Correio braziliense, n. 19361, 29/05/2016. Política, p. 2

PRESSÃO CONTRA A ESPLANADA ENXUTA

CRISE NA REPÚBLICA » Redução da quantidade de ministérios provoca reação de cientistas, agricultores familiares e entidades de luta pelo direito da mulher. Governo terá que explicar ao STF nesta semana a reforma administrativa realizada
Por: NATÁLIA LAMBERT

NATÁLIA LAMBERT

 

Depois de ceder à pressão de artistas e intelectuais e de recriar o Ministério da Cultura, há novos recuos no horizonte do presidente em exercício Michel Temer (PMDB-SP). Cientistas, agricultores familiares e entidades feministas não aceitam a fusão dos ministérios da Ciência e Tecnologia com o das Comunicações; do Desenvolvimento Agrário com o do Desenvolvimento Social; e o das Mulheres com o da Justiça, e prometem fazer barulho. Inclusive, o novo desenho da Esplanada causou questionamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) ao peemedebista. Baseado em uma ação do Partido Democrático Trabalhista (PDT), o ministro Luís Roberto Barroso pediu que Temer explique nesta semana a reforma administrativa feita logo após o afastamento de Dilma Rousseff do poder.

A primeira das mudanças está encaminhada. A pedido do Solidariedade, partido do deputado Paulo Pereira da Silva (SP), o Paulinho da Força, o presidente criará a Secretaria de Agricultura Familiar, que contará com as estruturas do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), e deve ser vinculada à Presidência da República e não mais ao Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário. A movimentação está sendo estudada pela Casa Civil. No início da semana passada, Paulinho, um dos principais articuladores do impeachment de Dilma, levou a Temer um documento com dados técnicos e econômicos do meio rural e pediu o recuo na extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

De acordo com o deputado Zé Silva (SD-MG), presidente da Frente Parlamentar de Assistência Técnica e Extensão Rural, um dos equívocos será solucionado com a criação da secretaria. “O MDA é um assunto de macroeconomia e não de assistência social. Mais de 50% dos produtos que impactam no IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) vêm da agricultura familiar. Não tem a ver misturar as duas coisas.” O parlamentar acrescenta que a iniciativa mostra que o governo dá importância para a agricultura familiar.

Mobilizadas em todo o país para reivindicar a recriação do MDA, entidades como a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e a Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (Fetraf) não aceitam a solução. Para Alberto Broch, presidente da Contag, a secretaria é uma enganação. “É um engodo. Queremos o ministério de volta. Uma secretaria não carrega o símbolo de um ministério”, comentou. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos que chegam às mesas das famílias brasileiras. Broch destacou que o MDA é uma conquista da comunidade rural e uma experiência de reconhecimento internacional. “Não dá para nos comparar com assistência social. Foi uma das piores besteiras. Não vai ter trégua.”

Coordenador-geral da Fetraf, Marcos Rochinski ressaltou que o desenvolvimento agrário se refere a mais de 20 milhões de pessoas e que a secretaria é um remendo para tentar melhorar a imagem do governo. “Uma secretaria não tem condições de lidar com a abrangência do setor, que é, na verdade, campo, água e floresta.” Rochinski teme, inclusive, que a extinção do ministério possa aumentar os conflitos no campo, já que a pasta cumpre “papel fundamental” na questão fundiária. Criado em 1982, o MDA havia sido extinto em1989 e incorporado ao Ministério da Agricultura. Entretanto, em 1996, uma semana após o Massacre de Eldorado do Carajás (PA), quando 19 sem-terras foram executados e 79 feridos, o então presidente, Fernando Henrique Cardoso, recriou a pasta.

 

Repercussão

O caso da jovem de 16 anos que teria sido violentada por 33 homens no Rio de Janeiro acendeu a luta de entidades feministas pela recriação do ministério das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos. Protestos em todo o Brasil têm repudiado o caso e pedido o fim da violência contra a mulher (leia mais na página 5). A presidente da comissão nacional da mulher advogada, da Ordem dos Advogados do Brasil, Eduarda Mourão, afirmou que a extinção da pasta e a ausência feminina em cargos de primeiro escalão foram retrocessos muito grandes. “É fundamental termos mulheres em cargos de comando. É uma simbologia muito importante na questão da igualdade de gênero”, comentou. Eduarda está esperançosa de que o presidente Michel Temer olhe com bons olhos para esse pedido das mulheres brasileiras. “Fazemos esse apelo para que ele retome a pasta e as mulheres possam reocupar esse espaço que lhes foi recentemente tomado. Um espaço de poder alcançado a duras penas.”

