Correio braziliense, n. 19362, 30/05/2016. Brasil, p. 7

Joias da coroa estão à venda

Governo quer reforçar o caixa do Tesouro Nacional com concessões de obras de infraestrutura e com a privatização de estatais que interessam ao setor privado. Medida pretende impulsionar o crescimento do país

Por: Simone Kafruni

 

Com um rombo fiscal de R$ 170,5 bilhões e o país mergulhado na recessão, o governo de transição de Michel Temer aposta todas as suas fichas nos investimentos para impulsionar a retomada do crescimento. Para dar a largada, a ordem é repassar para o setor privado o que for possível. Joias da coroa, como subsidiárias da Petrobras e Eletrobras, serão os primeiros ativos colocados à venda. Mas a estratégia não para por aí. Neste momento, a carência de infraestrutura no país é uma aliada já que há muitas obras por fazer em aeroportos, portos, rodovias e ferrovias, no setor elétrico e nos campos de petróleo do pré-sal.
O Executivo sinalizou que vai lançar mão do que estiver ao seu alcance para se capitalizar, com privatizações, concessões e parceria público-privada (PPP) que serão coordenadas pela Secretaria-Executiva do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que tem como titular Moreira Franco, ex-governador do Rio de Janeiro. Para acelerar as concessões, o governo terá de recuperar a confiança, o que depende da aprovação de medidas de ajuste fiscal e de reformas profundas. Por isso, o primeiro passo será vender as joias da coroa.
Para Claudio Porto, presidente da Macroplan, só restou um jeito de fazer a expansão e a melhoria da infraestrutura: por meio da atração de capital privado. “Há uma demanda reprimida imensa, provavelmente não existe no mundo uma outra fronteira de expansão de infraestrutura tão boa quanto a do Brasil. O que temos que fazer é torná-la atrativa para os investidores estrangeiros e nacionais”, diz.
Porto explica que as joias da coroa são os ativos mais óbvios e passíveis de privatização total ou parcial em prazo relativamente curto. “As distribuidoras de energia elétrica que hoje estão penduradas na Eletrobras; a BR Distribuidora, a Transpetro e a Liquigás da Petrobras; empresas vinculadas à Caixa Econômica Federal, como a Caixa Seguradora; e, os campos não explorados do pré-sal”, lista.
O diretor em consultoria em Utilities da CGI, Marco Afonso, concorda com Porto, e vai além. “Para reduzir o enorme deficit, o governo poderá colocar à venda alguns de seus ativos, como subsidiárias da Petrobras no exterior, gasodutos, os Correios, portos, aeroportos, a Infraero, concessões de rodovias, e as distribuidoras de energia do Acre, Alagoas, Amazonas, Piauí, Rondônia, Roraima e a Celg em Goiás, todas subsidiárias da Eletrobras”, elenca.
Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (Cbie), compartilha da ideia de que o Brasil tem um setor de infraestrutura muito carente, portanto há demanda. “O grande desafio do governo é conquistar estabilidade regulatória e segurança jurídica. Tem uma série de ativos que são joias da coroa. Mas, primeiro, precisa de um governo com credibilidade”, alerta. Pires acredita que, na hora em que a presidente afastada, Dilma Rousseff, for julgada e definitivamente sair, o governo Temer terá legitimidade para promover as privatizações e concessões.
“Editais com transparência e regras claras, contemplando os riscos inerentes de cada tipo de concessão, vão atrair mais investidores. Existe muito dinheiro no mundo, para ser colocado no Brasil. Na área de petróleo, os Emirados Árabes estão líquidos e doidos para investir aqui. Só não entraram ainda porque o governo anterior tinha raiva do investidor”, destaca. No entanto, para que os campos do pré-sal saiam do papel, Pires ressalta a necessidade de aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 131, que flexibiliza a participação da Petrobras. Como a estatal tem dívidas de R$ 450 bilhões e prejuízo acumulado de mais de R$ 55 bilhões desde 2014, está sem condições de fazer frente aos 30% de participação obrigatórios pelo atual regime de partilha.

Autonomia
Na opinião do especialista em infraestrutura Claudio Frischtak, presidente da Inter.B, não é preciso reinventar a roda. “O ponto de partida é criar um ambiente positivo. O Executivo, por meio do secretário do PPI, Moreira Franco, e do ministro Casa Civil, Eliseu Padilha, vem repetindo um mantra ótimo: que as agências reguladoras são de Estado e não serão usadas politicamente. “Os órgãos precisam de autonomia decisória e financeira. Mas isso só não basta. É preciso que o governo não estipule taxa de retorno. É melhor deixar que o processo de competição determine a tarifa”, explica.
Frischtak lembra que o Executivo sempre tem a prerrogativa de cancelar o leilão. “Se aparecer alguma proposta absurda, é só o governo não aceitar”, diz. Ele sugere que, uma vez que a participação do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) será reduzida em termos de financiamento — como anunciado por Moreira Franco —, o banco de fomento funcione como braço operacional de privatização. “Isso ocorreu no governo de Fernando Henrique Cardoso. E funcionou. Pode voltar a ter esse papel”, defende.
O presidente da Inter.B, como outros especialistas, argumenta que há demanda de investimento. Segundo ele, o Brasil precisaria investir 5,5% do Produto Interno Bruto (PIB) ao longo de 20 anos para acabar com os gargalos de infraestrutura. “O mínimo deveria ser 3% do PIB para compensar a depreciação. Em 2015, o país investiu apenas 1,85%. Por isso, as coisas só ficam piores”, diz.

