Correio braziliense, n. 19360, 28/05/2016. Política, p. 2

Fim dos processos ocultos no Supremo

Lewandowski extingue a tramitação de inquéritos e procedimentos encobertos no STF. Várias desdobramentos da Operação Lava-Jato na Corte se encaixavam nessa categoria. OAB apoia a medida

Por: João Valadares

 

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Ricardo Lewandowski, extinguiu a tramitação de qualquer inquérito ou procedimento classificado como oculto na Corte. A medida atinge políticos com foro privilegiado. Vários procedimentos relativos à Operação Lava-Jato, sobretudo as delações premiadas, estavam escondidos. Antes, algumas informações relativas a investigações só poderiam ser acessadas pelo Procurador-Geral da República ou o ministro-relator de determinado caso. O sigilo do conteúdo permanece intocável, mas, agora, qualquer pessoa pode saber se há um determinado procedimento em curso contra qualquer autoridade com prerrogativa de foro.

No sistema eletrônico do STF, é possível verificar as iniciais das partes envolvidas, os nomes dos advogados e qual a tipificação do crime relacionado ao inquérito em questão. Antes de assinar a medida, Lewandowski ouviu os demais ministros da Corte. Na resolução, ele determina que fica “vedada a classificação de quaisquer pedidos e feitos novos ou já em tramitação no Tribunal como ‘ocultos’”.

A determinação ocorre após divulgação de conversas gravadas pelo ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado que estremeceu a cúpula do PMDB, partido do presidente interino da República Michel Temer. Em diálogos travados com o ex-ministro Romero Jucá, com o Presidente do SenadoRenan Calheiros, e com ex-presidente da República José Sarney, fica claro a intenção de uma trama para tentar inibir os avanços da Operação Lava-Jato no Supremo e na Justiça Federal do Paraná. Nos bastidores, circula a informação de que a medida foi uma reação da Corte à classe política.

Como justificativa para assinatura da resolução, o ministro Lewandowski considera que a medida atende aos princípios constitucionais da publicidade, do direito à informação, da transparência e aos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. De acordo com o STF, “a norma não causa prejuízo às investigações criminais, uma vez que prevê especial proteção às medidas cautelares que devem ser mantidas em sigilo até a sua execução, a fim de que a coleta da prova não seja prejudicada.”

O texto diz ainda que os requerimentos de busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico, fiscal e telemático, interceptação telefônica, entre outras medidas necessárias no inquérito, serão processados e apreciados, em autos apartados e sob sigilo, conforme previsto no artigo 230-C, parágrafo 2º, do Regimento Interno do STF.

O Supremo Tribunal Federal atesta que, com a nova determinação, além de satisfazer as garantias constitucionais e a transparência, a medida possibilita que a Corte tenha maior controle sobre seu acervo de processos, inclusive para produção de dados estatísticos internos e para pesquisadores externos. “Desta forma, apenas as ordens de prisão e de busca e apreensão não conterão identificação daqueles contra quem foram expedidas, até que sejam devidamente cumpridas”, informa o Supremo.

Por meio de nota oficial, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, manifestou apoio à determinação de Ricardo Lewandowski. “Saúdo a importantíssima decisão do Supremo Tribunal Federal de acabar com os processos ditos ‘ocultos’. A transparência é um valor salutar para a democracia e para o bom funcionamento do Judiciário. A OAB acompanha com atenção as medidas adotadas por tribunais para ampliar o direito dos cidadãos à informação e resguardar, ao mesmo tempo, os direitos e garantias individuais.”

Interferências

Ontem, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) saiu em defesa do juiz federal Sérgio Moro, da Operação Lava-Jato, e do Supremo Tribunal Federal. Em nota oficial, a entidade se manifestou contra “ingerências que atrapalhem ou desqualifiquem a atuação do Supremo e do juiz Sérgio Moro”. O magistrado é responsável pelos processos relativos à Operação Lava-Jato.

No comunicado, a AMB repudia “qualquer tentativa de impedir a autonomia do Poder Judiciário, especialmente na atuação frente ao processo de combate à corrupção no Brasil” e aproveita para alertar que os juízes “continuarão vigilantes” contra possíveis interferências na Lava-Jato.

“Fatos recentes, como novas gravações divulgadas, reforçam ainda mais o posicionamento imparcial e firme da magistratura contra ingerências que atrapalhem ou desqualifiquem a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) e do juiz Sérgio Moro”, conclui o texto.

Frases

“Desta forma, apenas as ordens de prisão e de busca e apreensão não conterão identificação daqueles contra quem foram expedidas, até que sejam devidamente cumpridas”

Comunicado divulgado pelo Supremo Tribunal Federal:

“Saúdo a importantíssima decisão do Supremo Tribunal Federal de acabar com os processos ditos ‘ocultos’. A transparência é um valor salutar para a democracia e para o bom funcionamento do Judiciário”

Claudio Lamachia, presidente da OAB

Senadores relacionados:

Órgãos relacionados:

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Base no CPP e na Constituição

 

Os processos ocultos no Supremo Tribunal Federal (STF) tinham como base artigos da Constituição que garantem privacidade, sigilo de correspondência e o poder dos magistrados de limitar o acesso em julgamentos às partes para preservar a intimidade. Outra justificativa eram regras do Código de Processo Penal que permitia a autoridades manter sigilo de inquéritos quando “necessário à elucidação do fato exigido pelo interesse da sociedade”.

O regimento interno do Supremo determinava que cabia exclusivamente ao ministro-relator decretar a confidencialidade total ou parcial dos inquéritos sob sua condução em “autos apartados ou sob sigilo.”

Em 2014, após a Operação Terra Prometida, da Polícia Federal, os procedimentos ocultos foram alvo de crítica dos próprios ministros da Corte. Na época, o ministro Marco Aurélio Mello foi um dos que se posicionaram de maneira mais contundente. Em entrevista ao jornal O Globo, ele criticou a existência do mecanismo. “Quando você tem documentos no inquérito que devem ficar sob sigilo, quebra do sigilo bancário, você manda envelopar. Mas os autos continuam acessíveis. E a tramitação poderia aparecer no sistema”, declarou. “Eu não concebo (um processo oculto). Passa a haver um mistério. Eu lido com o direito, pegando pesado há tantos anos, não encontro uma base legal para essa pseudoproteção do envolvido. O tratamento deve ser linear, igual para todos”, disse.

Na resolução assinada por Lewandowski ontem, com anuência dos demais ministros, “os processos já arquivados poderão ter a classificação “oculto” alterada por decisão dos respectivos relatores ou por aqueles que os sucederem na relatoria”.