Título: Um fiapo de luz
Autor: Braga, Gustavo Henrique
Fonte: Correio Braziliense, 11/10/2011, Economia, p. 9

Merkel e Sarkozy concordam em concordar. Falta o "resto": o plano e o que fazer com a Grécia

Outro fim de semana, mais uma cúpula entre os líderes da Alemanha e França, a dupla que lidera os demais 15 países associados à Zona do Euro, mas, desta vez, a chanceler Angela Merkel e o presidente Nicolas Sarkozy chegaram a algum acordo, tanto que ambos decidiram eles mesmos comunicar a boa nova, embora com arestas a aparar.

Se não fosse assim, os dois não teriam feito mistério sobre o que decidiram. Admitiram apenas que a "resposta, sustentável e ampla", como disse a primeira-ministra da Alemanha, envolverá a questão da Grécia, cuja insolvência só não é formal graças ao apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Central Europeu (BCE). As duas entidades já refinanciaram bilhões de euros da dívida grega — condição para não eclodir uma quebra seriada dos bancos europeus.

Outra parcela de 8 bilhões de euros está na fila para ser liberada, e o governo grego já avisou que só tem dinheiro em caixa até o começo de novembro. A liberação depende da confirmação por auditores do FMI, BCE e União Europeia (UE) de que o ajuste imposto ao governo grego está senso seguido. Nos termos exigidos, não está, nem será, o que remete à segunda parte do acordo entre Merkel e Sarkozy.

Eles comunicaram o principal a esta altura: a recapitalização dos bancos europeus expostos aos papéis da divida pública grega, além de Irlanda e Portugal — o trio de países da Zona do Euro já sob a custódia da União Europeia —, e, por contaminação, aos da Itália e Espanha. Só não disseram como será feito, a quantia e o rateio.

Embora ambos neguem que haja divergências, o consenso entre eles, como informa a imprensa alemã, sem desmentidos, com base em fontes anônimas do governo Merkel, ainda está distante, razão pela qual o encontro das cúpulas da União Europeia, de 27 países, e da Zona do Euro, com os 17 que adotam a moeda comum, foi adiado para dia 23.

Sarkozy quer envolver o novo fundo de estabilização da Zona do Euro (o EFSF, em inglês), de 440 bilhões de euros, em fase final de aprovação pelos parlamentos regionais, no resgate da banca. Já Merkel quer que cada governo cuide de seus bancos, ficando o fundo apenas para financiar a reestruturação da dívida da Grécia e de quem mais tiver de ser acudido. No modelo francês, a Alemanha arca com o grosso do abacaxi. No alemão, a França está por sua conta.

É um problema de alta voltagem. O governo Sarkozy, que está mal-avaliado, candidatou-se à reeleição em 2012. Ele já está atrás do adversário socialista nas pesquisas de opinião. E se arrisca a ter uma crise, se a França perder a nota de crédito soberano tríplice A das agências de risco, caso assuma os prejuízos de seus bancos.

A vaidade de Sarkozy O conflito na união monetária entrou na fase de disputa política entre os seus membros principais, sem sinal de que Berlim pretenda facilitar as coisas para Paris. O mundo de Sarkozy parece idílico.

Ele aspira recapitalizar a banca, salvar a Grécia, ajudar Itália, Espanha, Portugal e Irlanda, estabilizar o euro e conservar a nota AAA da França, perdida pelos EUA e hoje, na Europa, privilégio da Alemanha e seus satélites, como Holanda e Finlândia. Sua motivação é política e de vaidade. A última cúpula do Grupo dos 20 sob a sua liderança será dias 3 e 4, no balneário francês de Cannes, quando, segundo o roteiro, a Europa anunciará seu plano contra a crise.

A esbórnia da Grécia Pelo que publica a imprensa alemã, Merkel já desenhou o mapa para tirar a Europa da lama. O ponto central é levar o governo grego a entrar em moratória, coordenada pela UE, BCE e FMI, até o Natal. O argumento é que não basta dar novos empréstimos para rolar dividas vincendas, como tem sido feito, já que o país não tem como pagar o que deve, sem prejuízo de que o governo teria de enxugar o Estado.

O que os auditores descobriram na Grécia é de chorar. Sua estatal de trens gasta 400 milhões de euros com salários, mais 300 milhões de despesas gerais, com receita de só 100 milhões. A previdência aposenta aos 50 anos 400 categorias consideradas de "risco". E quais são elas? Cabeleireira, locutor de rádio... É uma esbórnia.

Veto no Banco Central Por tais coisas, a Europa de Merkel não rima com a de Sarkozy, e a ideia da união fiscal adicional à união monetária ou emissão dos tais eurobônus é quimera. A não ser que a Zona do Euro aceite algo delicado, que começa a ser discutido pelo CDU, partido de Merkel: o voto qualificado, conforme o peso da contribuição de cada sócio com assento no BCE, em vez de um voto por país, o sistema atual.

A mudança dá a Berlim poder de veto nas decisões do Banco Central Europeu. Se for tipo pegar ou largar, a crise ficará mais feia.

Sem boia em mar aberto A Europa não está só em meio a um embate de liquidez e solvência de países e bancos, mas de acerto de uma união amparada em vontade política e não em fundamentos de simetria econômica. As diferenças continuam se ampliando. Segundo o Spiegel, 13 dos maiores bancos alemães baixaram para 5,6 bilhões de euros a exposição ao risco da Grécia, deixando o governo Merkel confortável. Já a banca francesa continua enrolada no papelório, o franco-belga Dexia teve de ser resgatado, depois de ter sido o primeiro a ruir na crise de 2008, e a maioria assiste à razia de suas ações e das linhas de crédito no mercado interbancário. E para a infelicidade geral estão todos eles, da Alemanha à Grécia, abraçados sem boia em mar aberto.