Correio braziliense, n. 19346, 14/05/2016. Economia, p. 7

Idade mínima deixará aposentadoria distante

Ministério da Fazenda diz que reforma da Previdência fixará limites rigorosos para garantir que todos tenham assegurado o benefício no futuro.Sistemas de trabalhadores privados e do setor público devem ser unificados.Direitos adquiridos serão preservados

 

Os brasileiros devem se preparar para ficar mais tempo no mercado de trabalho. Tanto o presidente em exercício, Michel Temer, quanto o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, defendem a reforma da Previdência Social e já deixaram claro que pretendem adiar o acesso à aposentadoria ao fixarem limites rígidos para a concessão de benefícios. A  meta é adotar idade mínima para que as pessoas parem de trabalhar. A proposta prevê 65 anos para homens e mulheres. Também está em discusão a unificação dos sistemas público e privado. Haverá regras de transição em todos os casos e direitos adquiridos serão respeitados.

Na opinião de Meirelles, do jeito que o sistema está, não é sustentável. Há o risco de pessoas que estão hoje no mercado chegarem ao período de aposentadoria e o sistema não ter como pagá-las. Por isso, a necessidade de reformas. “O mais importante é assegurar o benefício no futuro dos brasileiros. Não haverá como cumprir os compromissos, porque não poderão ser financiados. Despesa pública é sempre paga pela população. E o sistema previdenciário também”, explicou. “Temos que criar uma Previdência que garanta aposentadoria para todos que têm direito”, acrescentou. Hoje, os brasileiros se aposentam, em média, com 57 anos, contra 64 da Europa.

Em uma coisa os especialistas concordam com o governo:  se algo não for feito para garantir os recursos que vão pagar os benefícios, corre-se o risco de ninguém receber nada. “É preciso uma reforma para que a galinha dos ovos de ouro não morra”, definiu Fabio Zambitte Ibrahim, professor de Direito Previdenciário do Ibmec do Rio de Janeiro.
O direito adquirido assegurado por Temer só valerá para quem tiver preenchido todos os requisitos da lei vigente antes da reforma. “Para os outros, há mera expectativa de direito, dependendo da regra de transição”, explicou Melissa Folmann, advogada e consultora em Direito Previdenciário. Ela lembrou que a questão já foi debatida na reforma de 1998, em que foi implantada a idade mínima para a aposentadoria dos servidores públicos. “Os que tinham cumprido os critérios se aposentaram sem idade mínima e os que estavam no sistema ficaram com a regra de transição”, disse. 

Polêmica

No caso da pessoa que apresenta todas as condições para se aposentar, mas ainda não o fez por qualquer razão, as regras não mudarão porque a Constituição impede. “É normal que haja regra de transição entre os modelos. Isso é feito no mundo inteiro”, ponderou Ibrahim, do Ibmec. Ele explicou que a polêmica em torno da regra de transição ocorre porque ela é sempre mais rígida que a que está em vigor, mas não tão ruim quanto a que vai vigorar. “Usa-se o argumento de que não se pode mudar as regras no meio do jogo, mas acredito que isso só deveria valer para o futebol”, destacou

Segundo Meirelles, existem vários grupos que têm estudos bastante avançados sobre a reforma da Previdência e a necessidade de se fixar idade mínima para aposentadoria. “O caminho está claro: idade mínima com uma regra de transição. E que seja eficaz. De um lado, não tão longo que não faça efeito. De outro, não tão curto que seja inexequível”, frisou.

O consultor da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim confirmou que há estudo feito a pedido do deputado Ricardo Barros (PSDB/ PR), atual ministro da Saúde. Ele disse que vários itens são contemplados, como idade mínima, extinção do tempo de contribuição, mudanças nos regimes de concessão dos benefícios nos regimes do INSS, dos servidores e militares. Porém, ele não sabe se o estudo será levado em consideração. 

Rolim assinalou que, se a idade mínima for implantada, acabará o fator previdenciário e o sistema 85/95, que soma a idade da pessoa com o tempo de contribuição. “Não tem por que existir o fator sem a regra da aposentadoria exclusivamente por tempo de contribuição”, disse. O fator foi um remendo feito na reforma de 1998 porque a idade mínima não foi aprovada.  

Melissa Folmann destacou que não se pode afirmar que haverá extinção do fator e da fórmula 85/95, pois tudo dependerá da regra de transição. “Para os novos, com certeza, esses mecanismos serão extintos”, ressaltou. Ela acredita que, depois das discussões, o governo pode se render aos apelos populares e fixar idade mínima de 60 anos para mulheres e de 65 para os homens. “Assim, se evita a discussão sobre igualdade de gênero e torna o debate mais focado.”

  • Fique ligado

    Veja o que o governo está pensando em termos de reforma da Previdência e conheça as regras de acesso à aposentadoria me vigor em outros países

    Idade mínima    

    A meta do governo é impor uma idade mínima para aposentadoria de 65 anos para homens e mulheres. Hoje, a média de idade dos que se aposentam é de 54 anos, considerada muito baixa para os padrões mundiais e por causa do aumento da longevidade dos brasileiros.

