Correio braziliense, n. 19337, 05/05/2016. Política, p. 2

ANASTASIA CRITICA A TESE DO "GOLPE"

CRISE DA REPÚBLICA » Relator do pedido de impeachment de Dilma na comissão especial do Senado afirma que há elementos suficientes para a abertura do processo e pondera que o afastamento está previsto na Constituição. Votação do parecer será amanhã
Por: JULIA CHAIB E NATALIA LAMBERT

JULIA CHAIB

NATALIA LAMBERT

 

Depois de um atraso no início da leitura provocado por bate-bocas, o relator da comissão especial do impeachment no Senado, Antonio Anastasia (PSDB-MG), apresentou parecer pela admissibilidade da denúncia contra a presidente Dilma Rousseff. Em 126 páginas, o senador tucano destacou pontos levantados pela acusação e pela defesa; negou a tese de golpe levantada pelo governo; e afirmou que há indícios suficientes de que a petista praticou crime de responsabilidade. “O voto é pela admissibilidade da denúncia, com a consequente instauração do processo de impeachment.” Hoje, a defesa terá nova oportunidade de falar, em seguida, o documento será discutido na sessão, que pode entrar pela madrugada. A votação será amanhã.

Anastasia foi alvo de diversas questões de ordem  — todas negadas — pedindo a suspeição dele, por ser do PSDB, partido que encampa o impeachment. O texto que pede o afastamento foca nos dois pontos principais da denúncia por crime de responsabilidade: edição de seis decretos suplementares em 2015 sem a autorização do Congresso e autorização de supostas operações ilegais de crédito, as chamadas pedaladas fiscais.

O parecer reforça o caráter político do processo, mas não menciona denúncias de corrupção que atingem o governo, e nem sequer cita o nome Lava-Jato, o que pode evitar a judicialização. A defesa da presidente Dilma reiterou que o processo não poderia ampliar a denúncia original na Câmara. Depois da apresentação do relatório, Anastasia esclareceu trecho do relatório em que abriria brecha para que o plenário incluísse novas denúncias. “O que eu falei no relatório é que se for aceita a denúncia, os fatos são esses, não mudam. Mas a tipologia, enquadramento, em qual crime de responsabilidade é que eventualmente o juiz, que é o próprio Senado, vai poder dizer. Os fatos não mudam. Agora, os fatos correspondem a quais crimes de responsabilidade? Isso é uma coisa que deverá ser definida no momento da pronúncia, não é agora”, esclareceu.

Sobre os tópicos da denúncia, Anastasia avalia haver irregularidades na edição de cinco dos seis decretos suplementares. “O problema não é a edição dos decretos. O problema é que eles desrespeitaram a evolução da meta (fiscal)”, disse, após a leitura. No parecer, o tucano refuta o argumento da defesa e diz que o Tribunal de Contas da União (TCU) não mudou o entendimento em relação à legalidade da edição de decretos. No caso das pedaladas, a denúncia se refere a atrasos em repasses — subvenções — da União ao Banco do Brasil, que custeou o Plano Safra. No parecer, Anastasia cita outros casos em que houve a prática das pedaladas fiscais. “Os fatos anteriores a 2015 não serão analisados, mas servem para ter compreensão do processo”, afirmou.

Antes de se debruçar sobre os pontos principais da denúncia, Anastasia pondera que não levaria em conta outras contestações referentes ao mandato de Dilma e os “índices críticos de popularidade”. “Por outro lado, não? se cuida, neste mister, de abonar a linha de defesa da senhora chefe do Poder Executivo, que pretende, por estratégia retorica?, a ela atribuir um salvo conduto para que transite pela historia? como a senhora do bem, que paira alem? da linha dos anjos”, pondera.

No relatório, Anastasia também criticou o discurso de golpe utilizado na defesa pelo governo. “Cabe refutar as insistentes e irresponsáveis? alegações??, por parte da denunciada, de que este processo de impeachment configuraria um ‘golpe’”, afirmou. O tucano diz que providenciou direito a ampla defesa e isso é atestado em transmissões ao vivo. Em seguida, ele afirma que o impeachment está previsto na Constituição e que o presidencialismo sem este mecanismo “é ditadura”.

