Correio braziliense, n. 19338, 06/05/2016. Política, p. 2 e 3

"FORA CUNHA", DIZEM OS MINISTROS DO STF

CRISE NA REPÚBLICA » Por 11 a 0, o plenário do Supremo ratifica a decisão de Teori Zavascki e afasta o presidente da Câmara do cargo e do mandato até o julgamento do processo em que é acusado de receber propinas no petrolão
Por: JOÃO VALADARES

JOÃO VALADARES

 

Réu em processo referente à Operação Lava-Jato e principal articulador do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT), o deputado Eduardo Cunha (PMDB), acusado de receber propinas milionárias e esconder em contas secretas no exterior, teve, na tarde de ontem, o exercício do mandato suspenso por decisão unânime dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A determinação ratificou medida cautelar do relator do caso, ministro Teori Zavascki, que atendeu de maneira liminar pedido da Procuradoria-Geral da República feito em dezembro do ano passado. Cunha permanece afastado até que seja julgado o mérito do processo no STF, ainda sem data marcada. Ele ainda pode ter o mandato cassado pelo plenário da Câmara após tramitação de procedimento no Conselho de Ética.

Desde ontem, o vice-presidente da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), assumiu a presidência da Casa de maneira interina. Com a suspensão do peemedebista e um eventual afastamento de Dilma, que pode ser confirmado na próxima semana, o Presidente do SenadoRenan Calheiros (PMDB-AL), passa a ser a segunda autoridade na linha sucessória do Palácio do Planalto. Num possível governo Michel Temer, o político alagoano assumiria a presidência da República durante as ausências do correligionário.

De acordo com o entendimento da Mesa Diretora da Câmara, Maranhão não entraria na linha sucessória. Quem poderia assumir seria um novo presidente da Casa, escolhido em novas eleições para a função. No entanto, Maranhão só teria direito a convocá-las em caso de renúncia de Cunha ou cassação do mandato do deputado do PMDB pelo plenário da Câmara, conforme o regimento da Casa. A oposição já começou a cobrar novas eleições por considerar que o cargo está vago.

Cunha foi notificado logo após a divulgação da decisão liminar assinada por Teori Zavascki. No início da manhã de ontem, um oficial de Justiça esteve na residência do parlamentar para notificá-lo. A decisão de Teori atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República. Mesmo se tratando de uma liminar, que significa uma medida de urgência, o ministro demorou cinco meses para proferir a decisão. A PGR entende que Cunha utilizou o cargo para atrapalhar as investigações, pressionar executivos de grandes empresas com o objetivo de receber propina e constranger pessoas que o incriminavam. Foram listados 11 motivos.

“Mesmo que não haja previsão específica, com assento constitucional, a respeito do afastamento, pela jurisdição criminal, de parlamentares do exercício de seu mandato, ou a imposição de afastamento do Presidente da Câmara dos Deputados quando o seu ocupante venha a ser processado criminalmente, está demonstrado que, no caso, ambas se fazem claramente devidas”, escreveu Zavascki.

 

Constituição

Em sua decisão, o ministro detalhou que elementos “fáticos e jurídicos” denunciam que a permanência de Eduardo Cunha, no livre exercício de seu mandato parlamentar e à frente da função de Presidente da Câmara dos Deputados, além de representar risco para as investigações penais sediadas no Supremo, “é um pejorativo que conspira contra a própria dignidade da instituição por ele liderada”, afirmou. “Nada, absolutamente nada, se pode extrair da Constituição que possa, minimamente, justificar a sua permanência no exercício dessas elevadas funções públicas. Pelo contrário, o que se extrai de um contexto constitucional sistêmico, é que o exercício do cargo, nas circunstâncias indicadas, compromete a vontade da Constituição.”

Durante a sessão, o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, afirmou que a decisão de Teori foi “legal, comedida, adequada e tempestiva”. Ele ressaltou a importância de se decidir antes de o Senado votar o afastamento da presidente Dilma para evitar que Cunha, réu na Lava-Jato, assuma a Presidência da República durante ausência de Temer num eventual governo do peemedebista. Ele fez questão de ressaltar que “o tempo do Judiciário não é o tempo da política, não é o tempo da mídia. Temos ritos, procedimentos, prazos a observar”.

O ministro Celso de Mello salientou que o caso “é excepcional e o julgamento é proferido pelas peculiaridades destacadas pelo relator”. Ele acrescentou que, no estado democrático de direito, não há lugar para poder absoluto. Dias Toffoli declarou que a decisão de afastar um político do mandato é excepcional e não pode servir de “empoderamento” ao Poder Judiciário. “Essa atuação de suspender um mandato popular por circunstâncias fundamentadas há de ocorrer em circunstâncias que sejam realmente as mais necessárias, as mais plausíveis possíveis. Não é desejo de ninguém que isso passe a ser instrumento de valoração de um poder sobre o outro”, destacou.

 

Frase

"Essa atuação de suspender um mandato popular por circunstâncias fundamentadas há de ocorrer em circunstâncias que sejam realmente as mais necessárias, as mais plausíveis possíveis"

Dias Toffoli, ministro do Supremo

 

 

Os motivos da queda

Confira por que Rodrigo Janot pediu o afastamento do presidente da Câmara

 

Forçar a produção de requerimentos no âmbito da Comissão de Fiscalização da Câmara para pressionar o lobista Julio Camargo e o Grupo Mitsui a pagar propina. A PGR assegura que o achaque ocorria desde 2003

A mesma estratégia de pressão, utilizando prerrogativas parlamentares, foi utilizada em relação ao grupo Schahin. A PGR atesta que Cunha manobrou para que integrantes do grupo fossem convocados pela Comissão de Fiscalização. São listados mais de 30 requerimentos

Convocação da advogada Beatriz Catta Preta para depor na CPI da Petrobras com o objetivo de constrangê-la por ter assessorado o lobista Julio Camargo, que acusou Cunha de receber propina

Contratação pelo valor de R$ 1 milhão da empresa de investigação Kroll. O principal objetivo, de acordo com a PGR, seria tentar descobrir algum fato que comprometesse as delações premiadas

Pressão no grupo Schahin na CPI da Petrobras e convocação e afastamento do sigilo de parentes de Alberto Youssef. O doleiro, uma das principais peças na engrenagem de corrupção na estatal, confirmou que o presidente da Câmara recebeu suborno na negociação de contratação dos navios-sonda da Samsung

Manobras para viabilizar projetos de lei que poderiam evitar a própria incriminação. A PGR afirma que Cunha atuou para modificar e impedir que um delator corrija ou acrescente informações em depoimentos já prestados

Retaliação contra aqueles que contrariam seus interesses

Participação em atos legislativos para favorecer bancos e empreiteiras e receber vantagens indevidas. Em pelo menos 10 MPs, Cunha teria recebido propina para aprová-las. Uma delas é de interesse do banco BTG Pactual, de André Esteves, que chegou a ser preso na Operação Lava-Jato

Manobras para retardar e evitar punições no Conselho de Ética da Câmara. O peemedebista responde a processo no colegiado por quebra de decoro parlamentar por ter dito que não tinha contas no exterior. Segundo a PGR, ele obstruiu a pauta e iniciou sessão com quórum abaixo do exigido para votações..

Ameaças ao ex-relator do processo de cassação no Conselho de Ética

Oferta de propina ao ex-relator do processo de cassação Fausto Pinatto. Ele relatou que foi abordado para receber vantagens ilícitas em troca de beneficiar Cunha em seu parecer