Outra frente que reivindica mudanças no quadro ministerial é a da Ciência e Teconologia. Representantes de entidades de pesquisa se reuniram no Senado para criticar a extinção do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) e enviaram ao presidente em exercício uma recomendação para a recriação da pasta. De acordo com o diretor da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Elíbio Leopoldo Rech Filho, os cortes orçamentários e a fusão com as Comunicações já têm repercutido negativamente no exterior. “É consenso global que é imperativo para o desenvolvimento e a soberania nacional de qualquer nação o investimento em ciência e tecnologia”, disse.

O diretor comenta que é compreensível a necessidade de se reduzir o número de ministérios no país e a implementação de medidas de ajuste fiscal neste momento de crise econômica, mas não dá para entender qual o motivo de se ter escolhido a pasta específica. “As pessoas têm dificuldades em entender que a tecnologia traz avanços para o país em curto, médio e longo prazos. Em países desenvolvidos, em momentos de crise, eles aumentam os investimentos em ciência e tecnologia. Não existe futuro próspero para uma nação que reduz ou interrompe os investimentos”, comentou Rech.

A presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader, criticou a estagnação dos recursos para o setor nas últimas décadas e está temerosa em relação ao futuro. Helena destaca que o Brasil, apesar das dificuldades e de ter uma ciência jovem, tem ido bem, mas tropeça, por exemplo, na inovação. “É muito preocupante. A inovação tem um papel preponderante na ciência. Na hora em que dividimos o foco, isso acontece, e como vai ficar isso agora com a fusão? A ciência, a tecnologia e a inovação precisam ser política de Estado e não de governo. O MCTI é transversal e estrutural, perpassa por todas as áreas do conhecimento”, ressaltou a pesquisadora.

Defensor do retorno do MCTI, o senador Cristovam Buarque (PPS-DF) está esperançoso de que Michel Temer recrie a pasta. “A diferença é que os cientistas falam mais baixo que os artistas, mas a academia está muito mexida. O presidente mostrou que é capaz de entender quando está errado e vamos mostrar a ele que fechar essa porta é muito complicado e abri-la será mais difícil ainda.”

 

Explicações

Provocado por ação do PDT, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso pediu ao presidente em exercício, Michel Temer, explicações sobre a reforma administrativa e estabeleceu prazo de cinco dias para que ele se pronuncie em despacho proferido no dia 23. De acordo com a assessoria de Temer, o pedido será respondido pela Advogacia-Geral da União. Na ação, o PDT pede para que os atos de Temer sejam revertidos. No texto, os advogados da legenda afirmam que “a prática de atos de nomeação para a pasta ministerial, a fusão e a extinção de órgãos ministeriais e de secretarias de governo descumpriram vários preceitos fundamentais da Constituição” e que está configurada “a usurpação das funções da presidência da República pelo vice-presidente em exercício”.

 

Em manutenção

Confira abaixo as pastas que sofreram fusões ou foram extintas no governo de Michel Temer

 

» Ciência e Tecnologia e Comunicações

Extintos. Viraram Ciência e Tecnologia e Comunicações

 

» Desenvolvimento Agrário e Desenvolvimento

Social e Combate à Fome

Extintos. Viraram Desenvolvimento Social e Agrário

 

» Justiça e Mulheres, Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos

Extintos. Viraram Justiça e Cidadania

 

» Comunicação Social

Extinto. Perdeu o status de ministério

 

» Controladoria-Geral da União

Extinto. Virou Fiscalização, Transparência e Controle

 

» Aviação Civil e Portos

Extintos. Acabaram incorporados a Transportes

 

Primeiro recuo

» Cultura

O Ministério da Cultura havia sido extinto e incorporado ao Ministério da Educação, mas a pressão de artistas e da sociedade fez com que o presidente recriasse a pasta.

 

Na mira da pressão

» Ciência e Tecnologia e Comunicações

» Desenvolvimento Social e Agrário

» Justiça e Cidadania