Correio braziliense, n. 19348, 16/05/2016. Política, p. 2

A pressão pela largada

Fusões e indicações de titulares sem experiências na área de comando são questionadas por especialistas. Equipe de Temer inicia a semana com série de encontros marcados para anunciar medidas e reforça necessidade da boa relação com o Congresso

Por: Paulo de Tarso Lyra e Naira Trindade

 

Durante o primeiro discurso como presidente em exercício, Michel Temer defendeu a importância das parcerias com a iniciativa privada para buscar financiamentos para diversos setores. “O Estado não pode tudo fazer”, destacou o presidente. Mas deixou claro que três áreas são essenciais para serem conduzidas e administradas diretamente pelo governo federal: Segurança, Saúde e Educação, que acabou sendo fundida com Cultura.

Das três pastas, apenas o titular da Justiça, Alexandre de Moraes, tem familiaridade direta com a área que vai comandar. Os dois outros são deputados federais e não têm militância nos respectivos setores. No caso de Mendonça, as críticas ficaram ainda mais contundentes, pela fusão de duas áreas díspares.

Artistas e produtores culturais fizeram manifestos criticando a indicação de Mendonça para a pasta. Para tentar amainar os ataques, Temer sinalizou que poderá criar a Secretaria Nacional de Cultura e com a possibilidade de indicar o ex-deputado Stepan Nercessian, do PPS. O cargo, entretanto, deve ser ocupado por uma mulher, depois das críticas sobre o atual retrato da Esplanada, formada por homens brancos e de meia idade, uma simbologia devastadora nas políticas de gênero e de diversidade.

A fusão das pastas de educação e cultura não é a única preocupação dos servidores e especialistas da educação. A visão considerada mais liberal do novo chefe da pasta também é vista como uma ameaça aos programas educacionais já implantadas, como o Plano Nacional de Educação, que está em vigor. “Temos uma lei aprovada pelo Congresso Nacional, com metas e estratégias fixadas e isso é uma política de Estado que todo o governo deve obedecer. Mas, honestamente, tenho dúvida de se haverá compromisso muito fiel dessas metas, porque elas estão em desacordo com algumas manifestações que o presidente vem fazendo”, analisou o doutor em Educação pela Unicamp e mestre em Educação pela Universidade de Brasília professor Erasto Fortes Mendonça.

Para Erasto Mendonça, o anúncio de desvinculação de receitas da União e o interesse em tornar as parcerias público-privada uma realidade podem transformar a educação do país num “desastre completo”. “Do modo que temos hoje já temos precariedade. Se você tira o recurso, então, a situação só tende a piorar”, criticou. O professor avalia os riscos de se privatizar educação, com iniciativas de PPP. “Educação é um bem público, como reza a Constituição e a lei de diretrizes orçamentárias. Ao privatizar, o Estado se afasta das obrigações de cumprir a gestão e entrega isso nas mãos da iniciativa privada”, afirmou.

A área da Saúde também gera preocupações entre especialistas, sobretudo pela mudança de perfil na gestão. Para a coordenadora-geral da Associação Latino-Americana de Medicina Social e Saúde Coletiva, Ana Maria Costa, há o temor concreto de que o atual governo possa desprestigiar ainda mais o Sistema Único de Saúde (SUS). “Existe uma tendência crescente no país da entrada de financiadores internacionais na área hospitalar, o que acaba por mercantilizar a Saúde”, disse.

Ela lembra que essa possibilidade era vedada na Constituição Federal de 1988, justamente para poder garantir o acesso à saúde pública gratuita. Ela também receia que o país passe a adotar sistemas de planos de saúde como o da Colômbia e do Chile, que são extremamente restritivos. “No Chile, o governo ´comprou´ um plano de saúde que oferece cerca de 28 especialidades. As demais precisam ser pagas pelos consumidores. Já na Colômbia os planos de saúde asseguram apenas procedimentos comuns, não as internações”, comparou Ana Maria.

Ana Maria, que também é presidente do Centro de Estudos Brasileiros em Saúde (Cebes), tem outro receio, este compartilhado com o setor de educação: a perda de recursos para financiar o setor. “Uma das grandes conquistas recentes foi a destinação, para a Saúde e Educação, de 15% dos recursos arrecadados com a exploração do pré-sal. Se os critérios de exploração e partilha forem alterados, não teremos a garantia da manutenção desses recursos”, lamentou ela.

 

Segurança

Na área de segurança, os desafios também são gigantes. Nos últimos anos, o país teve uma explosão nos índices de violência, atingindo a espantosa marca de 60 mil homicídios em 2015. “A maioria de jovens, negros e pobres”, declarou o vice-presidente do Fórum Nacional de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima. O especialista acredita que o país precisará atravessar um longo período até retomar o ambiente de tranquilidade.

Ele também destaca que é fundamental uma mudança de mentalidade. “Temos que pensar que segurança pública não se restringe à ação policial”, explicou Renato. “Se concentrarmos nossos esforços apenas na repressão, não vamos atingir nossos objetivos”, acrescentou, lembrando que o artigo 5º da Constituição Federal coloca, lado a lado, a garantia da segurança e a manutenção dos direitos individuais.

Para o coronel José Vicente da Silva Filho, consultor e ex-secretário nacional de Segurança Pública, Temer tem sensibilidade para a área, baseado no fato de que foi, por duas vezes, secretário de segurança pública de São Paulo. “Ao longo dos últimos anos, tivemos muitos programas lançados que continham apenas ações de marketing, sem efeitos concretos”, criticou ele. Vicente defende revisões de algumas legislações para tornar mais duras crimes hediondos e reverter a progressão de penas em algumas situações mais graves.

O presidente em exercício Michel Temer reafirmou em entrevista ao programa Fantástico, da Rede Globo, que pretende equilibrar a política e economia e pacificar o país durante o período em que estiver à frente do Planalto. Ao longo da transmissão, foram ouvidos panelaços e buzinaços em cidades brasileiras. Em Brasília, protestos ocorreram em Águas Claras, na Asa Sul e na Asa Norte.

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