 

Ânimos acirrados

Hoje, às 10h, o advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, se manifestará sobre o parecer. Em seguida, começam os debates. A senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) criticou a posição de Anastasia como relator por ele ser do PSDB e previamente ter declarado posição a favor do impedimento. A congressista afirmou ainda que o parecer inova e pode trazer problemas à administração pública caso seja aprovado em plenário. “Ele determina a convalidação de atos administrativos como inconstitucionais. Ao fazer isso para decretos da presidente em relação à meta de forma ampla, também vai dizer que é ilegal a convalidação de benefícios tributários que os estados estão querendo que se faça no Congresso. Tem irresponsabilidade do ponto de vista de determinar uma conduta daqui para frente para quem assumir a Presidência, se ela for afastada, mas para governadores e prefeitos”, afirmou. Gleisi disse que é necessário também apresentar questionamentos sobre pontos formais do relatório. A senadora diz que Anastasia não indica as fontes orçamentários e objetos usados, por exemplo.

Ontem, no início da comissão, houve novas questões de ordem, o que irritou senadores da oposição, que acusaram governistas de tentar atrasar os trabalhos. “O que vemos aqui é a repetição de um gesto que vem ocorrendo desde o começo. A ganância, a sede de poder, de quem não quer largar o osso de jeito nenhum”, afirmou o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB).

 

Principais trechos

Confira alguns pontos do relatório do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) que viu indícios de crime de responsabilidade da presidente Dilma Rousseff na edição de seis decretos sem autorização do Congresso e na prática de pedaladas fiscais

 

Defesa

»  Anastasia refuta pontos específicos apresentados pela Advocacia-Geral da União (AGU). No que tange aos questionamentos de suspeição contra ele próprio, o senador mineiro afirma que deveria então declarar a suspeição de todo o colegiado. “Finalmente, se o problema e? a nossa filiação?? partidária?, creio que essa causa de suspeição??, se existisse e fosse valida?, simplesmente inviabilizaria os trabalhos desta comissão.? Afinal, todos nos? temos — por obrigação?? constitucional — filiação?? partidária?, e todos os partidos ja? se posicionaram politicamente sobre o processo de impeachment.”

 

Pedaladas

»  No caso das pedaladas, a denúncia se refere a atrasos em repasses da União ao Banco do Brasil, que, por sua vez, custeou o Plano Safra. Anastasia ressalta que as práticas ocorreram em 2014 e que o TCU os rejeitava. As pedaladas serviriam para “subdimensionar” a dívida da União, além de maquiar as contas. Segundo o TCU, a dívida em 2014 estava subdimensionada em R$ 40,2 bilhões.? A denúncia se ampara no artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo o qual uma “instituição?? Financeira estatal e o ente da Federação?? que a controle, na qualidade de beneficiário? do empréstimo?”. No relatório, Anastasia cita outros casos em que o governo praticou as “pedaladas”, para custear outros programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida.

 

Operações ilegais de crédito

»  A denúncia analisa a edição de seis decretos presidenciais sem a autorização do Congresso Nacional, que teriam provocado déficit. Anastasia avalia que, dos seis, cinco tiveram repercussão negativa sobre a meta fiscal, e somente um não teria indícios de ferir a Lei Orçamentária. “De posse desses impactos fiscais negativos, que apontam para a existência? de transgressão? a? restrição?? fiscal contida no artigo 4º da LOA 2015, e considerando que os decretos de abertura de créditos? Constantes da denuncia? foram todos assinados pela Presidente da República?, estão? presentes indícios? suficientemente robustos para que se conclua pelo acolhimento da denúncia? no que se refere aos decretos de abertura de créditos? suplementares”, diz o documento.

 

Golpe

»  Anastasia inicia a conclusão do relatório refutando a tese de que o processo em curso é um golpe, conforme defendido pelo governo. Para o senador, é uma tentativa de “deslegitimar a própria figura do impeachment”. “A demissão? do presidente irresponsável?, por meio do processo de impedimento, e? justamente uma forma de se responsabilizar o chefe de Estado e de governo, que já? goza, no presidencialismo, de posicao?? muito mais estável? e confortável? que no parlamentarismo”, diz.

 

Protesto de jovens

Enquanto Antonio Anastasia lia o relatório, um protesto contra o impedimento da presidente Dilma Rousseff ocorria a poucos metros do colegiado, no Senado. Integrantes do Conselho Nacional da Juventude participaram de uma audiência na Comissão de Direitos Humanos e aproveitaram para fazer um ato. O grupo, de cerca de 20 pessoas, ficou no local até o fim dos trabalhos na comissão. “Fizemos um ato na comissão afirmando que não há crime para pedir o impeachment de Dilma”, disse o presidente do Conselho Nacional da Juventude, Daniel Souza. O grupo gritou palavras de ordem, como “Não vai ter golpe”, “Fora cunha” e questionou a relatoria com o senador Antonio Anastasia. Por um momento, eles também cercaram o senador Vitor Lippi (PSDB-SP), gritando “golpista”.