas após o estupro circulava nas redes sociais e em sites de relacionamento. Foi a divulgação do vídeo que despertou a atenção das autoridades. O caso está sendo investigado pela DRCI, por causa da divulgação do vídeo, com apoio da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítima (DCAV).

Apoio. No Facebook, a jovem recebeu centenas de mensagens de apoio de usuários. Sua foto de perfil agora ostenta o lema da campanha “Eu luto pelo fim da cultura do estupro”. Uma marcha contra a violência sexual contra as mulheres foi convocada para o dia 5 de junho, às 13h, no vão-livre do Masp, em São Paulo.

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Ex afirma à polícia que crime não aconteceu

 

Suspeito de ter participado do estupro coletivo de uma adolescente no Rio, Lucas Perdomo Duarte Santos, de 20 anos, sustentou em seu depoimento à Polícia Civil que o crime não aconteceu. Seria uma invenção da jovem de 16 anos para justificar para os pais, religiosos, imagens suas publicadas na internet. O rapaz teve um relacionamento com a garota no ano passado.

De acordo com a versão apresentada por Santos aos investigadores, após participar de um baile funk, dois casais se reuniram em uma casa abandonada no Morro da Barão, na Praça Seca, zona oeste do Rio. A adolescente teria tido relações sexuais com Ray de Souza, de idade não revelada, que também esteve ontem na Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) para prestar depoimento. No mesmo local e momento, Santos teria tido relações sexuais com outra menina, de nome e idade não informados, também presente à delegacia na noite de ontem.

 

Jovem vĂ­tima de estupro coletivo presta segundo depoimento

De acordo com a versão apresentada por Santos aos investigadores, após participar de um baile funk, dois casais se reuniram em uma casa abandonada no Morro da Barão, na Praça Seca, zona oeste do Rio

 

O advogado de Santos, Eduardo Antunes, afirmou que os dois rapazes e a moça deixaram a adolescente na casa e que não podem dizer se houve estupro em seguida. Antunes admite, no entanto, que Souza expôs foto da jovem no WhatsApp.

Jogador. Canhoto habilidoso, Santos é jogador de futebol profissional contratado pelo clube Boavista, de Saquarema, no Rio. Ao saber da suspeita de envolvimento do jogador com o estupro coletivo, o Boavista anunciou que poderá, em caso de comprovação de participação no crime, rescindir o contrato.

A situação de Santos no Boavista já não era muito tranquila. Na parte final do Estadual, o jogador chegou a ser afastado da equipe por atitudes interpretadas como indisciplinas pela diretoria, como atrasos e faltas a treinos. Morador do Morro da Barão, filho de um pastor evangélico e de uma empregada doméstica, é tido pelos colegas como um rapaz tímido.

Um dos acusados de divulgar as imagens do crime afirmou ontem, também por meio de seu advogado, que não sabia que a jovem havia sido violentada. O estudante Marcelo Miranda da Cruz Correa, de 18 anos, contou ter recebido a foto em um grupo de WhatsApp e, em seguida, compartilhou em sua conta no Twitter, já excluída.

“Ele brincou de maneira absurda. Faltou maturidade, não foi com intenção de causar vexame à garota”, disse o advogado Igor Luiz Carvalho, para quem “a família está arrasada”.

Além de Marcelo Correa e de Santos, já foram identificados os suspeitos Michel Brazil da Silva, de 20 anos, e Raphael Assis Duarte Belo, de 41. /IDIANA TOMAZELLI, FERNANDA NUNEs E SERGIO TORRES

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Morro da Barão é controlado pelo Comando Vermelho

Circulam nas redes sociais relatos de que os agressores sexuais da Barão estão sendo caçados pelos traficantes

 

Em uma região em que as favelas são quase todas controladas por quadrilhas de milicianos, o até agora desconhecido Morro da Barão surge como uma exceção. Parte do Complexo de São José Operário, que se espalha por Jacarepaguá, na zona oeste carioca, a Barão é dominada por traficantes vinculados à facção criminosa Comando Vermelho (CV). O que pode ser muito ruim para os estupradores da adolescente de 16 anos. A facção não aceita violência sexual em seus domínios.

Desde a noite de anteontem, circulam nas redes sociais relatos de que os agressores sexuais da Barão estão sendo caçados pelos traficantes. Alguns deles já teriam sido capturados, torturados e mortos, com detalhes sinistros, como decapitação e mutilação dos órgãos genitais. A polícia não confirma as informações.

Para um PM ouvido pelo Estado, as lideranças do CV na favela não devem ter ordenado o estupro coletivo, que teria sido praticado por traficantes jovens, sem funções de comando na quadrilha. A repercussão e o assédio de policiais e jornalistas a um morro até então discreto teriam irritado a cúpula da facção.

O Complexo de São José Operário abrange áreas populosas da Baixada de Jacarepaguá, como Campinho, Covanca, Taquara e Praça Seca, por onde passa a Rua da Baronesa, principal acesso à favela.

Como outras comunidades da zona oeste, as que integram o complexo foram atacadas, nos primeiros dez anos da década passada, por milicianos.

Formadas por policiais e ex-policiais militares, profissionais que passaram pelo Corpo de Bombeiros e pelas Forças Armadas e por trabalhadores do setor de vigilância particular, as milícias expulsaram as quadrilhas do tráfico de drogas de quase toda a zona oeste.

Só que os traficantes conseguiram, nos três últimos anos, retomar o domínio da favela. Inicialmente, de acordo com a s investigações policiais, porque compraram da milícia o direito de voltar a vender drogas, especialmente cocaína e maconha, nas "bocas".

Depois desse retorno, os traficantes do CV entraram em confronto com inimigos da facção Amigos dos Amigos (ADA), também interessados em se estabelecer na favela, já que a milícia havia abandonado a Barão. Nos confrontos, que duraram grande parte dos anos de 2012 e 2013, morreram pelo menos 12 pessoas.

Investigadores da Polícia Civil apontam que o tráfico de drogas na Barão tem como comandante o presidiário Luiz Cláudio Machado, o Marreta. Mesmo na cadeia desde 2014, ele dá ordens e é respeitado pelos traficantes que o representam na Barão e formam o chamado Bonde do Marreta.

Do sistema penitenciário de Bangu, na mesma zona oeste, Marreta passa as determinações ao seu gerente na Barão, o traficante Sérgio Luiz da Silva Júnior, que responde por vários apelidos, entre os quais Lobo Mau, Pará e Da Russa, o mais utilizado.

Pela captura de Da Russa, o site www.procurados.org.br oferece R$ 1 mil de recompensa a quem indicar seu paradeiro à Secretaria de Segurança do Estado do Rio. A ainda incipiente apuração policial indica que Da Russa desconhecia a realização do estupro coletivo