Dilema
Ao mesmo tempo em que há demanda interna por obras, lembra Frischtak, há excesso de poupança no mundo. “O grande dilema dos estrangeiros hoje é como obter rentabilidade. O dinheiro no banco lá fora, rende muito pouco. Os juros estão abaixo de 1% ao ano”, sustenta. Para ele, os investidores devem olhar com mais cuidado a mudança no ambiente de negócios do país nos próximos meses. “Cabe ao governo casar o excesso de poupança do mundo com a demanda por investimento do Brasil. E o BNDES pode fazer esse papel, ao estimular o mercado de capitais”, aponta.
O advogado especialista em infraestrutura do escritório L.O.Baptista-SVMFA Ricardo Medina destaca que o primeiro passo foi criar o PPI por meio da Medida Provisória nº 727. “Hoje, o país sofre com a falta de diálogo entre as instituições. Quando o presidente puxou para si a responsabilidade de dar vazão aos projetos e concentrou em um grupo o BNDES e os ministérios do Planejamento e do Meio Ambiente, resolveu boa parte do problema. Na hora que um projeto sair, já terá passado por todas as instituições”, esclarece.
Medina pondera que o governo de transição é mais liberal. “As concessões tinham taxa de retorno limitadas. Isso afasta investidor. O que o PPI está dizendo para o capital privado é o seguinte: me traz um projeto que funcione e atenda às necessidades do país e pode ter seu lucro”, resume. “Com a MP 727, o Estado deixa de ser um agente econômico e passa a ser um regulador da economia.”

 

Frase

"Há uma demanda reprimida imensa, provavelmente não existe no mundo uma outra fronteira de expansão de infraestrutura tão boa quanto a do Brasil."
Claudio Porto, presidente da Macroplan

Órgãos relacionados:

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Executivo espera atrair mais de R$ 110 bilhões

Além de privatizar as joias da coroa, o governo do presidente interino, Michel Temer, pretende destravar as concessões do programa da presidente afastada, Dilma Rousseff, e atrair R$ 110,4 bilhões em investimentos em aeroportos, rodovias, portos e ferrovias. Para isso, promete fazer ajustes nos projetos e torná-los mais atrativos aos investidores.
O advogado especialista em infraestrutura do escritório L.O.Baptista-SVMFA Ricardo Medina diz que, para viabilizar o apetite do capital privado, é preciso garantir segurança jurídica. “Se o investidor perceber que vai ficar restrito ao Judiciário brasileiro e recebimento de precatórios, não vai colocar seu dinheiro aqui”, explica. Segundo Medina, existe uma ferramenta, usada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que elimina a necessidade de apelar para o Judiciário.
Chamado dispute board, o mecanismo é contratado no orçamento do projeto. “Três especialistas imparciais acompanham as obras. Quando dá problema, eles resolvem em três ou quatro meses. Uma ferramenta dessas é fundamental porque o nosso modelo de contratação pública derreteu”, alerta.
Na opinião de Claudio Porto, presidente da Macroplan, para atrair os agentes privados, basta colocar em prática três dos objetivos do PPI que constam da MP 727. “Será preciso promover ampla e justa competição na celebração das parcerias e na prestação dos serviços; assegurar a estabilidade e a segurança jurídica, com a garantia da mínima intervenção nos negócios e investimentos; e fortalecer o papel regulador do Estado e a autonomia das entidades estatais de regulação”, ressalta.
Uma vez reconquistada a confiança do capital privado, a lista de concessões deve deslanchar. “A começar pelos quatro aeroportos que já estão em um estágio avançado (Fortaleza, Salvador, Porto Alegre e Florianópolis)”, aponta Medina, no L.O. Baptista. “Além disso, eu bateria na tecla da logística de uma forma geral: o sistema de arrendamentos de portos e rodovias. Ferrovias, infelizmente, não vão para frente no Brasil, por conta do preço, da tecnologia e da burocracia em desapropriações”, lista.

Parcerias
Claudio Porto elenca uma série de obras necessárias e que estão na “boca do gol”. “Não há mistério, elas já estão mapeadas há um bom tempo, na lista de leilões para 2016, elaboradas pelo governo anterior. O desafio é fazê-las acontecer e, para isso,  as condições têm que ser mais atrativas”, revela. Na lista de Porto também estão os quatro aeroportos, além de quatro terminais portuários no Pará, algumas ferrovias e vários trechos de rodovias federais.
Para o presidente da Inter.B, Claudio Frischtak, as parcerias público-privadas (PPPs) não serão fáceis de emplacar, num primeiro momento. “O governo federal está sem dinheiro para fazer a contrapartida. Esse modelo deve se limitar às esferas estadual e municipal”, diz. E sugere uma fórmula que já funcionou no governo FHC. “Os estados estão querendo renegociar suas dívidas. E existem empresas estaduais que não funcionam, sobretudo na área de saneamento, onde há um interesse privado muito grande. A União poderia assumir essas empresas, licitar, privatizar e abater a dívida dos estados. Há um espaço enorme. Basta ter bom senso”, recomenda.
Na opinião de Marco Afonso, especialista em infraestrutura da CGI, linhas de metrô nas diversas capitais do Brasil podem entrar na lista das PPPs. “Para o programa do governo avançar, basta aumentar o retorno do investimento por meio da liberação de tarifas mais atraentes para os investidores praticarem seus negócios, e retomar a confiança com regras claras, transparentes e com garantias de não haver retrocesso contratual”, propõe.