    Unificação

    Haverá um sistema único para trabalhadores da iniciativa privada (urbanos e rurais) e servidores públicos. Mas haverá regra de transição para que essa unificação ocorra.

    Direito adquirido

    Quando o governo fala em direitos adquiridos, significa dizer que serão respeitados os direitos dos trabalhadores que já estão em condições de se aposentar quando da aprovação das futuras regras. Para eles, valerá o modelo vigente antes da reforma.

    Regra de transição

    Os trabalhadores que estarão no mercado de trabalho à época da aprovação da reforma terão que cumprir alguns requisitos para se aposentar. Será um misto das regras anteriores com as futuras regras. Haverá um prazo para essa transição.

    Fator e 85/95

    Passando a reforma, caem tanto o fator previdenciário quanto o modelo aprovado no governo Dilma, de soma da idade com o tempo trabalhado. São 85 anos para mulheres e 95 anos para homens.




     
  • Pelo mundo*

    As regras no Brasil são consideradas muito benevolentes e custam caro para o Tesouro Nacional

    Países    Carências mínimas    Carência de referência    Idade de referência    Idade mínima
    Brasil    15 anos    25/30 anos de contribuição    65 homem e 60 mulher    Não
    Rússia    5 anos    Não há    60 homem e 55 mulher    Regional
    Índia    10 anos    Não há pensão completa     55 homem e mulher    Não
    China    15 anos    Atuarial via contribuição    60 homem e de 55 a 60 mulher    50 homem e 45 mulher
    Argentina    10 anos    30 anos de contribuição    65 homem e 60 a 65 mulher    Não muda
    Chile    20 anos    Não fixa    65 homem e 60 mulher    Não
    México    Não prevê    25 anos de contribuição    65 homem e mulher    Não
    Estados Unidos    10 anos    35 anos de cobertura    66 homem e 62 mulher    —
    Alemanha    5 anos    45 anos de contribuição    65 homem e mulher    63
    Suécia    Não definida    Não fixa    65 homem e mulher    61
    Itália    15 anos    42 anos de contribuição    66 homem e 62 mulher    61
    Portugal    15 anos    40 anos de contribuição    66 homem e mulher    57

    (*) Os dados de Europa e Ásia são de 2013 e os de países da América e da África, de 2012
    Fonte: Ipea

 

Mudança rápida


Tema espinhoso, que afasta o benefício da aposentadoria do horizonte da população, a reforma da Previdência precisa ser encaminhada o quanto antes ao Congresso Nacional.. Embora sejam fundamentais para promover o reequilíbrio das contas públicas, as mudanças nas regras são altamente impopulares. E só serão aprovadas se o governo de transição aproveitar o apoio político que capitalizou e corre o risco de perder no médio prazo.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já deixou claro que pretende enviar o Projeto de Emenda Constitucional (PEC) da Previdência rapidamente ao Congresso. “Todas as reformas aprovadas foram logo no início do governo, tanto do Lula quanto do Fernando Henrique, porque é quando se tem maior capital político”, afirmou Fabio Zambitte Ibrahim, professor  de Direito Previdenciário no Ibmec, que defende pressa no envio do projeto.

O consultor da Câmara dos Deputados na área Previdenciária Leonardo Rolim não tem dúvidas de que a reforma será aprovada logo depois das eleições municipais, ainda neste ano. “O Projeto de Emenda Constitucional deve ser enviado logo. Não pode demorar muito porque é uma das mais importantes sinalizações para o mercado”, pontuou. Ele concorda, porém, que por não ser um tema palatável, o processo de aprovação é muito complicado de passar no Congresso. “Tem que ser aprovado em dois turnos na Câmara, mais dois no Senado. Se houver qualquer modificação volta para a outra casa. Além disso, tem que ter quórum de dois terços do Congresso”, disse.

Ideia estapafúrdia

A proposta nem sequer foi apresentada e já repercute de forma negativa. A Força Sindical lançou nota ontem repudiando qualquer tentativa de se fazer alterações que retirem direitos dos trabalhadores. “As afirmações do ministro da economia, Henrique Meirelles, revelando a intenção de implantar a idade mínima para as aposentadorias, são inoportunas”, disse o deputado Paulo Pereira da Silva (SD-SP), o Paulinho da Força, curiosamente um dos principais articuladores do processo de impeachment e aliado do presidente em exercício, Michel Temer.

“A estapafúrdia ideia defendida pelo atual ministro é inaceitável porque prejudica quem ingressa mais cedo no mercado de trabalho, ou seja, a maioria dos trabalhadores brasileiros. Vale lembrar que o último governo já fez mudanças no regime da Previdência que só resultaram em prejuízos para os trabalhadores”, disse.

Segundo ele, a implantação da regra 85/95 progressivamente, implantada pela presidente afastada Dilma Rousseff, já dificulta cada vez mais a aposentadoria. “A fórmula torna praticamente impossível a aposentadoria para as pessoas com idade inferior a 65 anos.”

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