Título: A indústria dos campos de imigrantes irregulares
Autor: Guimarães, Lázaro
Fonte: Correio Braziliense, 11/10/2011, Opinião, p. 15

Magistrado, conselheiro nacional do Ministério Público, professor da Universidade Católica de Pernambuco (

Diz Macbeth, abalado pelo assassinato do Rei Duncan e arquitetando um novo crime político: "As coisas que o mal começou pelo mal se consolidam". Na terra de Shakespeare e nas suas antigas colônias, o programa de privatização dos presídios passa por uma nova etapa que produz efeitos devastadores sobre a imagem da Inglaterra, dos Estados Unidos e da Austrália. Empresas multinacionais estão encarregadas de administrar os campos de detenção de imigrantes irregulares, onde são desrespeitados os mais elementares direitos humanos que os países signatários da Carta das Nações Unidas se comprometeram a observar.

Guiadas pela ansiedade do lucro, essas empresas mantêm, segundo reportagem publicada no jornal The New York Times, conjuntos de galpões insalubres nos quais se amontoam aos milhares os estrangeiros indesejados que acorrem ao primeiro mundo em busca de emprego, de uma vida melhor, e encontram a dura repressão, a exploração da sua força de trabalho e de sua liberdade.

Criou-se nesses campos de concentração uma versão reinstitucionalizada da escravatura que os britânicos aboliram e combateram com sua poderosa esquadra nos séculos 18 e 19. O dinheiro público abastece os cofres das sociedades contratadas para manter esses presídios e neles são recolhidos sem direito de defesa todos os que são encontrados sem documentação suficiente para permanecer naqueles países. Há casos, inclusive, de estrangeiros com visto de turista válido e até de nacionais descendentes de imigrantes ilegalmente privados da liberdade.

Para os que estão em situação irregular, a lei internacional autoriza a deportação, mas não o encarceramento indefinido, muito menos em condições desumanas e com sujeição a trabalho forçado. Quanto aos nacionais, não se submetem a deportação e possuem direitos iguais aos concidadãos, sejam liberais, conservadores, radicais, tenham a cor que tiverem e professem qualquer religião.

Os negócios desse ramo já somam centenas de milhões de dólares, e quanto mais tempo os imigrantes permanecem detidos, à espera de uma decisão administrativa, maior o lucro dos seus carcereiros.

Tanta palavra gasta em defesa dos direitos humanos e do convívio pacífico e civilizado entre as pessoas e entre os povos, ao longo dos séculos, e o sentido pervertido da exacerbação nacionalista, combinado com a ótica selvagem do tatcherismo, enodoam o exemplo libertário que Inglaterra, Estados Unidos e Austrália transmitiram, desde a Carta Magna, à Constituição americana e à guerra contra o nazifascismo.

Há uma contradição abissal entre os valores que esses povos fizeram prevalecer com a sua rica história de conquistas libertárias, de pregação da democracia, da liberdade e do respeito às minorias e a realidade da perseguição e das privações impostas aos imigrantes. Até a Itália de Berlusconi, assolada por multidões de refugiados africanos, confere tratamento mais humano aos clandestinos. Na França, os protestos irromperam quando Sarkozy resolveu embarcar de volta aos seus países milhares de ciganos em situação irregular.

O mal e a intolerância não se sustentam por muito tempo. Um dia virá, como na floresta de indignados em avanço sobre as fortificações do tirano, de que fala Shakespeare ao final da tragédia, em que o clamor da multidão restabelecerá a solidariedade, a paz e a justiça. Ninguém imagine que a Primavera Árabe seja um fenômeno isolado. As ruas de Nova York e de Londres já são palcos, também, de ruidosos protestos.